A graduação consciente

É essencial que o postulante esteja comprometido com um maior aprofundamento teórico cientifico do judô

Uma faixa – kohaku obi – kodansha simboliza a inteligência e os princípios relacionados ao judô que dão estrutura ao conjunto de ideais e consistência moral e filosófica; portanto não podem ser deixados de lado por vaidade

Princípios do Judô
4 de dezembro de 2020
Por Prof. Me. Odair Borges I Fotos ARQUIVO
Curitiba – PR

As graduações foram criadas e designadas não como marca de poder, mas sim de conhecimento, maestria e experiência.

Hoje, as graduações usadas no judô podem muito bem ter resquícios do passado ligados à antiga hierarquia dos guerreiros samurais.  As divisões utilizadas atualmente, criadas por Jigoro Kano, denominadas kyo (graduação inferior) e dan (graduação), ultrapassaram os limites do judô, sendo também utilizadas no kendô a partir de 1917.

A graduação kyo é um ideograma kanji dividido em duas partes: o radical da direita é uma combinação gráfica que demonstra a mão que agarra uma pessoa sendo perseguida pelas costas. Simboliza então, perseguir alguém até alcançá-lo. O radical da esquerda representa o transpassar do fio no tear para formar o tecido completo. Kyo, portanto, é fazer as coisas, uma atividade qualquer, passo a passo, metodicamente, até a constituição de um todo perfeito.

Ideograma Kyo

Kano shihan, ao criar novos níveis, teve a intenção de estimular a prática do judô, denotando grande importância no acompanhamento constante para a formação do aluno ou praticante. Fixou graduações derivadas do ju jutsu logo no início, em 1882, constituídas por quatro divisões principais: kiri gami (principiante), mokuroku (nível ainda baixo), menkyo (licença para ensinar) e kaiden (alto nível, somente para descendentes diretos de professores). Algumas vezes as duas últimas apareciam juntas: menkyo kaiden. (Y. Toodo et all, 2014).

Pouco tempo depois, Kano shihan, com objetivo de motivar os praticantes, nomeou os iniciantes como mudanshas (pessoas sem graduação) separados em três níveis: hei (abaixo da média), otsu (médio) e ko (alto); em seguida, o sho-dan (primeiro dan), e assim por diante. (Judô France, 1999).

Em virtude de ser uma modalidade hierárquica, o judô se torna bastante original, principalmente numa sociedade como a nossa. É reflexo da meritocracia e em nenhum caso a graduação pode ser concebida fora de uma sequência lógica e pedagógica que represente os três nobres valores: shin, valor moral; gui, valor técnico; e tai valor físico.

Estamos sempre em processo de desenvolvimento e aprendizado, e depois de trinta, quarenta, cinquenta anos ainda precisamos estar investindo em estudos e pesquisa. Para se adquirir a habilidade de um kodansha é necessário alcançar um nível de maturidade, tanto física quanto técnica e mental, principalmente para graduações a partir do go-dan (5º dan).

Todos que têm pretensões a uma graduação superior devem ler e reler atentamente o conceito de kodansha contido nas normas do CNG da CBJ que regulam as promoções para graduações superiores. Isto é, kodansha é um título de alta graduação, específico do judô, criado pelo Instituto Kodokan. Deve ser outorgado àqueles que se empenharam no aprendizado, na prática contínua, na demonstração da sua eficiência técnica em competição, e se dedicaram ao ensino, ao estudo e à pesquisa. Portanto, seu portador é depositário e responsável pela difusão dos princípios filosóficos e educacionais do judô preconizados pelo professor Jigoro Kano. (Borges, 2010).

Tudo isso é fundamental para que as graduações mantenham um valor de igualdade, pois não pode haver grande diferença de um nível para outro.  Este é o sentido que deve ser preservado nas graduações do nosso judô. É primordial que no 5º dan, em preparação para o roku-dan (6º dan) kodansha, seja necessário pleno conhecimento geral da modalidade em nível histórico, filosófico, teórico e técnico para finalmente o postulante ser promovido à referida graduação. É essencial que esteja comprometido com a comunidade do judô, ciente do que está ao seu redor e engajado num processo de transmissão que deve conduzir a maior aprofundamento teórico-cientifico do judô.

O tempo que separa uma graduação de outra deve ser computado como um espaço de prática, trabalho, atuação pedagógica, estudo e pesquisa e jamais ficar somente na espera do escorrer de um tempo definido para ser promovido. Graduações não podem ser distribuídas a esmo. Uma faixa – kohaku obi – kodansha simboliza a inteligência e princípios relacionados ao judô que dão estrutura ao conjunto de ideais e consistência moral e filosófica; portanto, não podem ser deixados de lado por vaidades. Não podemos deixar-nos influenciar pelo processo de destruição de valores a que temos assistido em nossa sociedade. A gabolice de usufruir uma graduação superior faz com que não nos preocupemos com o conhecimento, ignorando o estudo teórico, técnico e científico do judô, revelando assim um imperdoável desmazelo e desleixo intelectual. Os anos se escorrem, os professores mais idosos chegam ao termo da vida e se despedem para a eternidade. Não podemos deixar que nossos netos vivam sem conhecer o verdadeiro judô e seus princípios educacionais.

No Brasil e no Japão, temos vários exemplos de professores com graduações superiores que devemos ter como referência de kodansha – importantíssimo conhecer suas biografias – e assim estabelecer com bom-senso comparações inteligentes.

Tenho convicção de que os abnegados e dedicados kodanshas, e sei que os há, concordam comigo em gênero, número e grau e apoiam o que aqui exponho.

Desse modo, esperamos o empenho dos dirigentes no sentido de aprofundar os estudos para capacitar nossos professores e unificar o ensino do judô no Brasil.

Esperamos que haja bom-senso em estabelecer critérios mais específicos que possam predominar, motivar e dignificar as graduações superiores e a do consciente e honrado professor kodansha.

O professor mestre de judô e jiu-jitsu Odair Antônio Borges é professor kodansha 8° dan pela CBJ e 7°dan no Instituto Kodokan, graduado em educação física, com mestrado em educação física pela USP, é professor universitário USP/PUC Campinas e ex-atleta da seleção brasileira de judô entre 1965 e 1975.