A importância de uma boa referência técnica

Na final do peso meio-leve do Grand Slam de Dusseldorf o japonês Hifumi Abe aplica um harai-goshi no georgiano Vazha Geomargvelashvili

Além de nos trazer resultados expressivos nas competições, a conquista de uma boa técnica nos proporciona grande satisfação pessoal

Treinamento de alto rendimento
11 de março de 2020
Por Prof. PAULO DUARTE I Fotos MARINA MAYOROVA e GABRIELA SABAU
Curitiba – PR

Em dezembro de 2018, o professor Isao Okano foi convidado para ministrar uma aula para os atletas da seleção japonesa de judô. Todos ficaram impressionados com seus conhecimentos e desenvoltura ao apresentar várias técnicas de sua especialidade. Depois de sua apresentação, o diretor técnico da seleção, Kosei Inoue, reconheceu que é necessário “voltar às fontes”, principalmente no que se refere aos deslocamentos no tatami, focando no trabalho adequado das pernas.

Este, segundo ele, seria o caminho a seguir pelo judô japonês para preservar a supremacia, já que tal aspecto seria muito difícil de ser imitado pelos rivais, especialmente os europeus. Chamou a atenção, também, para a prática do uchi-komi nas quatro direções e do treinamento de nage-komi.

Nas quartas de final e Dusseldorf, Hifume Abe projeta Nijat Azeshikhalizada do Azerbaijão

Conheci o professor Okano em 1965 por intermédio do professor George Kastridget Mehdi, quando do Campeonato Mundial realizado na cidade do Rio de Janeiro. Naquela ocasião, fui presenteado com o agasalho da seleção japonesa que ele estava usando. Eu tinha 16 anos. Fiquei muito emocionado em receber este verdadeiro troféu, que guardo até hoje, como símbolo daquele que, a meu ver, foi o maior judoca de todos os tempos. Sensei Okano foi campeão da Tríplice Coroa, atribuída no Japão àqueles que conquistaram campeonatos mundiais, japoneses Zen-Nihon e olímpicos. Lembrando que Okano venceu o Zen-Nihon por duas vezes (1967/1969), pesando 78kg.

Como grande referência técnica do judô mundial que chegou até mim por meio do professor George, de quem era muito próximo, tive o privilégio de aprender a essência dos movimentos técnicos tão inteligentemente apresentados por ele e didaticamente dissecados por Mehdi. Periodicamente, ele ia ao Japão e ficava hospedado na casa dele, para treinar e apreender a sua técnica inigualável para depois nos repassar.

Posteriormente, fui presenteado por George Mehdi com dois vídeos de nage-waza e katame-waza produzidos pelo professor Okano referentes aos livros por ele lançados em 1972 (nage-waza) e 1975 (katame-waza), que me deram todo o embasamento para estruturar minha carreira como professor.

Absorvendo gradativamente todo esse material que me chegava às mãos, fui desenvolvendo meu trabalho com muito empenho e dedicação aos fundamentos técnicos por ele preconizados por entender que, sem eles, meus alunos jamais praticariam um judô de qualidade.

Assim, trabalhei incansavelmente anos a fio para que meus alunos dominassem pelo menos uma técnica. Isso realmente aconteceu. Muitos ficaram reconhecidos pelo golpe que aplicavam.

Na semifinal, Abe encaixa um o-uchi-gari em Bozhidar Bultemelkov

E joga o Búlgaro de ippon

Quem viu Ricardo Sampaio (65kg) lutar deve lembrar que ele carregava, nas costas, os pesos pesados de 130, 140, 150kg e os arremessava sem dificuldades.

Quem viu o filme do Rogério Sampaio fazendo 1.000 uchi-komis de o-soto-gari numa barra, agora vai ficar sabendo de onde surgiu esse número simbólico. O professor Okano fazia 1.000 uchi-komis diariamente.

Quem vê, atualmente, Hifumi Abe jogando seu espetacular seoi-nage fique certo de que é Tadahiro Nomura (tricampeão olímpico) quem faz os ajustes de seu golpe.

“Em termos de judô, fomos colonizados pelos japoneses, mas podemos fazer muito mais do que estamos fazendo no momento.”

Foi necessária toda esta narrativa para que vocês compreendam a importância de ter uma pessoa que domine, comprovadamente, o golpe que pretendemos transformar em nosso tokui-waza. Só assim poderemos, realmente, extrair todos os detalhes importantes para chegar ao domínio de uma técnica. No caso de atletas competidores, a escolha deve recair sobre pessoas que têm uma postura elegante e que sejam, também, grandes campeões. Deslocar-se com suavidade sobre os tatamis é condição sine qua non para uma boa performance. Isso faz toda a diferença. A força concentrada nas pernas inibe os deslocamentos. É sobre isso que o professor Okano chamou a atenção, para o que deve ser melhorado e acelerado entre os japoneses, porque este é o grande diferencial a favor deles.

O mesmo o harai-goshi aplicado no georgiano Vazha Geomargvelashvili, na final do peso meio-leve, visto por outro ângulo

A parte física está igualada e nivelada em todos os continentes. Os aparelhos de musculação, os suplementos alimentares e os alimentos orgânicos são produzidos em todos os países ou para eles são enviados. Portanto, os condicionamentos físicos se equivalem. Todos os atletas são fisicamente fortes e bem condicionados, embora cada modalidade tenha características próprias que devem ser respeitadas. No judô, corrida no campo, subida de escada e subida de corda são exercícios específicos que não devem ser negligenciados.

O diferencial, como vimos, não está na parte física e sim na parte técnica. Os deslocamentos (tai-sabaki) “são um aspecto difícil de ser imitado por rivais, especialmente europeus”.

A conquista de uma boa técnica nos proporciona grande satisfação pessoal, além de nos trazer resultados expressivos nas competições. Temos uma história que nos permite pensar assim. Fomos colonizados pelos judocas japoneses, em termos de judô. Podemos fazer muito mais do que fazemos no momento. Não desperdicem a oportunidade. Sigam-na!

Boa sorte a todos!