Com mae-geri fulminante, Lyoto Machida apaga Vitor Belfort

Lyoto Machida acerta o queixo de Vitor Belfort (Foto: Ricardo Moraes / Reuters)

Estrategista, o karateca paraense encaixou um potente chute frontal com a perna esquerda que transpassou a defesa de Belfort e nocauteou um dos maiores ícones dos octógonos

UFC 224 Rio
14/05/2018
Por PAULO PINTO I FOTOS LEO CORREA/AP – ANDRÉ DURÃORICARDO MORAES/REUTERS
Rio de Janeiro – RJ

Aos 56 segundos do segundo round do principal combate do UFC 224, realizado neste sábado (12 de maio) na Jeunesse Arena, no Rio de Janeiro, Lyoto Machida apagou seu adversário e decretou uma derrota dramática no último combate da extraordinária carreira de Vitor Belfort.

Foi uma luta protagonizada por dois gigantes das artes marciais mistas, e o karateca impôs uma dura derrota ao especialista em boxe com um potente mae-geri-keagi (chute frontal no rosto).

O primeiro round foi de muito estudo, e nenhum dos dois lutadores deu espaço para o adversário, o que proporcionou poucos lances de emoção e irritação do público, que por alguns momentos vaiou a passividade de ambos.

Lyoto observa a queda de Belfort (Foto: André Durão)

Entretanto, no segundo assalto, Machida aproveitou um descuido de Vitor e encaixou um potente chute frontal com a perna esquerda que destruiu a defesa de adversário, acertou a ponta do maxilar e fez o carioca desabar desacordado.

Após acordar e já recuperado do golpe violento, Vitor Belfort agradeceu o carinho do público, que o apoiou mesmo após o revés, gritando seu nome da arquibancada, e saiu do octógono deixando as luvas nos tatamis, sinalizando sua aposentadoria.

“Parabenizo o time do Lyoto e agradeço a meu time, meus fãs e minha família pelo apoio incondicional em todos estes anos. Tudo na vida tem começo, meio e fim. Agora é hora de cuidar da minha família”, disse o Fenômeno.

Preparo e princípios fundamentados no Budô

Exibindo o conteúdo filosófico da doutrina que lhe foi transmitida por seu mestre e a importância do preparo fundamentado nos princípios do Budô, após nocautear seu adversário Lyoto Machida curvou-se diante de Belfort, enquanto ele era atendido pela equipe médica.

Usando os dois braços, Vitor Belfort bloqueia o forte mawashi-geri de direita desferido no primeiro round (Foto: Leo Correa/AP)

Além de reverenciar a importância de seu adversário no combate, Machida primeiro saudou Belfort em ritsu-rei (cumprimento em pé) e depois em za-rei (cumprimento ajoelhado).

Externando profundo respeito por seu oponente, na sequência o karateca aguardou o resultado do atendimento médico em seiza, que é o modo correto de sentar nos tatamis.

“Treinei muito para essa luta, mas não treinei tanto o mae-geri. Mas, quando estamos bem treinados e preparados, conseguimos enxergar bem a luta e fazer coisas que não treinamos. O desfecho foi muito parecido com o do combate contra o Randy Couture, quando ele se aposentou, com a diferença de que o dele foi um mae-geri-keagi de direita e este foi de esquerda.”

Vitor Belfort se aposenta sendo um dos maiores ícones do esporte, tendo sido campeão do UFC nas categorias meio-pesado e pesado.

A importância da prática incessante do kata

Alguns colegas da imprensa destacaram um fato curioso que ocorreu antes do combate. Enquanto esperava Vitor Belfort entrar no octógono, Lyoto treinou pelo menos umas cinco vezes o fatídico chute durante o aquecimento. Numa delas fez do corner seu adversário imaginário.

Belfort apara chute lateral de esquerda (Foto: André Durão)

Na verdade, o que Machida fazia para manter-se concentrado e aquecido era praticar o kata. Principal fundamento do karatê e do judô, o kata é uma sequência de movimentos de ataque e defesa, cujo objetivo principal é proporcionar aprendizado mais profundo da arte e experiência de luta.

O kata possui outras facetas além do treinamento físico. Cada forma também possui um componente psicológico, pois prepara o karateca para o combate real, e um componente filosófico, que busca transmitir valores e pensamentos críticos para avaliar serenamente situações adversas.

Premiação extra

Após nocautear Vitor Belfort com uma atuação de gala no card principal do UFC Rio, o karateca ainda recebeu um prêmio extra da organização do evento.

Em anúncio oficial feito na coletiva de imprensa, a direção do UFC anunciou que Lyoto Machida receberia o cheque de 50 mil dólares (cerca de R$ 170 mil) por ter apresentado uma das melhores performances do programa.

Budoka na acepção da palavra, Lyoto faz o ritsu-rei diante do oponente caído (Foto: André Durão)

Técnicos e dirigentes avaliam o desempenho de Lyoto

Geraldo de Paula, head coch da seleção paulista de karatê, explicou que o mae-geri é uma das técnicas mais básicas do karatê Shotokan e o chute mais utilizado na tradicional modalidade de luta japonesa.

“Em 2011 Lyoto Machida venceu e nocauteou Randy Couture no UFC 129 aplicando um mae-tobi-geri em seu adversário. Desconhecendo as técnicas de nossa modalidade, alguns jornalistas escreveram que ele venceu usando o golpe karatê kid. Outros cometeram o absurdo de afirmar que Lyoto havia aprendido aquele golpe com Steven Seagal, o astro de Hollywood. Na verdade, todos sabem que Lyoto é filho do shihan Yoshizo Machida, japonês radicado em Belém do Pará há muitas décadas e um dos principais mestres do karatê-dô tradicional e do karatê Shotokan em atividade no mundo”, lembrou Geraldo de Paula.

“Neste sábado Lyoto nocauteou Vitor Belfort usando a técnica mae-geri-keagi (chute frontal no rosto). Os dois chutes são tipicamente do karatê. Minha geração usava muito esta mesma técnica, mas os chutes eram aplicados na altura do abdômen, mae-geri-chudan. Era o golpe preferido da grande maioria dos karatecas daquela época. Hoje, até mesmo pela regra atual da World Karate Federation (WKF), ele está meio fora de moda mas pontua da mesma forma”, explicou o head coch da FPK, que finalizou detalhando a infalibilidade do mae-geri.

“Os mestres antigos sempre ensinaram o mae-geri com muito afinco. Em todas as organizações ou linhagens do karatê Shotokan ele é absoluto e infalível como técnica de defesa pessoal. Pela estratégia de movimentação do Lyoto diante do Belfort, a aplicação desta técnica não se deu por acaso. Foi planejada deste o início do combate e encaixada com precisão no momento mais oportuno”, avaliou o técnico da seleção paulista de karatê.

 

Gilberto Gaertner, presidente da International Traditional Karate Federation (ITKF), destacou a eficiência do golpe único.

“Primeiramente os dois atletas resgataram o respeito entre os lutadores. Ambos possuem muita qualidade e experiência e, por consequência, fizeram uma luta muito técnica e bem estudada. O grande trunfo do Lyoto foi voltar às origens e enfatizar a postura e as técnicas de karatê. O mae-geri aplicado foi um belo chute com tempo, distância, potência e alvo perfeitos. Um golpe clássico de karatê de verdade, ou seja, eficiente e com a premissa de golpe único”, explicou Gaertner.

Tasuke Watanabe, coordenador técnico da Confederação Brasileira de Karatê-dô Tradicional (CBKT), destacou que o trabalho da equipe de karatecas foi muito bom.

“O Lyoto sempre foi orientado por grandes professores e seu repertório de técnicas é bastante vasto. No confronto de sábado ele lutou karatê de verdade, concentrou o foco naquilo que treinou desde pequeno e deu certo. Manteve postura correta, a distância (maway) exata, tentou vários chutes de direita e esquerda, até que no segundo round achou uma lacuna (kyo), entrou com um mae-geri e fez ippon. Penso que a atuação dos coches Vinícius Antony e Shinzo Machida foi determinante porque ambos souberam mantê-lo focado, tranquilo e apresentando uma variação de técnicas muito boa. A vitória foi mera consequência de um excelente trabalho em equipe.”