Comissão científica da FPJudô, um sonho antigo que se concretiza

Professor doutor Alexandre Janota Drigo, coordenador da Comissão Científica da FPJudô

Este artigo procura identificar os fundamentos e as contribuições iniciais da estrutura de suporte científico que se vêm concretizando no judô paulista

Gestão Esportiva
10 de abril de 2020
Por ALEXANDRE JANOTTA DRIGO I Fotos BUDOPRESS
Curitiba – PR 

Neste artigo o professor doutor Alexandre Janota Drigo faz um resumo do cenário científico voltado ao judô no Estado de São Paulo. No começo, cita trecho extraído do livro Energia mental e física, escrito por Jigoro Kano, fundador do judô (Editora Pensamento, São Paulo, 2008).

“Passei vários anos desenvolvendo minhas ideias, até finalmente criar o Judô Kodokan, estudando profundamente as técnicas e teorias e reformulando-as de uma maneira que fosse aplicável para a sociedade atual. Concluí que a educação é a única coisa à qual um homem poderia devotar sua vida sem arrependimentos, e assim busquei uma carreira na área da educação”, escreveu o professor Jigoro Kano.

Francisco de Carvalho, Chicão Camilo, Alexandre Drigo e Alessandro Puglia na reunião que deu início ao ambicioso projeto da FPJudô

Protagonismo paulista

O Estado de São Paulo sempre exerceu grande protagonismo no judô devido à forte presença de imigrantes japoneses. Fundada em 17 de abril de 1958, a Federação Paulista de Judô (FPJudô) iniciou no País o processo de coordenação e fomento da modalidade, dando o start para a formação de uma confederação nacional, que ocorreu somente em 18 de março de 1969 com a fundação da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), oficializada pelo Comitê Olímpico do Brasil em 1972.

Nas áreas técnica e de gestão a FPJudô quase sempre instituiu as normas e regras que, depois de adaptadas, foram adotadas por praticamente todas as 27 federações estaduais que constituem a CBJ. Desnecessário relacionar neste artigo tudo que foi criado em São Paulo no tocante à gestão e à área técnica da modalidade.

O Estado destaca-se também quanto ao desempenho de atletas medalhistas olímpicos e campeões mundiais de judô. Entre eles, consideramos importante neste contexto mencionar o professor doutor Mateus Sugizaki, o primeiro campeão mundial brasileiro (Campeonato Universitário de 1969) e uns dos primeiros judocas brasileiros a obter o título de doutor. Assim, apontamos que o judô e as universidades paulistas registram grande proximidade. A modalidade está presente como disciplina curricular nos cursos de educação física da Polícia Militar do Estado de São Paulo, primeira escola de formação de instrutores militares em educação física do Brasil, desde os anos 1910-1920. A modalidade consta também do currículo do primeiro curso para civis, da Universidade de São Paulo, fundado em 1931 e com início de atividades em 1934.

Em relação à pesquisa científica, uma das primeiras dissertações de mestrado com a temática judô no País foi do professor kodansha Odair Borges, com o título de Estudo sobre a eficácia do kumi-kata em lutas de judô, defendida na Escola de Educação Física da USP em 1989. A USP mantém a tradição de pesquisa com a modalidade, representada atualmente pelo professor doutor Emerson Franchini, considerado um dos maiores pesquisadores de esportes de combate da atualidade.

Na Unesp de Rio Claro temos pesquisado formação e intervenção profissional para a atuação no esporte e na saúde. Os estudos específicos de judô começaram em 1994, e contamos hoje com dez livros publicados, dez capítulos de livros, 11 artigos internacionais, seis artigos nacionais, cinco publicações em congressos internacionais e 40 publicações em congressos nacionais apenas com esta temática. Formamos no programa de pós-graduação em ciências da motricidade dois doutores e dois mestres acadêmicos que estudaram esportes de combates ou são judocas. Atualmente orientamos um doutorando e um mestrando, no caso o Francisco Camilo, parceiro nesta empreitada.

Francisco de Carvalho, Alexandre Drigo e Juliana Cesana em evento do CREF4/SP

Neste sentido, uma das primeiras preocupações que visualizamos está na otimização dos cursos de formação dos técnicos de judô, objetivando contribuir com o que já está sendo feito, porém organizando os conteúdos. Assim, propomos a formação de cursos técnicos de acordo com as tendências internacionais, dividindo o conteúdo em módulos e em processos continuados em níveis progressivos (de 1 até 4). Outra proposta, que levaria mais tempo, é de conseguir instituir cursos de especialização e mestrado profissionalizante (MBA) em judô.

Esta inciativa se faz necessária porque estamos empenhados em acompanhar o desenvolvimento que o judô experimenta internacionalmente, tomando o Japão como nossa maior referência. Especificamente, a Universidade de Tsukuba, fundada em 1872 pelo sensei Kano, que oferece importante suporte científico para a modalidade naquele país, organizando as ações de iniciação ao alto rendimento.

Propositadamente apresentamos as frases iniciais deste texto atribuídas ao próprio sensei para indicar que ele valorizou e registrou a necessidade do judô em relação à sociedade atual e seus desafios. Por isto que, ao renovar os aspectos tradicionais do judô no próprio Japão, não houve problemas com as questões históricas ou filosóficas, pois as atitudes foram adequadas.

Neste sentido, sensei Okada, que trabalha na Universidade de Tsukuba, em sua passagem recente por São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, apresentou parte do currículo escolar do judô nas escolas do Japão. Ele descreveu a atitude dos professores, que devem enfatizar a segurança e a formação ética e moral, abordando a parte técnica com processos educativos que limitem riscos ou desconfortos para a criança.

Outro exemplo, abordando o alto rendimento, é do atual técnico principal da seleção japonesa, Kosei Inoue, que antes de assumir o cargo de headcoach era professor do Departamento de Educação Física da Universidade de Tokai. Assim, verifica-se claramente a relação existente entre o judô e a universidade no Japão.

Da mesma forma, outros países têm-se dedicado a pesquisa, profissionalização e divulgação científica do judô. Podemos citar a revista francesa Education Physique, que publica mensalmente artigos sobre pedagogia voltada ao judô, e a revista Archives of Budo, do Leste Europeu, que traz artigos científicos sobre esportes de combate, com destaque para o judô. Logo sairá, ainda, o primeiro número da revista científica de judô editada pela FIJ, na qual esperamos ver a participação de pesquisadores do Brasil. O lançamento fará parte das comemorações das Olimpíadas de Tóquio 2020.

Alexandre Drigo e Francisco Camilo encabeçam a Comissão Científica da Federação Paulista de Judô

Comissão científica

Esta iniciativa da FPJ busca proporcionar formação cada vez mais profissional de professores, técnicos e instrutores, alicerçada nos valores da modalidade, porém adequada aos padrões e desafios da sociedade atual. Para isto buscam-se, emergencialmente, duas ações: 1) reorganizar o conhecimento básico do nosso judô mediante pesquisas direcionadas ao registro de memórias, conhecimento técnico e pedagógico dos grandes mestres brasileiros, pois precisamos de identidade, e 2) conhecer nossos próprios praticantes em relação a sua formação profissional – vários judocas paulistas e brasileiros são especialistas, mestres e doutores, e o registro e a organização deste grupo pode oferecer autonomia para a construção de cursos, independendo de outras instituições.

Dentro destas ações, podemos organizar algumas atividades de coordenação, porém as parcerias com os 16 delegados regionais e outras instâncias federativas são imprescindíveis para o sucesso da comissão. Conforme apresentamos anteriormente sobre o protagonismo de São Paulo no judô – e nos colocamos neste momento vislumbrando que a FPJudô está acolhendo este sonho –, convém dizer que nos estamos esforçando pelo engrandecimento do judô no País como um todo e, ao chamarmos atenção para este projeto, esperando que ele se amplie para outros Estados.

Da mesma forma, aproveitaremos possibilidades de parceiros, como o CREF4/SP, cujo presidente Nélson Leme da Silva Júnior, indicou durante o Credenciamento Técnico da FPJudô 2020, “que o Conselho Regional de Educação Física da 4ª Região está aberto a parcerias, principalmente as que  visem à melhora dos serviços prestados na área de educação física e esportes para a sociedade brasileira.” Desta forma, consideramos que a participação do CREF4/SP seria indicativo de um bom começo para esta comissão.

Por fim, a comissão cientifica da FPJudô deverá ter como missão oferecer conhecimento atualizado, apoiar pesquisas e estudos e fortalecer a formação profissional pautada no caráter científico, pedagógico e tecnológico. A atual crise internacional deflagrada pela covid-19, mencionada como um triste exemplo, apresenta-se como um desafio que a sociedade atual nos apresenta. Desta forma, precisamos entender esta realidade para viabilizar procedimentos que minimizem as perdas que teremos.

Alexandre Janotta Drigo é bacharel em biologia e educação física (EF); mestre em ciências da motricidade pela Unesp/RC; doutor em EF pela Unicamp e orientador da pós-graduação em ciências da motricidade da Unesp. Pesquisa formação profissional em EF, atividade física e saúde, lutas e metodologia do treinamento. Membro do Conselho Federal de Educação Física, tem 63 artigos científicos publicados no Brasil e no exterior, dez livros e 22 capítulos, entre outras produções. É coordenador da comissão científica da FPJudô.