Dirigente francesa lembra busca pela perfeição que levou Nishiyama a criar um método fundamentado no Budô

Sandrine Le Corre e Hidetaka Nishiyama no campeonato Europeu de 2005

Para a presidente da Federação Francesa de Karatê Tradicional (FFKT), Sandrine Le Corre, o karatê atual deve conter aspectos da filosofia moral contemporânea e contribuir decisivamente nas ações e escolhas dos indivíduos

Interview
8 de janeiro de 2021
Por ISABELA LEMOS / BUDOPRESS
Curitiba – PR

À frente da Federação Francesa de Karatê Tradicional (FFKT) desde 1996, a professora roku-dan (6º dan) Sandrine Le Corre apresenta uma trajetória inteiramente dedicada a educação, artes marciais e saúde. Seu objetivo é fazer com que o karatê tradicional seja reconhecido como vetor educacional. Ao lado de seu falecido marido, o professor Ibrahim El Marhomy, Sandrine foi responsável por grande parte do desenvolvimento do karatê tradicional da International Traditional Karate Federation (ITKF) na França. Atualmente, a FKT Budo France tem 1.500 membros que representam 25 clubes filiados.

Sandrine e Gaertner no congresso geral da ITKF em 2019 © Budopress

De 2000 até os dias atuais, Sandrine dedica-se ao ensino do karatê tradicional com foco no acompanhamento de crianças. Além disso, trabalha no National Center for Scientific Research há mais de 30 anos nas áreas de imunologia do HIV, biologia molecular do câncer e, recentemente, na área da neurociência. Detentora de mestrado em coaching profissional, trabalha também como coach na Réussite Éducative para alunos que enfrentam dificuldades no ensino médio.

Sandrine em treinamento com sensei Okamoto (2001)

Ela conta que nos anos 1980, ainda no ensino médio, sentiu interesse pelas artes marciais japonesas – tanto pelo aspecto prático e esportivo quanto pelo compromisso com a filosofia de vida. Mesmo numa época em que poucas mulheres frequentavam o dojô, para ela foi bastante natural matricular-se no karatê. Após alguns anos de prática, notou que estava perdendo o aspecto filosófico da arte marcial. Então, decidiu procurar um dojô que contribuísse com todas as suas pesquisas. Foi uma grande coincidência quando, em 1987, inscreveu-se no dojô do sensei Ibrahim El Marhomy, com quem se casaria anos depois.

Le Corre avalia que o karatê tradicional está num importante ponto de inflexão em sua existência

Contato com o mestre Nishiyama

Seu primeiro contato com o mestre Nishiyama foi em 1994, durante um seminário internacional organizado na França. Sandrine revela ter encontrado sua forma de viver o karatê-dô por meio da inspiração oferecida pelo mestre “Fiquei maravilhada com a sua presença! Ele foi, ao mesmo tempo, instrutor, fundador e líder da Federação Internacional de Karatê Tradicional. Sua busca pela perfeição do indivíduo o levou a criar um método de treinamento baseado no conceito de Budô. Para demonstrar os benefícios desse conceito, ele trabalhou com pesquisadores, psicólogos e sociólogos. O mestre emanava uma aura extraordinária e de grande humildade. Ao conhecê-lo, finalmente encontrei meu caminho. Segui seus ensinamentos indo para a Universidade de San Diego (CA) e fui aceita em todos os meus exames: faixa preta, instrutora, examinadora e treinadora”, afirmou a dirigente.

Disputa de enbu no Europeu de Moscou (2002)

Segundo Sandrine, Nishiyama adorou ir a Paris, oportunidade em que puderam conversar muito e trocar conhecimentos. Ele confiou tarefas ao seu marido sensei El Marhomy e a ela. “Ele percebeu que meu falecido marido era um técnico muito bom, mas todas as questões administrativas, de desenvolvimento e de organização foram deixadas para mim. Ele estava confiante e nos nomeou oficialmente fotógrafos oficiais para grandes eventos e nos atribuiu a responsabilidade de desenvolver o karatê tradicional no Oriente Médio e na África.”

O casal era próximo ao sensei Nishiyama e sua família. À época de seu falecimento, organizaram oficinas em sua homenagem e o dinheiro arrecadado foi entregue à família do mestre. Sandrine acredita que o professor Nishiyama deu tudo pelo karatê tradicional, viajou o mundo inteiro para ensinar o Budô e essa parecia a coisa mais certa a se fazer para ajudar sua família.

Sensei Sandrine ministrando curso em (2006)

Sua trajetória na FFKT

Fundada em 1990, a Federação Francesa de Karatê Tradicional (FFKT) teve o sensei Ibrahim El Marhomy como diretor técnico nacional em 1994 e Sandrine como presidente em 1996. El Marhomy era conhecido no Egito por fazer parte da primeira geração de karatecas formados sob a influência do sensei Nishiyama com a International Amateur Karate Federation (IAKF) em 1972, além de ser reconhecido na França por sua técnica aliada a rica pedagogia.

Ibrahim El Marhomy e Sandrine com o mestre Nishiyama em San Diego (2000)

“Em 1994, abrimos um dojô dedicado às artes marciais. Em 1996, tornei-me a primeira mulher presidente de uma federação esportiva de artes marciais em meu país. Assim que fui eleita, coloquei a federação em ordem administrativa e decidi estudar as diferentes regras da ITKF. Hoje, sou instrutora, árbitra, examinadora e treinadora internacional. Em 2004, criei programas nacionais de ensino sobre o papel educacional e os benefícios do karatê tradicional como um acompanhamento para crianças pequenas.”

Reunião da ITKF realizada no Egito (2011)

Em 2005, Sandrine criou a Todome, uma revista para a promoção e desenvolvimento do karatê tradicional na França. No ano de 2011, a Egyptian Traditional Karate Federation (ETKF) tornou-se reconhecida após uma longa luta e por meio da implementação de um projeto educacional. Em 2019, a dirigente recebeu a medalha de bronze do Ministério da Juventude e Esportes e da Educação Nacional.

Momento atual e futuro pós-pandemia

Sandrine explica que a FFKT decidiu, por meio de sua comissão técnica, não ter uma equipe regular de atletas na seleção francesa, o que dá chance aos mais merecedores, que se comprometeram, treinam e querem participar de uma experiência que jamais esquecerão.

A ITKF é a entidade fundada pelo sensei Nishiyama e cabe a ela resguardar e fomentar o seu legado.”

Os projetos futuros para a federação francesa, desde que melhore a situação da covid-19 no país, preveem seminários, incluindo os da ITKF, e avaliação com colegas europeus da possibilidade de criação de um número maior de eventos regionais.

Parte da seleção francesa no Mundial de Belgrado (2002)

A dirigente francesa acredita que o karatê tradicional está num importante ponto de inflexão em sua existência devido aos seus valores, código de ética e deontologia. Agora em escala mundial, ela acredita que muitas federações afirmam ser as fundadoras do chamado karatê tradicional, mas somente a ITKF herdou e fomenta verdadeiramente o legado do hanshi Hidetaka Nishiyama.

Sandrine e Richard na assembleia Geral da ITKF em Curitiba (2019) © Budopress

“É por isso que sempre insisto nas palavras karatê tradicional e ITKF. A ITKF é a entidade fundada pelo sensei Nishiyama e cabe a ela resguardar e perpetuar seu legado. É a nossa casa, família e nossa herança. Apesar das dificuldades causadas pela pandemia, eu gostaria de saudar o trabalho de nosso presidente Gilberto Gaertner, do nosso secretário geral Luiz Alberto Küster e do nosso diretor técnico internacional Richard Jorgensen por todo o trabalho que vêm fazendo para aproximar os países por meio da plataforma Zoom”, disse Sandrine.

A dirigente francesa recebe a medalha de bronze do Ministério da Juventude e Esportes e Educação

A dirigente francesa acredita que, para popularizar e desenvolver o karatê tradicional, deve existir uma linha de conduta comum em todos os países sob um mesmo código de ética e deontologia. Além disso, para ela, deveria haver uma aproximação ao Comitê Olímpico Internacional (COI) e organizações como a Unesco.

Gilberto Gaertner, presidente da ITKF, avalia que a dirigente francesa oferece contribuição expressiva no contexto continental e global da modalidade.

Cerimônia de outorga de dan da FFKT (2019)

“A sensei Sandrine é uma instrutora e dirigente diferenciada, com sólida formação tanto no karatê tradicional quanto nas áreas da saúde e educacional. Como dirigente, ela é extremamente comprometida e tem somado muito no desenvolvimento estrutural da ITKF. Tenho certeza de que ela vai contribuir significativamente para as atividades socioeducativas que serão implantadas pela ITKF Traditional Karate University a partir de 2021”, prevê Gaertner.

Promoção dos alunos do dojô da sensei Sandrine