Fejur descumpre estatuto dos Jogos Intermunicipais e quase todas as equipes são desclassificadas

O professor san-dan Alexandre Lucena Scheidt

Em decisão inédita, o TJD desclassificou as equipes de todos os municípios inscritos na competição de judô realizada em Cacoal (RO), com exceção de Porto Velho, que cumpriu o estatuto dos Jogos Intermunicipais de Rondônia

Hansoku-make
16 de outubro de 2019
Por PAULO PINTO I Fotos BUDOPRESSS
Curitiba – PR

A 13ª edição dos Jogos Intermunicipais de Rondônia (JIR), realizada em Cacoal de 30 de agosto a 11 de setembro, foi marcada por um fato inusitado: os chefes de delegações de judô não apresentaram os atestados de saúde dos atletas, exigidos pelo estatuto da competição. Após o fato ter sido denunciado por membros da equipe de Porto Velho, única que cumpriu a exigência, veio a punição do Tribunal de Justiça Desportiva da competição promovida pela Superintendência de Juventude, Cultura, Esporte e Lazer de Rondônia (Sejucel).

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O advogado e professor de judô Alexandre Lucena Scheidt confirmou que o estatuto dos Jogos Intermunicipais de Rondônia em seu artigo 13 do regulamento específico do judô exige que os chefes de delegação de todas as equipes apresentem atestado de saúde, mas que nada foi dito sobre esta exigência durante o congresso técnico realizado no dia 6 de setembro.

Na véspera da competição, quando houve a pesagem, o professor João Cordeiro, coordenador da equipe masculina de Porto Velho, entregou os atestados dos atletas diretamente ao professor Antônio Carlos Tenório, presidente da Federação de Judô de Rondônia (Fejur).

“No dia seguinte, durante a competição, apurou-se que nenhum município havia cumprido a determinação da Sejucel, e antes mesmo que terminasse a fase classificatória entramos com uma representação na comissão organizadora dos jogos, o que afasta totalmente a possibilidade de tapetão, pois apresentamos a queixa antes que as equipes começassem a disputar medalhas”, detalhou o professor de Porto Velho.

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Alexandre Scheidt, que em 1998 obteve a faixa preta sho-dan e hoje ostenta a graduação de san-dan (3º dan), lembrou que não foi a primeira vez que este fato ocorreu, mas nunca acharam por bem levar o caso adiante. Agora, porém, a competição não foi retomada após a parada para o almoço, em função da reclamação feita por Porto Velho, sem que ninguém da Fejur explicasse aos dirigentes e atletas a razão da interrupção e se a disputa seria retomada.

Sequência de erros

Ainda de acordo com o sensei Alexandre Scheidt, mais tarde o presidente da Fejur disse que tudo havia sido acertado e que a competição seria reiniciada.

“Sinceramente, imaginamos que todas as exigências haviam sido cumpridas, e à noite foi publicado mais um boletim, no qual a própria organização dos jogos justificou que havia acontecido um lapso na questão da exigência de documentos da competição de judô. Na verdade, acabaram dando o velho jeitinho brasileiro para equacionar e justificar as eventuais queixas ou denúncias que poderiam ser feitas posteriormente, passando acintosamente por cima do regulamento e da determinação do TJD”, contou o professor san-dan. “Só que dessa vez estávamos determinados a cumprir aquilo que reza o estatuto, e no domingo pela manhã protocolamos outra queixa junto ao TJD narrando todo o ocorrido – inclusive o despacho do comitê organizador que isentou a Fejur – e pedimos providências.”

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A competição individual e por equipes rolou normalmente até o meio-dia, na sequência houve a cerimônia de premiação e o plano dos dirigentes da Fejur foi levado a cabo. Mas às 16 horas a segunda comissão disciplinar do TJD iniciou o julgamento da petição encaminhada por Scheidt. “Foram ouvidos os chefes de delegações de vários municípios, bem como o sensei Tenório, que é o coordenador do judô nos Jogos Intermunicipais de Rondônia perante a Sejucel. Também depuseram o professor Neymário Cunha, coordenador geral dos jogos, e a professora Seloi Totti, secretária municipal de Esportes e representante da equipe de Ji-Paraná, que foi a última a ser ouvida”, detalhou o professor Alexandre.

O julgamento

“Na sequência”, prosseguiu, “houve argumentações orais amplamente embasadas de ambas as partes, que foram avaliadas por três auditores. De cara o relator pediu a desclassificação de todos os municípios que não cumpriram o estatuto e que a pontuação fosse integralmente revertida para Porto Velho no masculino e no feminino. O segundo auditor divergiu, mas o terceiro voto foi do presidente do TJD, que reafirmou a decisão do relator, mantendo a decisão de desclassificar todas as equipes que infringiram o estatuto.”

Com exceção de Porto Velho, todos os municípios foram desclassificados e os pontos foram revertidos para a equipe de judô da capital.

Seloi Totti premia o técnico João Cordeiro e a equipe de Porto Velho

O professor Scheidt enfatizou a ingerência e a pressão que a professora Seloi Totti – que além de secretária de Esportes de Ji-Paraná é vice-presidente da Confederação Brasileira de Judô e ex-presidente da Fejur – exerce continuadamente no judô do Estado de Rondônia.

“A professora Seloi deixou de ser presidente apenas formalmente”, apontou. “Ela continua dando as cartas por aqui e exerce total controle da modalidade. Cito como exemplo um fato bastante emblemático que aconteceu justamente nos jogos. Durante o congresso foi apresentado o pedido do atleta Emílio Massaki Matsubara, de Colorado, para que prorrogassem o horário de pesagem em uma hora devido à distância de sua cidade; o professor Neymário abriu votação, todos concordaram e o pedido foi aprovado por unanimidade. Contudo, dona Seloi, usando a autoridade que possui, impugnou a decisão da maioria e cancelou o que havia sido acordado por todos os municípios, com exceção de Ji-Paraná.” Scheidt ainda reclamou da presença da vice-presidente da CBJ num ambiente em que estavam apenas os técnicos das equipes.

“Estávamos num congresso técnico e ela não é técnica. Ela é dirigente nacional e representante do poder executivo. Sua presença naquele local era inadequada e inoportuna, por diversos motivos e questão até mesmo ética. Sendo dirigente nacional da modalidade e possuindo um cargo político de relevância no cenário esportivo, ela exerceu pressão sobre o coordenador geral dos jogos e ele anulou uma decisão unânime dos técnicos”, enfatizou.

Cópia da decisão proferida pelo presidente da segunda comissão disciplinar do TJD dos Jogos Intermunicipais de Rondônia

Legalista, o professor porto-velhense repudiou a postura parcial e até mesmo corporativa da dirigente da Confederação Brasileira de Judô, e finalizou lembrando que deveriam partir dela e do presidente da Fejur exemplos de conduta ilibada e retidão.

“Sou advogado e estou no judô simplesmente porque amo a modalidade. Não dependo absolutamente deste esporte. Mas saio em defesa dos professores de todos os municípios de Rondônia, e até mesmo do Brasil, que são vítimas de dirigentes que se apossam das entidades e acabam se achando donos delas. O judô agregou conceitos e valores à minha formação e agora está fazendo o mesmo na formação do meu filho. São justamente as pessoas que estão no comando e deveriam fazer a coisa certa que quebram as normas e infringem a ordem estabelecida, muitas vezes por eles mesmos”, desabafou Alexandre Scheidt. “É aquilo que lamentavelmente está incutido em nossa pobre herança cultural: quando convém, cumprimos as regras; quando não é conveniente, esquecemos que existem. Não visávamos obter vantagens com nossos questionamentos nos jogos, buscamos acatar as regras estabelecidas.”

Sensei Alexandre concluiu citando um dos ensinamentos de Jigoro Kano: “O judô é uma arte e uma ciência. Ele deve ser mantido acima de toda a escravidão artificial e deve ser livre de qualquer influência financeira, comercial e pessoal”.