São Paulo perde um grande campeão, um dos judocas mais queridos, comprometidos e irreverentes

Carlos Eduardo Santos Motta, o Tico

Vítima de uma parada cardíaca, Carlos Eduardo Santos Motta, o Tico, deixa um legado de conquistas dentro e fora dos tatamis e grande exemplo de integridade e abnegação

Memória
30 de outubro de 2018
Por PAULO PINTO I Fotos BUDÔPRESS e ARQUIVO
São Paulo – SP

Carismático, combativo e vencedor, quando atleta Carlos Eduardo Santos Motta foi um dos grandes destaques de sua geração. Após a significativa trajetória nos tatamis, Tico manteve seu comprometimento com o judô, colaborando incansavelmente nos bastidores da gestão esportiva.

Multimedalhista numa época em que os atletas só viajavam com recursos próprios, Tico inscreveu seu nome na galeria dos grandes judocas do Brasil nas décadas de 1970 e 1980, conquistando dezenas de títulos internacionais.

Nascido em 25 de fevereiro de 1955 em São Paulo, Tico foi aluno de Fuyuo Oide, a lenda dos tatamis que nasceu em 27 de janeiro de 1919 em Ishinomaki, província de Miyagi Ken no Japão, imigrou para o Brasil em 1929 e posteriormente fundou o Lapa Judô Clube. Oide formou dezenas de campeões continentais e em 16 de abril de 1993 tornou-se o primeiro professor kodansha faixa vermelha 9º dan (roku-dan) do Brasil.

Francisco de Carvalho e o amigo Tico

Formado numa das melhores escolas de judô do País, Tico era extremamente habilidoso e não possuía um tokui-waza específico. Forte como um touro, o peso médio da seleção brasileira usava várias técnicas, como o harai-goshi, hane-goshi, uchi-mata e ko-soto-gake, entre outras.

Amigos e dirigentes lamentam a perda irreparável

Em sua página do Facebook, José Antônio Jantália, vice-presidente da Federação Paulista de Judô, externou a tristeza com a perda do amigo inseparável.

“Sempre achei que este dia nunca chegaria. É com muita tristeza no meu coração que reúno forças para comunicar a todos que acabo de receber um telefonema da querida Rita, agora viúva, informando o falecimento do nosso estimado amigo Tico. Na década de 80 tive a honra de ser apresentado por ele à comunidade judoística de São Paulo. Uma das maiores referências do judô na década de 1970, época na qual os atletas do Brasil não tinham nenhum apoio financeiro ou de qualquer espécie; eram só dificuldades”, lembrou o dirigente, que concluiu enumerando as conquistas do amigo nos tatamis.

“Carlos Eduardo Santos Motta foi inúmeras vezes campeão paulista, brasileiro, militar, sul-americano, pan-americano, vice-campeão dos Jogos Pan-Americanos 1975 (México). Também foi campeão das copas Latina e Ibero-Americana, além de atleta olímpico nos Jogos Olímpicos de Montreal (1976), entre outros. O que posso dizer neste momento? Que o Senhor receba sua alma e que, em nome de Jesus, ele esteja ao lado de Deus para sempre”, escreveu o vice-presidente da FPJudô.

Luiz Iwashita e Tico

O carioca Oswaldo Cupertino Simões Filho, companheiro de Tico na seleção brasileira, falou sobre o privilégio de ter atuado ao lado de um dos judocas mais talentosos de sua geração.

“Hoje partiu de forma fulminante, assim como os ippons que ele dava, para o plano superior o nosso Tico. Posso dizer nosso Tico, porque o judô que ele apresentava e a garra com que lutava era motivo de admiração de todos que o viam. Suas lutas ofereciam momentos de alegria para todos. Tico exibia um judô técnico, preciso e quase cirúrgico na precisão dos movimentos. Companheiro de todos os judocas do alto rendimento em nível estadual, nacional e internacional nas décadas de 1970 e 80, ele era alegre, bem-humorado e guerreiro ao mesmo tempo, além de muito forte física e tecnicamente. Privilégio meu e de toda a minha geração tê-lo tido como amigo e tê-lo visto atuar. Tinha o verdadeiro judô que a Federação Internacional de Judô busca hoje em dia: o judô positivo, para frente sempre, e não recuava nunca. Hoje, Tico, sugiro que continue e faça da mesma forma: não recue, siga na direção da evolução espiritual, porque, esteja onde estiver, um facho de luz certamente estará sobre você, iluminando o seu talento para a luta, a superação e a evolução. Um abraço fraterno e que o Mestre Jesus o abençoe em paz”, almejou Simões.

Equipe brasileira no Campeonato Mundial de Viena em 1975: Odair Borges, Robertinho Machusso, Oscar Fenelon Muller, Oswaldo Cupertino Simões Filho e Carlos Eduardo Santos Motta

Contemporâneo e amigo de Carlos Eduardo Motta dentro e fora dos tatamis, Luiz Hisashi Iwashita destacou as virtudes do amigo querido.

“Nos tatamis o Tico foi virtuoso e um fiel seguidor da escola japonesa. Fora deles ele foi uma pessoa sublime, querida por todos e grande companheiro. O comprometimento foi uma de suas principais características. Lamentavelmente perdemos um grande judoca e um grande amigo”, disse o presidente da Federação Paranaense de Judô.

Alessandro Panitiz Puglia destacou que era um grande admirador da técnica refinada, da conduta e da retidão de Carlos Eduardo Motta.

“Para falar sobre o Carlos Eduardo eu tenho de fazer uma viagem no tempo, e chegar no período em que eu estava começando a competir e admirava muito o judô clássico e limpo do Tico. Cresci inspirado na mesma formação de judô que ele teve. Fora dos tatamis ele sempre foi muito carinhoso e respeitoso com todos. Foi um grande competidor, conhecia muito mesmo sobre a parte técnica e formou grandes atletas. O Tico certamente vai deixar muita saudade, e o seu legado é fundamentado na sinceridade, respeito e o carinho que dedicou a todos os amigos”, disse o presidente da FPJudô.

Tico, Farah e Puglia durante o campeonato paulista sub 13 de 2011 em São José do Rio Preto

Grande amigo e conhecedor do professor kodansha Carlos Eduardo Santos Motta, o dirigente Francisco de Carvalho Filho destacou o pragmatismo e o comprometimento de Tico dentro e fora dos tatamis.

“Para podermos avaliar a trajetória do Tico temos de separar sua atuação primeiro como atleta e professor, e depois como dirigente. Como atleta ele era fortíssimo e manteve-se na seleção brasileira por quase duas décadas. Possuía técnica refinada e dispunha de um amplo repertório de golpes quase sempre infalíveis. Como professor, também primou pela técnica refinada e formou grandes atletas. Pragmático nos tatamis, o Tico foi um judoca na acepção da palavra no shiai-jô e fora dele”, disse o presidente de honra da FPJudô.

“O Tico esteve ao meu lado desde o primeiro dia em que assumi a gestão da federação. Sempre fiel, sempre escudeiro, mostrou enorme comprometimento em todos os momentos, fossem eles bons ou ruins. Primou sempre pela transparência e a honestidade. Quando eu estava doente e fiz transplante de fígado, ele estava sempre ao meu lado, viajava comigo e demonstrava enorme carinho. Ele sempre ultrapassou limites da cordialidade, externando grande carisma. Independentemente de sua ida, sempre dedicarei a ele o mesmo carinho e o respeito que dedicou a mim e a todos que estiveram à sua volta”, concluiu Francisco de Carvalho.

Campeonato Mundial de Lausane na Suíça em 1973: Maurinho agachado, Sansão, Ishii, Oswaldo e Tico com óculos escuro

Tico foi 12 vezes campeão paulista, 12 vezes campeão brasileiro, 20 vezes campeão brasileiro militar, pentacampeão sul-americano, tetracampeão pan-americano, vice-campeão mundial universitário na Finlândia (1984), medalha de bronze no Campeonato Mundial das Forças Armadas (1974), vice-campeão dos Jogos Pan-Americanos (México/1975), campeão das copas Latina e Ibero-Americana, atleta olímpico em 1976 (Jogos Olímpicos de Montreal), além de ter conquistado diversos outros títulos.

Por quase duas décadas foi professor de judô no Centro Olímpico de São Paulo e formou dezenas de atletas que conquistaram medalhas para São Paulo e para o Brasil.

Tico com o amigo Paulo Duarte em São José do Rio Preto

Velório

O corpo será velado nesta quarta-feira (31), a partir das 9 horas no Cemitério Jardim da Colina, em São Bernardo do Campo. O sepultamento será realizado às 15 horas.

O Cemitério Jardim da Colina está situado na Rua Jardim da Colina, 265 – Jardim Petroni, São Bernardo do Campo, no Grande ABC.

Tico com o amigo José Jantália