Sem plano B e sem recursos do PAF, CBJ fará primeira final de campeonato brasileiro da temporada somente em agosto

Matheus Theotônio, gestor nacional de eventos em Baku, onde esteve recentemente como observador da Confederação Brasileira de Judô

Para enxugar despesas numa área que não deveria sofrer cortes, a Gestão Nacional de Eventos agendou duas finais de campeonatos brasileiros para o mesmo dia e empurrou o brasileiro sênior para dezembro

Hajime
24 de maio de 2019
Por PAULO PINTO I Fotos BUDOPRESS e EMANUELE DI FELICIANTONIO
Curitiba – PR

No momento em que o governo zerou a verba de 140 projetos em 11 ministérios, incluindo áreas sensíveis da administração pública visando a congelar o orçamento federal deste ano, a Gestão Nacional de Eventos da Confederação Brasileira de Judô mostra que em três anos os dirigentes da CBJ não adotaram nenhuma medida para preservar os ativos herdados da gestão anterior. O pior é que os gestores da entidade não têm um plano B para realizar os principais certames da temporada.

Com exceção do Campeonato Brasileiro de Clubes (Meeting Nacional Sub 18 e Sub 21), realizado com recursos do Comitê Olímpico de Clubes (CBC); dos campeonatos brasileiros regionais, subsidiados com recursos dos próprios atletas e das federações estaduais; e da Taça Brasil Sub 21, também viabilizada com recursos dos clubes e agremiações, neste ano a CBJ não realizou nenhum evento que demandasse a utilização de dinheiro próprio ou do Programa de Apoio às Federações (PAF).

Luta do Campeonato Brasileiro sub 18 de 2017, realizada no Centro Pan-Americano de Judô

No ano passado, houve o Campeonato Brasileiro Veteranos em abril, o Campeonato Brasileiro sub 21 em maio e o sub 18 em junho. Neste ano a CBJ ainda não realizou nenhum campeonato brasileiro e nem o fará no primeiro semestre.

A primeira disputa deste ano será o brasileiro de veteranos, nos dias 20 e 21 de julho, sem recursos da confederação, pois, além de pagar uma taxa de inscrição altíssima para a CBJ, os atletas másteres têm de arcar com as despesas referentes a transporte aéreo, hospedagem e alimentação.

As primeiras finais de campeonatos brasileiros vão realizar-se somente em agosto e, surpreendentemente, no mesmo dia e no mesmo local: a Arena da Juventude, no Rio de Janeiro. Sim, é isso mesmo. Pela primeira vez a CBJ realizará finais de duas classes na mesma data. Nos dias 3 e 4 de agosto serão disputadas as finais dos brasileiros sub 15 e sub 18, e, segundo Matheus Theotônio, esta inovação atende ao planejamento das gestões de eventos e das categorias de base. Contudo, na versão 3 do calendário da CBJ, as disputas se realizariam em junho e julho, respectivamente.

“Essa é uma estratégia alinhada entre a Gestão de Eventos e a Gestão das Categorias de Base. O objetivo é que, dessa forma, consigamos viabilizar um treinamento de campo após a competição com apoio do Comitê Olímpico do Brasil. Os brasileiros sub 15 e sub 18 serão realizados numa instalação olímpica, uma oportunidade única para os jovens atletas lutarem numa estrutura de Jogos Olímpicos, já que o ginásio é legado do Rio 2016. Tenho certeza de que se sentirão muito inspirados”, justificou o gestor Nacional de Eventos da CBJ.

Quando Robnelson Ferreira era o gestor Nacional de Eventos da CBJ, atletas e clubes eram respeitados e os calendários eram cumpridos à risca

Perguntamos ao dirigente, que é ex-atleta da seleção, se o fato de ficarem mudando as datas nos calendários não afetaria a periodização dos atletas e como pretendem realizar a competição de duas classes em dois dias. Theotônio explicou que os certames ocuparão três dias.

“O evento inteiro terá duração de três dias, e não dois, e será feito em quatro áreas. Cada classe continuará tendo dois dias de competição. Além disso, o tempo de luta da classe sub 15 no regulamento é de três minutos, ou seja, um minuto menos do que o da sub 18”, disse.

A ausência de eventos no primeiro semestre gerou muitas reclamações de técnicos e dirigentes estaduais, que não se conformam com a falta de seriedade na condução dos campeonatos nacionais, e todos atribuíram o atraso à falta de recursos. Aos dirigentes Matheus Theotônio alegou que tanto a mudança nas datas quanto a transferência de todas as competições para o segundo semestre foram causadas pela retenção dos recursos do PAF, mas para a Budô tratou de justificar o blecaute da CBJ falando dos eventos já realizados, omitindo que foram custeados com recursos da Confederação Brasileira de Clubes, das equipes e dos próprios atletas.

“É importante esclarecer que não houve falta de eventos de judô no primeiro semestre. Realizamos cinco Campeonatos Brasileiros Regionais, o Campeonato Brasileiro Interclubes e o Campeonato Brasileiro Interclubes de Judô. O PAF é um programa de grande sucesso da CBJ com recursos provenientes da Lei de Incentivo ao Esporte. Em virtude da reestruturação da Secretaria Especial do Esporte, o calendário de reuniões da Comissão Técnica da LIE 2019 esteve suspenso até o dia 15 de maio, mas já foi normalizado e a primeira reunião do ano agendada para o dia 22 de maio”, explicou Theotônio.

Cerimônia de abertura do Campeonato Brasileiro sub 18 de 2017, realizado na antiga casa do judô em Lauro de Freitas (BA)

Cobramos a existência de um plano B para realizar as fases finais dos campeonatos brasileiros, mas fundamentado em evasivas o dirigente não mostrou uma luz no fim do túnel.

“Devido à situação da Secretaria Especial do Esporte acima citada, reestruturamos o calendário dos brasileiros a fim de garantir o Programa de Apoio às Federações para essas competições, uma vez que o PAF depende de recursos da Lei de Incentivo ao Esporte”, reiterou.

Lembramos que na gestão de Robnelson Ferreira, ex-gestor nacional de eventos da CBJ, publicava-se um calendário em dezembro com todas as datas e sedes definidas, e tudo permanecia incólume durante toda a temporada. Em abril a confederação lançou a quarta versão do calendário de 2019, e mesmo assim ainda vemos uma série de competições sem local definido. Matheus Theotônio apresentou uma justificativa no mínimo inadmissível.

“Do final de 2014 até 2017 utilizamos o Centro Pan-Americano de Judô como sede fixa dos campeonatos brasileiros. A partir de 2018, entendemos que era importante voltar a rodar com os eventos pelo País por dois motivos: o desenvolvimento das federações em relação à organização de eventos nacionais e o fomento do judô com competições descentralizadas. Para tanto, estabelecemos processos de candidaturas de sede e só confirmamos o local quando esse processo é finalizado. Hoje, estamos nessa fase de transição de um modelo de organização centralizada para um descentralizado, o que requer um tempo de adaptação e de ajuste de processo. Dessa forma, acreditamos que estamos oportunizando um maior número de Estados a receber uma competição nacional de alto nível e atendendo a uma demanda das próprias federações estaduais”, justificou o gestor nacional de eventos da CBJ.

Vendo o potente o-soto-gari de Beatriz Souza na Taça Brasil de 2017, questionamos se um dia o judô brasileiro vai recuperar o tamanho que tinha no passado?

A verdade é que já estamos quase em junho e a CBJ não sabe onde vai realizar competições como o Campeonato Brasileiro Sênior, principal evento do calendário. Fora isso, nenhuma federação estadual quer assumir um compromisso desta magnitude, pois além de sediar a competição, a federação local ainda é obrigada a entregar para a CBJ grande parte do dinheiro arrecadado na realização dos certames.

Neste ano a CBJ utilizou o Centro Pan-Americano de Judô somente na realização do Brasileiro da Região III. Recebemos vídeos deste evento parado por diversas vezes durante vários minutos por recorrentes falhas no fornecimento de energia elétrica. No feriado de 7 de setembro haverá mais um evento nesta arena, o Campeonato Brasileiro sub 21, e perguntamos a Theotônio se os atletas juniores terão de enfrentar os mesmos problemas que a criançada, tendo inclusive vários casos de desmaios devido ao forte calor. Segundo Theotônio, houve exagero na reclamação dos pais e todos os vídeos que recebemos não espelham a verdade dos fatos.

“Durante a realização do Campeonato Brasileiro da Região III houve um pico de energia de menos de um minuto que não causou qualquer atraso ou prejuízo ao andamento da competição. Em todos os eventos nacionais, a CBJ disponibiliza equipe médica e ambulância de plantão durante toda a competição para atender casos de emergência. Não houve registro de atendimento médico dos referidos “casos de desmaio”. Trabalhamos para manter nosso alto padrão de organização de eventos e garantir as melhores condições para os participantes em todas as competições oficiais da CBJ”, afirmou o dirigente.

Pódio do Campeonato Brasileiro sub 21 de 2017

Questionamos se a CBJ pretende comemorar seu cinquentenário realizando apenas eventos para a seleção brasileira, em detrimento das competições nacionais que estão acumulando-se e sendo realizadas a toque de caixa. O gestor preferiu falar sobre as homenagens feitas e que estão por vir em razão do cinquentenário da CBJ.

“O evento que marcou o início das comemorações dos 50 anos da CBJ foi o Meeting Nacional Sub 18 e Sub 21, realizado em fevereiro, quando lançamos e apresentamos a logomarca especial em primeira mão aos técnicos e árbitros presentes ao sorteio das chaves da competição. Em seguida, em março, homenageamos os presidentes de federações entregando-lhes a comenda especial dos 50 anos. Temos prevista uma agenda repleta de ações ao longo de todo 2019 para celebrar o cinquentenário, em eventos tanto da base quanto do alto rendimento. ”

Ao detalhar a festa do cinquentenário, Matheus Theotônio não falou sobre o III Encontro de Kodanshas, evento desprovido de significado e conteúdo, criado pelo atual presidente da CBJ. Uma festa na qual são despejados importantes e expressivos recursos que poderiam ser utilizados em algo mais produtivo, o encontro não agrega absolutamente nada a não ser a autopromoção e a autobajulação dos senseis mais graduados. Nenhum conteúdo verdadeiramente útil ou importante é oferecido aos participantes, a não ser o culto ao ego e a vaidade dos apresentadores e espectadores do espetáculo dantesco produzido pela atual Gestão Nacional de Eventos.

Estrategicamente, a edição deste ano será realizada a reboque do Campeonato Brasileiro Veteranos, o que deverá garantir uma participação mínima de professores incautos, que serão forçados a participar de um evento que não agregará absolutamente nada aos currículos de seus participantes, mas para este tipo de eventos eles possuem recursos.

Já em sua terceira edição, e comumente chamado desfile de pavões pelos judocas mais conceituados e esclarecidos, o evento concebido sob a genialidade de Sílvio Acácio Borges está com os dias contados, e certamente não passará de sua quarta edição.

Paulo Wanderley Teixeira recebendo a graduação de shichi-dan (8º dan) outorgada por Sílvio Acácio Borges, na primeira edição do Encontro de Kodanshas

Triste realidade

Enquanto o atual quadro de dirigentes da CBJ se esforça para continuar com a administração de seus cargos e salários, os judocas da base e do sênior que se empenharam, treinaram muito, venceram as competições estaduais e se classificaram para o campeonato brasileiro ficam à deriva, à espera de um milagre.

Nós, que desde o início dessa gestão anunciamos a possibilidade de um desastre de proporções imprevisíveis na condução do judô nacional, reiteramos a nossa pergunta: qual é o plano B na eventual falta de manutenção dos projetos que em todos estes anos subsidiaram a CBJ, a seleção brasileira e os eventos nacionais?

Como vários presidentes estaduais vêm questionando, encerramos com as seguintes perguntas: caso o contingenciamento se mantenha, a Confederação Brasileira de Judô pretende paralisar a modalidade? Onde estão sendo aplicados os recursos dos patrocínios?