O karatê-dô e a quarta revolução industrial

Leticia Bastos

É preciso pesquisar e estudar, investigando todos os elementos e potencialidades disponíveis, desde a interação mente e corpo até as possibilidades terapêuticas que já se esboçam em algumas experiências

Ponto de Vista
16 de abril de 2020
Por FERNANDO MALHEIROS FILHO I Fotos BUDOPRESS
Curitiba – PR

Pode parecer paradoxal que algo tão antigo e abstrato como o karatê-dô possa estar relacionado com as inovações tecnológicas que nos estão levando à quarta revolução industrial, ainda não inteiramente implementada. Mesmo que as situações paradoxais não sejam estranhas ao zen-budismo e, por consequência, ao budô, os tempos em que vivemos dão no que pensar.

É provável que o ano de 2020 seja marcado pela implantação total da tecnologia 5G na Europa, Estados Unidos e Ásia. Com ela as conexões sem fio ficarão até 250 vezes mais rápidas, evitando-se os indesejáveis efeitos do congestionamento (lentidão e até paralisação do tráfego de dados) das tecnologias atuais. Ficarão ao alcance novidades como o veículo autônomo, as fábricas robotizadas e as aplicações intensivas da inteligência artificial.

O leitor ainda deve estar se perguntando: que relação isso pode ter com o karatê-dô? Explico-me: a mão de obra humana será rapidamente substituída; não teremos mais motoristas e operários, tampouco caberão aos humanos as atividades que, embora envolvam abstrações, por serem repetitivas (como a leitura e formulação de documentos legais), são executadas com enorme precariedade pelas mãos humanas.

Jean Laure Edoardo de Oliveira

Aos seres humanos ficarão, provavelmente, reservadas apenas as profissões que exijam criatividade (ainda que não por muito tempo) e, primordialmente, aquelas que envolvam outros seres humanos.

Na perspectiva de que as máquinas foram criadas pelos humanos para facilitar-lhes a vida, como de fato facilitaram (basta comparar a melhora na expectativa e qualidade de vida no último século), é de todo provável que, substituindo o trabalho dos braços biológicos garantam à espécie que as inventou mais tempo disponível e ainda melhor qualidade de vida.

Contudo, a existência humana não é simples e vem sendo explorada por milênios pelo pensamento voltado a entendê-la. Desconfia-se de que o ócio não será necessariamente proveitoso para a maior parte daqueles que ficarem desocupados total ou parcialmente. Será necessário dar-lhes sentido à vida.

Após esse circunlóquio voltamos à prática das artes marciais e, particularmente, do karatê-dô. Temos em mãos um sofisticado modelo de compreensão do ser humano a si mesmo na interação entre mente e corpo. Faz-se na prática a educação, física e espiritual, com o manejo das expressões evolutivas e das necessidades que elas despertaram ao longo de milênios.

Mas as novas exigências não poderão ser atendidas pelo modelo de prática que, felizmente, aos poucos vai-se esgotando. Será necessário muito mais, principalmente compreender, em profundidade, as íntimas relações entre o que se pratica, os valores cultuados e a vida fora do dojô, justamente o ambiente no qual a prática haverá de mostrar o seu valor.

É preciso explorar todo a manancial oculto que a arte guarda em seus reforçados cofres à espera daqueles que encontrarão a combinação adequada à abertura de suas portas. É preciso pesquisar e estudar, investigando todos os elementos e potencialidades disponíveis, desde a interação mente e corpo, até as possibilidades terapêuticas que já se esboçam em algumas experiências.

Ao professor de artes marciais não bastará mais proficiência física, que aos poucos deverá ser relegada ao plano de sua exata dimensão. Caber-lhe-á saber expressar-se com exatidão, sendo capaz de transmitir a mensagem inteiramente aos seus ouvintes. Deverá ser exemplo, senão de inexcedível correção, pelo menos de reconhecimento de seus próprios erros – e acertos que haverá de reconhecer com o necessário comedimento. Deverá demonstrar profundo conhecimento de seu mister, como é próprio àqueles que adotam a missão de ensinar.

Fernando Malheiros Filho é
professor de karatê-dô,
historiador e advogado, especialista
em direito da família e sucessões