15 de novembro de 2024
O uso indevido da força no judô
Para um judô eficiente deve-se evitar a fadiga desnecessária, tanto física quanto mental, e esforçar-se para usar a energia de maneira mais eficiente
Ponto de Vista
2 de maio de 2020
Por Prof. Me. Odair Borges I Fotos BUDOPRESS
Curitiba – PR
O judô como esporte conquistou a atenção não só dos brasileiros, mas de todo o mundo devido, sobretudo, ao grande simbolismo dos resultados das competições internacionais.
A preocupação dos praticantes e professores de judô deve ser preservar não só o aspecto técnico, mas também as finalidades educacionais e filosóficas preconizados pelo shihan Jigoro Kano. São valores tradicionais que se completam, embasados em simbolismos, formalismos, rituais e conceitos de respeito, disciplina, hierarquia e outros. Portanto, “judô é eficiência, é a maneira de usar o corpo com inteligência e estar em harmonia física e espiritual”, preconizou sensei Kano.
Analiso aqui principalmente a demonstração prática competitiva atual, considerando um dos princípios de Kano shihan que norteiam o judô: sei-ryoku sai-zen katsuyo (máxima eficiência no uso da força física e mental). A eficiência no uso da força não é somente uma frase filosófica, mas está fundamentada na ciência da biomecânica.
Infelizmente, o que observo hoje em dia é o “maior” uso da força, ou mais precisamente um uso inadequado de uma força descontrolada. Deveria, sim, ser usada com sabedoria e bom senso, de acordo com os princípios do judô. É dever de todos sempre desencorajar o que os japoneses chamam de godo (caminho da força, caminho da rigidez), uma conotação de força corporal, arbitrária e sem técnica.
No Ocidente o “judô força, o judô de poder” vem sendo utilizado excessivamente e de maneira inapropriada, que sob nenhuma circunstância deve servir de base para o desempenho técnico do atleta.
Villamón e Molina (1997) acrescentam que “a força utilizada nas técnicas não é direcionada ao corpo do oponente, mas sim à força gerada por ele; por esse motivo, embora a força seja importante, destaca-se principalmente pelo seu bom uso e vantagem”.
As técnicas foram racionalmente concebidas num alto nível de aplicação mecânica e, se o praticante for descuidado durante a prática, não será capaz de utilizar sua energia, sua força útil, de maneira eficaz.
Infelizmente, o que observo hoje em dia é o maior uso da força, ou mais precisamente um uso inadequado de uma força descontrolada.”
Hoje atletas preocupam-se em ter um físico forte antes mesmo do aprimoramento ou aperfeiçoamento técnico.
A força, a potência – força x velocidade – a ser adquirida para o judô é específica para uso na sua técnica preferida, é a força funcional. Sua dinâmica envolve exercícios com sobrecarga em contrações rápidas no menor tempo possível e poucas repetições
Segundo Inokuma, I. e Draeger, D.F. (1966), “a força age de várias maneiras ou formas e é essencial que todos os judocas entendam sua aplicabilidade nas várias posições anatômicas e técnicas do judô”.
Estudos eletromiográficos com atletas em atividade durante uchi-komi, publicados no Bulletin of the Association for Scientific Studies of Kodokan Judo, Ikai, M. (1963), mostram em evidência quais grupos de músculos são utilizados durante o desempenho de uma técnica. Nesse estudo, a grande importância na análise do movimento é a determinação do modo de mudança no tempo e no espaço da fase de contração e relaxamento dos músculos durante a execução das técnicas, o que favorece de modo mais preciso a orientação para o treinamento com sobrecarga específico para uma determinada técnica.
Nos primeiros mundiais – 1956/58/61 – não existiam categorias de peso e nos jogos Olímpicos de Tóquio em 1964 foram instituídos os pesos leve, médio, pesado e absoluto. No mundial realizado no Brasil em 1965, acrescentaram-se mais duas categorias: pena e meio-pesado.
Luc Levannier, professor francês (citado por Thibault, 1966:121), argumenta que: “a idealização das categorias de peso teve como base o boxe e a luta olímpica (wrestling e greco-romana), modalidades que há muito tempo perderam sua noção de arte”.
Com as várias divisões em categorias de peso começaram as dificuldades na prática do judô. Atletas e praticantes foram estimulados a lutar ou treinar somente com adversários da mesma categoria, tendo como consequência a preocupação em ter o fisico mais forte dentro dela.
A divisão de categorias foi uma imposição do poder político desportivo internacional para a inclusão do judô no programa olímpico, na intenção de distribuir maior número de medalhas entre os países participantes. Logo em seguida, foram instituídas as medalhas para mais um terceiro lugar; depois, a contagem de pontos até o sétimo lugar e regras e mais regras, evoluindo assim como esporte, mas deixando a desejar no aspecto técnico.
Seguindo o princípio da educação física, observaremos a regra de que um exercício moderado deve ocorrer antes de um exercício extenuante, bem como um exercício simétrico, antes de um exercício irregular.”
Jigoro Kano
Isao Okano, em 1972, já fazia previsões: “Eu admito o sistema que fez do judô um grande esporte internacional, mas ainda não podemos aceitá-lo completamente como base do judô. Devemos continuar praticando como se fôssemos competir na categoria aberta (absoluto, open). Quanto mais o judô tornar-se internacional, mais ele se regulamentará, mais mudanças haverá na sua prática e mais mudanças e adaptações haverá na arbitragem. Mas uma das coisas que não devemos esquecer é a ideia de que o pequeno deve projetar, arremessar, o grande”. (Isao Okano, como peso médio, foi campeão mundial, olímpico e duas vezes campeão japonês absoluto em 1967 e 1969).
É preciso conscientizar-se de que, dentro dos valores tradicionais, o interesse não pode estar somente na vitória, mas sim na melhor maneira de obtê-la. A preparação física no que diz respeito ao desenvolvimento muscular, no caso os exercícios com sobrecarga, não devem ser utilizados de maneira equivocada, sem que antes o judô tenha sido desenvolvido tecnicamente. Isso tem levado judocas a um fator determinante para uma pseudoeficiência técnica.
A base e a superioridade do judô japonês não é a força, mas a junção da técnica com a velocidade. Segundo Okano, I. “parece que na atualidade nós temos a tendência de esquecê-lo, mas se nós queremos melhorar, podemos fazê-lo utilizando nossas melhores armas, isto é, ainda mais velocidade e mais técnica”.
Desse modo, não há dúvida, de que a força específica, juntamente com a habilidade técnica, fará do atleta um excelente judoca, na exata aplicação do sei-ryoku sai-zen katsuyo (eficiência máxima no uso da força física e mental).
O professor de judô e jiu-jitsu Odair Antônio Borges é
professor kodansha 8° dan pela CBJ e 7°dan no Instituto Kodokan,
graduado em educação física, com mestrado em educação
física pela USP, é professor universitário USP / PUC Campinas
e ex-atleta da seleção brasileira de judô entre 1965 e 1975.