22 de novembro de 2024
Beatriz Souza e sua nova relação com o judô: ‘a competição é onde me divirto’
No fim do ano passado, Bia foi ao pódio nos Jogos Pan-Americanos de Santiago e, em dezembro, foi escolhida pelo Comitê Olímpico do Brasil como a melhor judoca do ano.
Por Virgílio Franceschi Neto / Olympics
28 de março de 2024 / Curitiba (PR)
Calma, carisma, simplicidade, dedicação pelo que faz e excelência ao que se dedica. São as impressões que a judoca Beatriz Souza (+78kg) deixa por onde passa. “Eu era muito estressada, muito impaciente”, revelou.
Aos 25 anos de idade e em busca de um lugar em Paris 2024 para os que poderão ser seus primeiros Jogos Olímpicos, Bia (como também é conhecida) não esconde que vive bom momento e que há um porquê nisso: “Eu acho que foi mais uma prova de que eu estou no caminho certo. Os treinos estão sendo bem encaminhados e os resultados que eu venho tendo durante esses últimos anos mostram que eu estou no caminho certo e que preciso continuar firme.”
Prata no Mundial de 2022, bronze no de 2023, ano em que também conquistou o título no Grand Slam de Baku. “Gostei da maneira que eu lutei lá (em Baku), da maneira que eu entrei em cada luta, da maneira que taticamente consegui realizar que foi em cada detalhe exatamente treinado”, relembra Bia.
No fim do ano passado, foi ao pódio nos Jogos Pan-Americanos de Santiago e, em dezembro, foi escolhida pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) como a melhor do ano em sua modalidade.
Na primeira competição que disputou em 2024 (no início de março), faturou o ouro no Grand Prix de Linz, na Áustria.
Trajetória que a levou ao quarto lugar no ranking da sua categoria, e faz aumentar a expectativa em torno da sua estreia em Jogos. Um cenário positivo que começou a ser construído no dia seguinte após haver ficado de fora de Tóquio 2020, com uma nova maneira de encarar o judô. Um caminho que Bia compartilhou em entrevista para o Olympics.com.
Mudança de mentalidade foi a chave: ‘não ia sentir de novo o que senti’
Beatriz não foi a escolhida para representar o país na categoria acima de 78kg em Tóquio 2020, lugar ocupado por Maria Suelen Altheman. Uma triste situação que fez com que ela se transformasse. Uma reinvenção e um novo começo.
“Falei pra mim mesma que eu não ia sentir aquilo que eu senti de novo, de não ir para uma Olimpíada. Foi uma chave muito importante que eu virei. Desde o momento em que a chave virou, as coisas só foram sendo encaminhadas”, destacou Bia.
Tal mudança teve início não muitas horas após ela saber que não disputaria os Jogos da capital japonesa. “Deixei passar um dia e fui treinar.”
Atitude nos tatamis, mas mudança também no universo em torno dele. Beatriz passou a ver o esporte que ama de um jeito mais leve e, com isso, desfrutá-lo. “Antes eu tinha uma cobrança muito grande. Carregava um fardo que não era meu”, confessou. “Pressão”, continuou. “Pressão de ter que ganhar”, explicou.
“Mas eu já me cobro todos os dias. Não gosto da derrota. Eu não estou brincando aqui. Dou a minha vida para isso”, explicou-se.
Reflexão que fez com ela passasse a se divertir com o judô e a competição ser o seu ‘parque de diversões’. “Não é justo. Você trabalha todos os dias pensando em competir, você chega e não se diverte?”
“A competição é o meu momento, é o meu ambiente de tranquilidade. Onde me divirto. O melhor lugar do mundo para mim”, enfatizou.
Judô é oportunidade para ser uma pessoa melhor
Bia reforça a questão do equilíbrio e de como o trabalho com a saúde mental a tem ajudado em vários aspectos da vida. “Mais paciente e mais calma no tatame me deixou uma pessoa mais calma fora dele. Meus familiares notam isso”, coloca.
“Eu consegui enxergar isso bem cedo, esse ciclo [Olímpico] tem sido transformador. Deus tem me dado os limões e eu estou atrás da limonada. Tem que ser uma boa limonada”, acrescentou a judoca aos risos.
Por ‘limonada’, entende-se toda a sua evolução, dividida diariamente com o marido, Daniel, ex-atleta de basquete, com passagens pelo Pinheiros, São Paulo e Tijuca. Um casamento que aconteceu recentemente, mas que fortaleceu os laços. “Sem querer a gente ficou mais unido. Ele é o meu super companheiro e vive os sonhos comigo.”
A referências na caminhada rumo ao sonho olímpico
A participação nos Jogos é algo que mexe com Beatriz e gera um pouco de ansiedade, sim. Quer que Paris chegue logo, mas prefere que seja um dia de cada vez. “Não dá pra pensar lá na frente se a gente não fizer o hoje.”
“Estou em busca da medalha Olímpica. Quero a medalha Olímpica como qualquer outro atleta.”
Exemplos e referências para ela nessa jornada, não faltam. Mayra Aguiar, tricampeã mundial e medalhista em Jogos, é grande amiga. “Sempre minha parceira de quarto. Ela quem me deu o apelido de ‘Ursinha'”, revelou. Além dela, Bia menciona Leandro Guilheiro, de quem também é próxima: “Ele é dedicação e disciplina em pessoa”.
Recorda-se também do conselho que recebeu de uma das maiores do mundo, Idalys Ortiz (CUB), após ser derrotada por ela na final do Pan-Americano da modalidade, em 2017: “Eu estava chorando, a Idalys veio falar comigo e disse: ‘não se preocupe, você é muito nova, você é muito forte. Chegou na final do Pan-Americano, não se deixa abater por esse resultado. Tem muitas competições ainda por vir na carreira. Você tem muito a crescer.”
Ter Maria Suelen Altheman como treinadora: ‘uma honra’
Parecia Idalys ter previsto a trajetória de Bia. Anos depois, com troféus e medalhas a mais em sua galeria, ela hoje é treinada por Maria Suelen Altheman, que ficara com a sua vaga em Tóquio 2020.
Se há ressentimentos? Não. Pelo contrário.
“É uma honra ser orientada por ela. Ela enxerga o que eu não vejo, detalhe por detalhe.” O que então a treinadora vê? Beatriz explica que é confiar no golpe: “Ela [Maria Suelen] diz que sou muito forte e com certeza vou jogar [a adversária no chão]. Pode parecer coisa boba, mas às vezes a gente se esquece disso.”
Experiência sem deixar de lado a essência
Beatriz não se esquece mesmo daquilo que sentiu quando conquistou sua primeira medalha no esporte, aos sete anos. “Quis para sempre voltar a sentir o que estava sentindo, e estava disposta a fazer o que fosse possível por aquele sentimento novamente.”
Entre treinos, competições e golpes, recomeço e reinvenção, Bia tem feito esse possível e impossível que colocam-na no “caminho certo” – mencionado no começo da entrevista -, com o mesmo espírito de quando começou. Algo que faz jus ao resgate e o significado que o judô tem para a sua vida.
Algo que poderemos ver em Paris caso seja selecionada e, mais ainda, com uma medalha ao peito.
“Até hoje quando eu subo no pódio eu sinto essa alegria. Parece que eu volto a ser aquela menininha com sete anos de idade, com o brilho no olho e mega feliz com uma medalha”, concluiu.