22 de novembro de 2024
Dōtuko Ritsu 道徳律 – Resgatando o Código Moral do Judô
O judô criado por Jigoro Kano não é apenas uma arte marcial, mas um princípio básico de aprimoramento físico, mental, moral e de promoção do desenvolvimento integral do indivíduo.
Por Pascoal Ângelo Pegoraro
4 de julho de 2024 / Curitiba (PR)
Neste artigo, o conceituado professor campineiro Pascoal Ângelo Pegoraro aborda o Dōtoku Ritsu, um tema de enorme importância para os praticantes que buscam maior conhecimento sobre a prática do judô. O Dōtoku Ritsu refere-se aos princípios éticos e morais que orientam a prática e a vida dos judocas, promovendo valores como respeito, integridade, humildade e disciplina.
Há mais de 49 anos na prática e no ensino de judô, e há mais de 15 anos graduado go-dan da arte, cumpre-me como dever auxiliar todos que caminham rumo às graduações mais elevadas. Isso significa apontar e esclarecer os princípios que devem nortear a ação e o comportamento dos praticantes de judô, ressaltando que a cada avanço sempre serão maiores as responsabilidades de sua nova posição.
Em outros escritos eu já me referi aos dois princípios básicos conhecidos por grande parte dos praticantes: o sei-ryoku-zen-yo (máxima eficiência ou eficácia no uso da energia pessoal) um estágio alcançado quando a empregamos sempre de forma positiva e construtivamente em prol do bem da sociedade e o jita-kyoei prosperidade e benefício mútuos.
Além de seguir estes dois princípios básicos, como professores e praticantes de judô temos o dever de tomar consciência, de compreendermos e de praticarmos em nossa vida diária, dentro e fora dos tatamis, os ensinamentos do Código Moral que tem sido legitimado e propagado pelas instituições e entidades oficiais representativas do judô, estabelecendo formas de conduta a serem observadas por todos nós praticantes de judô, independentemente de nossa graduação e do nível de nosso desenvolvimento físico, técnico e mental no qual nos encontramos.
Para o professor bem preparado, que já reconheceu seu importante papel de auxiliar seus alunos não apenas em sua formação física e técnica, este código torna-se um valioso instrumento para impulsioná-los em seu desenvolvimento ético e espiritual. Este código revela qualidades que exaltam o bem, e é muito importante que ele seja praticado nas situações de vida que extrapolam os limites dos tatamis. É fato que, refletindo, aceitando e praticando aquilo que este Código propõe, o praticante poderá tornar-se um indivíduo mais bem preparado para uma convivência social pacífica, positiva e construtiva do bem.
Mas, apenas falar e especular sobre os itens que o compõem não basta. Temos de transformá-los em valores próprios que orientarão a nossa conduta. Devemos desenvolver o hábito de agir com respeito a este Código Moral, repetindo frequentemente os atos que ele propõe e que são moralmente bons. Desta forma, nosso modo de ser, de pensar e de agir, tornar-se-á virtuoso, de elevado valor para o florescimento de uma sociedade melhor.
Àqueles que levantam dúvidas sobre a utilidade do Código Moral na sociedade cujos valores éticos e morais estão sendo corrompidos e desprezados, eu digo: É por esta mesma razão que devemos praticá-los e incentivá-los, pois, quanto mais positivos e construtivos do bem, da verdade, da justiça, da harmonia, do altruísmo, do amor, da retidão, do auxílio ao próximo, e em prol da prosperidade de todos eles forem, tanto mais elevado será o nosso estado ou estágio de desenvolvimento moral, ético e espiritual. E é disso que precisamos, se realmente quisermos fazer do judô um caminho que contribua para o desenvolvimento de uma sociedade melhor conforme apontado pelo professor Jigoro Kano, seu fundador.
Ainda que o Código Moral do Judô seja obrigatório ao praticante de judô, cumpre ao professor instruí-lo adequadamente até que ele atinja a compreensão e livremente, com o uso de seu livre-arbítrio, o aceite, incorporando-o a seu modo de ser e de atuar em sociedade. A sua aceitação não pode ser fruto daquela coação que mata a vontade individual, própria do praticante, sob pena de sua prática ficar restrita aos dojôs, às áreas de treinamento.
Princípios Básicos
E é neste sentido que, com muita humildade e com a única intenção de auxiliar aqueles que seguem em sua formação dentro do judô, destaco e apresento a seguir a definição de oito princípios básicos que devem nortear a sua prática e serem manifestados dentro e fora dos tatamis.
1º – Cortesia (Reigi – 礼儀): Manifestar-se com delicadeza, amabilidade, com espírito de solidariedade, de coleguismo, com polidez, com boas maneiras, sempre de forma educada, construindo assim um relacionamento saudável, pacífico e amigável com os que o cercam.
2º – Coragem (Yūki –勇気): Enfrentar com ausência de temor, com ânimo e com determinação os desafios, as dificuldades, os obstáculos e circunstâncias que surgem em seu caminhar. Ter firmeza e perseverança para realizar e defender o que é correto e justo.
3º – Honestidade (Shōjiki – 正直): Expressar-se com sinceridade, com integridade, com retidão. Sempre dizer a verdade por meio de seus pensamentos, sentimentos, palavras, escritos e ações, impedindo com os recursos dos quais dispõe qualquer manifestação da mentira, do engodo, da enganação ou da ludibriação. É tornar-se alguém em quem se pode confiar.
4º – HONRA (Meiyo – 名誉): Cumprir a palavra, o compromisso assumido, mantendo-se de acordo com os princípios do bem, positivos e construtivos. É agir de acordo com as qualidades de elevada moral e caráter e ser reconhecido por esta forma de ser.
5º – MODÉSTIA (Kenkyo – 謙虚): Manifestar-se com simplicidade, com humildade, sem egoísmo, com sobriedade, com moderação, com ausência de vaidade, sem a prepotência de se vangloriar e sem aquela presunção de atrair admiração, reconhecimento ou homenagens pessoais.
6º – RESPEITO (Sonkei – 尊敬): Tratar com reverência, ter consideração e apreço e respeitar todos sem exceção, principalmente os professores, as autoridades hierárquicas, acatando e cumprindo todas as instruções e orientações de bem, positivas e construtivas que recebe em prol de seu desenvolvimento e do desenvolvimento de todos os demais.
7º – AUTOCONTROLE (Jisei – 自制): Ter o controle e o domínio sobre o uso de sua energia, mantendo-se equilibrado diante dos pensamentos, emoções e sentimentos negativos que tentam manifestar-se quando enfrenta desafios, obstáculos, ameaças e circunstâncias desagradáveis que surgem em seu caminhar.
8º – AMIZADE (Yūjō – 友情): Manifestar sempre o espírito de camaradagem, de grande afeição, de simpatia, de apreço, de bom companheiro e de um verdadeiro amigo que sempre manifesta a verdade e espontaneamente ajuda o próximo naquilo que ele necessita, com aquilo de que é capaz.
Significado Dōtuko Ritsu
Dōtoku (道徳):
道 (Dō): “Caminho” ou “Via” – frequentemente associado com o caminho ou a filosofia de vida.
徳 (Toku): “Virtude” ou “Moralidade” ou “qualidade moral – refere-se a qualidades morais ou virtudes.
Dōtoku significa “moralidade” ou “ética” ou “moral”. É o conceito de seguir um caminho virtuoso ou moral.
Ritsu (律):
律 (Ritsu): “Lei” ou “Regra” – significa “lei” ou “regra”, denotando as normas ou regulamentos que orientam a conduta.
Portanto, Dōtoku Ritsu (道徳律) pode ser interpretado como “leis morais”, “regras éticas” ou “código moral”, refletindo princípios que orientam comportamentos virtuosos e éticos.
Como um exemplo vivo de tais princípios, cumpre-nos o dever de transferir tal conhecimento, incentivando, valorizando e estimulando a sua prática a todos os que nos circundam em nosso campo de relações – uma contribuição de elevado valor para o florescimento de uma sociedade melhor e muito mais justa.