07 de janeiro de 2025
O acolhimento e o judô
Não basta ao sensei ter talento ou aptidão para ler uma criança. Precisa dar proteção, atenção, e demonstrar interesse pelas crianças e jovens que estão sob seus cuidados.
Por Paulo Pinto / Global Sports
8 de janeiro de 2025 / Curitiba, PR
Cobrindo eventos de judô há quase quatro décadas, a relação entre professores e alunos nos tatamis e no seu entorno sempre foi algo que me chamou muito a atenção. Desde os meus primeiros passos no judô, aos 9 anos, no modesto dojô do colégio Anglo Latino, no bairro da Aclimação, eu já enxergava na figura do sensei algo além do técnico ou do treinador. Ele era um educador, quase um pedagogo.
Aquela figura mística, muito séria a maior parte do tempo, empunhando um shinai, ensinava mais do que técnicas como mae-ukemi, ushiro-ukemi, yoko-ukemi, zempoo-kaiten-ukemi, kuzushi e kumi-kata. Ele se preocupava com detalhes aparentemente pequenos, mas profundamente significativos: o estado das nossas unhas, a higiene pessoal, a alvura impecável dos nossos judogis e nossa conduta como um todo.
Para aquela criança com menos de 10 anos, nada parecia ir além do respeito e da mística que envolviam a figura do sensei. A disciplina, as emoções no dojô e o ritual em torno do judô eram absorvidos com fascínio e admiração. Já para o jornalista experiente que hoje escreve estas linhas, ficou evidente que o impacto do judô na vida de um jovem praticante vai muito além disso, dependendo diretamente da percepção, sensibilidade e dedicação do sensei. É ele, afinal, quem molda não apenas o judoca, mas também o cidadão que cresce em várias dimensões sob sua orientação.
Hoje, vivemos tempos desafiadores. A proliferação de distúrbios e sintomas como TDAH, TEA, transtornos de neurodesenvolvimento, comunicação, linguagem e aprendizagem é uma realidade que exige muito mais dos professores. Nesse contexto, o acolhimento vai muito além de ensinar a cair e levantar. Trata-se de reconhecer o papel transformador do judô, compreender as necessidades de cada criança que entra no dojô e promover a inclusão, criando um ambiente onde todas as diferenças são respeitadas e valorizadas.
Universo de expectativas
Cada jovem que veste um judogi e pisa no tatami traz consigo um universo de expectativas, desafios e sonhos. Uns chegam em busca de disciplina, outros de confiança, e há aqueles que simplesmente querem pertencer a um lugar seguro. Cabe ao sensei a sensibilidade de perceber essas necessidades e responder a elas com cuidado e atenção.
O acolhimento no judô não se limita à transmissão da técnica. Ele está na habilidade do sensei de enxergar a essência de cada aluno, reconhecer suas dificuldades, celebrar seus pequenos avanços e, acima de tudo, fazer com que todos se sintam importantes. Não é sobre talento ou aptidão natural, mas sobre compromisso e interesse genuíno por aqueles que estão sob sua tutela.
Muitas crianças, por medo de lutar ou de se machucar, nem chegam a se inscrever no judô. O shiai e a luta são, de fato, portas de entrada, mas não são o único caminho. Um dojô verdadeiramente acolhedor entende que a prática do judô vai além da competição: é uma ferramenta para formar caráter, fortalecer valores e transformar vidas.
“Acolher é, no fundo, um ato de amor e responsabilidade. E, nesse aspecto, o judô tem o potencial de ser uma das maiores escolas de vida que uma criança pode encontrar.”
O acolhimento é, acima de tudo, a manifestação de um judô que abraça e educa, que molda a coragem sem desprezar o cuidado. É o reconhecimento de que cada criança que cruza as portas do dojô traz consigo uma história única, e que essa história merece ser ouvida e respeitada.
Senseis que acolhem verdadeiramente seus alunos criam não apenas judocas, mas cidadãos mais conscientes e preparados para os desafios da vida. Eles demonstram, em atos e palavras, que o judô é mais do que uma arte marcial – é um caminho de valores, de pertencimento e de transformação.
Não se reduz a talento ou aptidão para ler uma criança, é sobre a capacidade de proteger, acolher, dar atenção e, principalmente, se interessar pelas crianças e jovens que estão sob seus cuidados. Todo educador, aliás, deveria ter esta sensibilidade ou este preparo, para identificar o que aquela determinada criança busca, além de aprender a cair e levantar.
Acolher é, no fundo, um ato de amor e responsabilidade. E, nesse aspecto, o judô tem o potencial de ser uma das maiores escolas de vida que uma criança pode encontrar. Mas esse potencial só se concretiza por meio da sensibilidade e da compreensão de cada sensei. São eles, os faixas-pretas, que têm a responsabilidade de acolher essas crianças em seus primeiros passos, moldando não apenas judocas, mas cidadãos preparados para os desafios da vida.