Dores lombares e lesões nos joelhos: o pesadelo silencioso dos judocas

É fundamental que haja um diálogo produtivo entre técnicos, cientistas do esporte e senseis formados pela via tradicional © Kulumbegashvili Tamara / FIJ

Desequilíbrios posturais, treinos intensivos e padrões assimétricos têm levado muitos judocas à cirurgia. Mas a ciência e a tradição japonesa oferecem caminhos para tratar — e evitar — essas lesões.

Por Sérgio Luiz Carlos dos Santos (PhD) e Emiko Murakami
Curitiba, 14 de abril de 2025

Estudos sobre dor lombar revelam que as principais causas incluem trauma, infecção, inflamação, osteoartrite, artrite reumatoide, tumores, hérnia de disco e até doenças vasculares (CHOU, 2007).

Como praticante de judô há mais de 60 anos, vivenciei inúmeros episódios de dor e contusões, além de diversas cirurgias — nos joelhos, ombros e, mais recentemente, uma infecção nos rins que quase me tirou deste mundo. Vale lembrar que problemas renais muitas vezes se manifestam como dor lombar. Meu professor Luiz Catalano Calleja também sofria com pedras nos rins, e o mesmo ocorria com meu sensei no Japão, Takeuchi Yoshinori — que Deus os tenha. A incidência de dores lombares entre judocas é vastíssima e, muitas vezes, subestimada.

Essa temática sempre me chamou atenção. Como pesquisador, uni forças com a fisioterapeuta japonesa, doutora Emiko Murakami, e juntos temos estudado com mais profundidade esse tipo de quadro clínico no universo do judô.

De modo geral, os judocas não são ambidestros e tendem a utilizar de forma predominante apenas um lado da musculatura do quadril e da região intercostal. Esse padrão leva, ao longo do tempo, à hipertrofia unilateral e consequente desequilíbrio biomecânico. Daí surgem as dores crônicas, descompensações do quadril e até mesmo hérnias de disco. Vários atletas que treinei ao longo dos anos passaram por cirurgias por conta desse tipo de evolução clínica.

Os ortopedistas, em geral, recomendam tratamentos medicamentosos ou mesmo cirurgias. No entanto, nossos estudos — e os de Kolber e Beekhuizen (2007) — apontam que a má postura pode estar diretamente relacionada a movimentos corporais inadequados, como levantar, abaixar, empurrar e puxar cargas. São atividades inerentes à prática do judô, agravadas quando a musculatura é usada de maneira unilateral e repetitiva, como ocorre nos uchi-komis excessivos.

As dores lombares, portanto, surgem especialmente quando há sobrecarga por repetição — realidade comum nos treinamentos intensivos. E não apenas a lombar sofre: os joelhos também pagam o preço, tornando-se vulneráveis a contusões e lesões.

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Diante desse cenário, a doutora Emiko Murakami desenvolveu um protocolo de tratamento fisioterapêutico que tem se mostrado extremamente eficaz. Com base nas terapias orientais do seitai e shiatsu, ela obteve inúmeros casos de recuperação total de atletas, em apenas duas ou três sessões. O resultado é notável — e documentado.

Essa experiência nos convida a uma reflexão importante: independentemente da formação — seja ela acadêmica ou artesanal — os técnicos de judô precisam estar atentos à constante evolução das metodologias de treinamento. O eterno dilema entre volume e intensidade, discutido desde os estudos de Matveev, precursor da periodização, até as atualizações propostas por Tudor Bompa, precisa ser compreendido com mais profundidade pelos treinadores brasileiros.

É fundamental que haja um diálogo produtivo entre técnicos, cientistas do esporte e senseis formados pela via tradicional. Essa integração é o caminho mais eficaz para prevenir lesões que, muitas vezes, afastam atletas por longos períodos das competições e dos treinos.

A proposta da sensei Murakami é um convite à reflexão e à prática: incorporar saberes científicos à tradição do judô pode ser o diferencial para proteger os corpos e prolongar a carreira dos nossos atletas. Que saibamos usar o conhecimento a nosso favor — dentro e fora do tatami.

Entenda as terapias orientais utilizadas no tratamento

Seitai (整体)

O seitai é uma terapia corporal japonesa que significa literalmente “corpo ajustado” ou “corpo equilibrado”. Seu objetivo é restaurar o alinhamento natural da estrutura corporal por meio de técnicas manuais de ajuste postural, alongamentos, respiração e movimentos suaves. Ele não trata apenas sintomas, mas busca corrigir padrões de movimento disfuncionais e estimular a autorregulação do organismo, promovendo saúde integral e prevenção de lesões.

Shiatsu (指圧)

O shiatsu significa “pressão com os dedos” e é uma técnica terapêutica japonesa baseada nos princípios da medicina tradicional oriental. O terapeuta utiliza os dedos, palmas e, às vezes, cotovelos para aplicar pressão sobre pontos específicos dos meridianos de energia (os mesmos da acupuntura). O objetivo é liberar tensões musculares, melhorar a circulação energética (ki) e restabelecer o equilíbrio entre corpo e mente. No esporte, o shiatsu é utilizado para recuperação muscular, alívio de dores crônicas e aceleração da regeneração física.

SÉRGIO LUIZ CARLOS DOS SANTOS
Pós-doutor em Ciências do Esporte, Universidade de Barcelona; doutor e mestre em Educação / pedagogia do esporte, Faculdade de Educação da Universidade de Barcelona; pós-graduado na University of Tsukuba, Japão, bolsista do “Mombusho” (Ministério de Educação do Japão); com licenciatura em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP).Como docente foi professor de judô, wrestling e esgrima na Universidade Federal do Paraná durante mais de 20 anos; professor convidado dos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Barcelona; e professor de Judô e Educação Física no Colégio Dante Alighieri. É autor de 14 livros e centenas de artigos científicos.

EMIKO MURAKAMI
Fisioterapeuta graduada em Seitaí no Toyo Seitai Jissen Gakui em Tóquio e  graduada em shiatsu, Seitai Nihon Grand Treiner em Tóquio no Japão.

https://www.instagram.com/kimonosakura_rp/