C.S. Lewis e o jiu-jitsu: a luta contra o orgulho

Fábio Gurgel, CEO da Aliance Jiu-Jitsu © FG

Ao traçar paralelos entre os escritos de Lewis e a vivência no tatami, Fábio Gurgel revela como a prática do jiu-jitsu pode ser um caminho de formação moral, humildade e superação do ego — muito além da técnica.

Por Fábio Gurgel
Curitiba, 14 de abril de 2025

Por reconhecer a profundidade e atualidade do artigo escrito pelo mestre Fábio Gurgel — faixa coral shichi-dan (7º dan), tetracampeão mundial, cofundador e CEO da Alliance Jiu-Jitsu, técnico e líder da equipe tridecacampeã mundial da IBJJF, e um dos empresários dos tatamis mais bem-sucedidos na atualidade —, a Revista Budô republica o texto em que o autor se inspira nas reflexões de Clive Staples Lewis, renomado escritor e filósofo britânico do século 20. Mais do que uma análise sobre vaidade ou ego, o artigo se revela um verdadeiro guia de conduta para professores — de jiu-jitsu ou de qualquer arte — que enxergam no ensino um caminho de transformação pessoal e coletiva, dentro e fora dos tatamis.

Clive Staples Lewis foi um escritor, professor e pensador britânico do século XX, conhecido tanto por suas obras de ficção — como As Crônicas de Nárnia — quanto por seus escritos filosóficos e espirituais. Ao longo da vida, ele se dedicou a discutir temas como fé, moralidade, caráter e a natureza humana com uma profundidade acessível e atemporal.

Em livros como Cartas de um Diabo a Seu Aprendiz e A Abolição do Homem, Lewis expõe com clareza os perigos do orgulho, da vaidade e da perda de referências morais — assuntos que, curiosamente, também encontramos todos os dias no tatami.

C.S. Lewis escreveu que o orgulho é o maior de todos os pecados. Para ele, o orgulho não é apenas se achar melhor do que os outros — é o vício de se comparar, de medir o próprio valor sempre em relação ao outro. É uma distorção do olhar. Uma prisão invisível.

Escritor e filósofo britânico do século 20, Clive Staples Lewis nasceu no dia 29 de novembro de 1898, em Belfast, Irlanda do Norte © Arquivo

No Jiu-Jitsu, o orgulho morre cedo.

Ou você o mata, ou é finalizado por ele.

O tatami não permite máscaras por muito tempo. Não importa quem você é fora dali, quantos seguidores tem ou que título carrega. Ali, você volta a ser aprendiz todos os dias. E se não aceitar isso, vai sofrer — não pela dor física, mas pela resistência interna em se despir do ego.

Em Cartas de um Diabo a Seu Aprendiz, Lewis mostra como o orgulho é uma das ferramentas mais eficazes para destruir o caráter de um homem. A vaidade, o ressentimento, a comparação constante — tudo isso é alimento para o ego. E no Jiu-Jitsu, aprendemos que o ego mal alimentado cobra caro. Ele isola, bloqueia o aprendizado, impede a evolução.

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Lewis também dizia: “A verdadeira humildade não é pensar menos de si mesmo, mas pensar menos em si mesmo.”

No Jiu-Jitsu, aprendemos isso na marra. Quando abrimos espaço para aprender, ouvir, cair e levantar sem drama, nos tornamos mais fortes. A humildade se transforma em arma. E o ego, em obstáculo superado.

Em A Abolição do Homem, Lewis defende que a educação verdadeira precisa formar o caráter — e não apenas a mente. Ele fala sobre a importância de forjar o “peito”, o centro moral do homem, onde habitam a coragem, a honra e a virtude.

O Jiu-Jitsu é uma escola perfeita para isso. Ali, o corpo e o caráter são treinados juntos. A cada treino, não se forma apenas o lutador — forma-se o ser humano.

É comum ver praticantes talentosos que param de evoluir não por falta de técnica, mas por excesso de orgulho. Não aceitam errar. Não aceitam perder. Não aceitam parecer fracos. Mas o que é a fraqueza, senão a incapacidade de continuar tentando?

Lewis falava de um tipo de coragem que não é barulhenta, mas constante. A coragem de continuar — mesmo quando ninguém está olhando, mesmo quando os resultados demoram. O Jiu-Jitsu é exatamente isso: um ato repetido de coragem silenciosa.

Você entra na academia como alguém. E, se permitir, sai de lá um pouco mais verdadeiro.

Não porque venceu, mas porque foi vencido e não desistiu.

A prática nos ensina que há algo maior do que vencer lutas — é vencer a si mesmo. E talvez seja esse o verdadeiro caminho de qualquer arte: se tornar alguém que transforma a dor em sabedoria, o erro em lição, o orgulho em humildade.

C.S. Lewis não treinava Jiu-Jitsu, mas, sem dúvida, ele entenderia a alma do que acontece ali.

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