Crise na WKF: redes de corrupção e autoritarismo mergulham o karatê mundial em um escândalo sem precedentes

Vinicius Figueira, atleta paranaense 10º lugar no ranking do kumitê da WKF © Sportsin

De Paris a Teerã, de Dacar ao México, dirigentes de federações vinculadas à World Karate Federation estão no centro de denúncias que envolvem corrupção, fraude eleitoral, abuso de poder e repressão a opositores. Trata-se de um sistema que se protege — e ignora o colapso ético do karatê mundial.

Fonte Farzad Youshanlou / Sportsin
Curitiba, 5 de maio de 2025

Pela segunda vez em um mês, Marie Barsacq, ministra dos Esportes e Cultura da França, compareceu ao Senado para tratar das crescentes denúncias de má conduta dentro da Federação Francesa de Karatê. O inquérito, liderado pelo senador Michel Savin, de Isère, escancarou falhas de governança profundamente enraizadas na entidade. Paralelamente, problemas semelhantes têm sido relatados em federações nacionais de karatê em diversos países — incluindo Geórgia, Senegal, Kosovo, Irã, México, Peru e Equador —, sugerindo um padrão internacional mais amplo de má gestão e absoluto desrespeito às práticas de transparência e compliance.

No centro desses escândalos está um padrão recorrente de concentração de poder, gestão fraca e indícios claros de corrupção institucionalizada. Em diversos casos, líderes antigos se mantêm entrincheirados no comando das federações, quase sempre sem qualquer forma de supervisão transparente ou responsabilidade democrática.

Na França, o Comitê Olímpico e Esportivo Nacional recusou-se a reconhecer Bruno Verfaille como presidente da Federação Francesa de Karatê, alegando irregularidades no processo eleitoral e sua proximidade com Francis Didier — indiscutivelmente a figura mais poderosa do karatê francês. Didier também integra o comitê executivo da Federação Europeia de Karatê e é aliado histórico do espanhol Antonio Espinós, presidente da World Karate Federation (WKF). Há décadas, Didier concentra poder tanto no cenário nacional quanto no internacional da modalidade.

Francis Didier e Antonio Espinos © WKF

Durante as audiências no Senado, a ministra dos Esportes, Marie Barsacq, alertou que o ministério poderia suspender a federação caso esta não adotasse reformas urgentes de governança. Em uma sessão posterior, reafirmou a posição do governo, classificando a corrupção enraizada como uma ameaça séria à integridade do karatê francês.

Mas Didier é apenas a ponta de um problema muito mais profundo. Antonio Espinós, que preside a Federações Mundial e Europeia de Karatê há mais de 25 anos, jamais enfrentou uma eleição aberta.

Observadores apontam que seus aliados utilizam a influência do cargo para bloquear reformas, silenciar dissidências e consolidar controle sobre estruturas nacionais em diversos continentes.

Antonio Espinós assumiu a presidência da World Karate Federation em 1998 e permanece no cargo até hoje, tendo sido reeleito em diversas ocasiões — incluindo um mandato de seis anos iniciado em 2016. Seu antecessor foi o francês Jacques Delcourt, que liderou a organização entre 1992 e 1998. Delcourt foi uma figura fundamental na história do karatê, tendo sido o primeiro presidente da União Europeia de Karatê (EKU), em 1965, e um dos principais responsáveis pela fundação da World Union of Karate-do Organizations (WUKO), em 1970, entidade que posteriormente deu origem à WKF em 1992. Antes de Delcourt, a presidência da WUKO foi ocupada por Ryoichi Sasakawa, do Japão, de 1970 até 1992.

Revolta nas ruas expõe corrupção na federação mexicana de karatê

No México, uma disputa feroz pela liderança fragmentou a federação nacional, culminando em manifestações públicas sem precedentes. O confronto entre Samantha Desciderio Olvera e Oscar Godínez Balbás explodiu nas ruas em fevereiro de 2025, quando atletas e treinadores protagonizaram protestos organizados na Cidade do México. Pontos estratégicos da cidade foram bloqueados, incluindo a Rua Camino, em Santa Teresa, e o cruzamento Insurgentes Sur–San Fernando, paralisando a Linha 1 do Metrobus.

Manifestantes protestam contra a corrupção no karatê mexicano © Sportsin

Os manifestantes acusaram Desciderio de corrupção e extorsão, exigindo sua destituição imediata. As denúncias ganharam ainda mais peso diante dos cargos que ela ocupa: membro do comitê executivo e tesoureira-assistente da Federação Pan-Americana de Karatê, além de integrante do comitê executivo da WKF desde 2022. Uma faixa durante o protesto resumiu o clima:

“Samantha, pare de enganar as autoridades. Você já tirou muito do karatê mexicano. Não permitiremos que continue com sua conduta criminosa.”

Acobertamento sistemático da corrupção no karatê

O Senegal apresenta outro caso emblemático. Em 2024, Souleymane Gaye assumiu a presidência da Federação Africana de Karatê, encerrando um ciclo de 17 anos sob comando do argelino Mohamed Tahar Mesbahi. No entanto, a estreita ligação entre Gaye e Antonio Espinós, somada aos escândalos envolvendo a federação senegalesa, levantou sérias preocupações. Em uma assembleia geral realizada em 30 de junho de 2023, dirigentes da federação foram acusados de desviar aproximadamente 10 milhões de francos CFA (cerca de 15 mil euros) em bônus destinados a atletas. Em vez de investigar e responsabilizar os envolvidos, a federação suspendeu os denunciantes — entre eles Bescaye Diop, presidente da liga regional de Dakar.

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Diop protocolou denúncia formal no Escritório Nacional de Combate à Fraude e à Corrupção do Senegal e escreveu ao ministro do Esporte, descrevendo a gestão como desonesta, corrupta e orientada por interesses pessoais. Sua intervenção permitiu a recuperação de 3,2 milhões de francos CFA, devolvidos ao Estado por um dos membros do executivo em setembro de 2024. No entanto, em abril de 2025, o presidente da federação, Mohamed El Mokhtar Diop, e três associados evitaram a prisão pagando fiança — incluindo sete milhões de francos CFA em dinheiro e uma escritura de propriedade. As investigações revelaram que os bônus haviam sido destinados a atletas fantasmas. Desde então, o tesoureiro da federação desapareceu e segue foragido.

Casos semelhantes em Kosovo e no Irã

Situação semelhante ocorreu no Kosovo, onde uma onda de prisões em dezembro de 2024 atingiu figuras-chave da federação nacional. As detenções fizeram parte de uma operação mais ampla de combate à corrupção no esporte.

No Irã, Hassan Tabatabaei foi destituído da presidência da federação nacional após decisão judicial que identificou graves irregularidades no processo eleitoral. O cargo passou para Mazdak Soofi, nomeado diretamente pelo ministro do Esporte — sem qualquer eleição formal. Desde então, Soofi adiou a realização de novas eleições por mais de sete meses e reestruturou a entidade, nomeando aliados para cargos estratégicos. A medida provocou forte reação da comunidade do karatê iraniano, que passou a questionar sua legitimidade e os verdadeiros interesses por trás de sua gestão.

Uma crise global de integridade

De Paris a Dakar, de Teerã à Cidade do México, o karatê enfrenta uma crise de integridade em escala mundial. Os apelos por reformas se intensificam a cada novo escândalo — mas permanece a dúvida: os dirigentes da World Karate Federation terão coragem de agir?

Por ora, o pântano segue intocado. E ninguém parece disposto a drená-lo.

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