07 de junho de 2025

Em minhas reflexões sobre o Budô, tenho explorado os cinco estados mentais que considero essenciais para a prática: Shoshin (初心) – Mente de principiante; Zanshin (残心) – Mente alerta; Mushin (無心) – Mente sem mente; Fudoshin (不動心) – Mente inabalável; e Senshin (先進) – Mente que se antecipa.
A experiência me convenceu de que o desenvolvimento desses estados mentais é a maior dádiva que o Budô pode oferecer, especialmente quando o observamos com a perspectiva contemporânea, distanciando-nos da crueza de sua concepção original, que visava forjar guerreiros implacáveis diante da morte.
A consciência da finitude, inerente à condição humana, é o nosso maior desafio existencial. Estamos fadados a escrever uma história com um final já conhecido: a morte. No entanto, podemos transformar essa certeza em uma companheira constante, que nos conduz à sabedoria e ao aprendizado profundo sobre a vida.
Dentre os estados mentais mencionados, dedico-me aqui a explorar o Shoshin. É importante distingui-lo do nome do Rei de Okinawa, Shō Shin (尚真), que governou Ryukyu entre 1477 e 1526. Apesar da fonética similar, os significados são distintos.
A expressão Shoshin (初心) possui uma rica etimologia. É formada por dois caracteres kanji: Sho (初), que significa “primeiro”, “início”, “começo” ou “original”; e Shin (心), que significa “coração”, “mente” ou “espírito”. A tradução literal de Shoshin seria “mente original” ou “coração do início”, expressando a ideia de uma mente livre de preconceitos, aberta a novas experiências, semelhante à mente de uma criança que descobre o mundo pela primeira vez. O kanji “shin” (心) também pode ser traduzido como “essência” ou “núcleo”, o que nos permite interpretar Shoshin como “essência original” ou “mente essencial”. Essa interpretação evoca a importância de nos conectarmos com nossa natureza primordial, livre de condicionamentos e expectativas.
Shoshin impulsiona a:
Esse estado mental está intrinsecamente ligado à consciência da morte, mas não de forma mórbida. A morte serve como um farol que ilumina nossos valores, relativizando tudo aquilo que nos afasta da verdade essencial: a impermanência e a efemeridade da vida.
Os sentimentos que o medo da morte – mesmo inconsciente – gera, como a busca por poder, o hedonismo, a dissimulação, o egoísmo, a hipocrisia, a inveja, o menosprezo, a arrogância e a empáfia, são combatidos pela mente de principiante.
Shoshin é o antídoto para essas imperfeições. Permite-nos reconhecer nossas falhas e compreender a essência dos outros sem julgamentos, aprendendo com cada interação.
O mundo e seus habitantes representam a infinitude para a mente humana. A compreensão total é inalcançável, mas a busca pelo conhecimento deve ser incessante. Somente uma mente livre de preconceitos – a mente do principiante – mantém acesa a chama do aprendizado contínuo.
Shoshin, em sua fluidez, permite que o aprendizado se estenda até o último instante da vida, quando aprendemos a morrer, o derradeiro ensinamento.
A prática do Budô contribui significativamente para esse processo. No Budô, todos se igualam em um caminho que nos coloca em contato com o que há de mais primitivo em nós, aproximando-nos da natureza e expondo-nos ao aprendizado constante, ao cansaço, à insegurança, ao medo e a todas as experiências que a vida oferece.
A mente livre de impurezas precisa ser cultivada diariamente. Somos iguais em nossa desigualdade, e o Shoshin nos permite reconhecer isso. Ele mantém abertos “os olhos da mente”, que se fecham quando somos dominados por sentimentos negativos.
No Budô, o praticante confronta continuamente sua própria ignorância, e a mente de principiante é sua aliada nessa jornada. Para o professor, o desafio é ainda maior: aprender com os erros de seus alunos, reconhecendo que cada um deles oferece valiosas lições. Para isso, o mestre precisa retornar constantemente ao princípio, à mente do principiante.