Ton Pacheco traça a rota do judô no Tocantins: do primeiro dojô à autonomia da FEJET

Georgton Thomé Burjar Moura Pacheco, uma vida dedicada ao desenvolvimento do judô © Global Sports

Da implantação pioneira à maturidade federativa: o legado de uma vida dedicada ao desenvolvimento do judô.

Por Paulo Pinto / Global Sports
Curitiba, 14 de setembro de 2025

Natural de Goiânia (GO), Georgton Thomé Burjar Moura Pacheco, o Ton do Judô, vive em Palmas (TO) desde 1997. Nascido em 31 de outubro de 1968, tem 57 anos, é especialista em Ortopedia e Fisioterapia Esportiva e, desde 2018, ostenta a faixa vermelho-branca (roku-dan, 6º dan).

Ton começou no judô aos 12 anos, na escolinha do Colégio Objetivo. Ainda faixa azul, disputou uma competição que mudaria sua trajetória: ali foi visto pelo professor kodansha Lhofei Shiozawa. Conheceram-se no evento, e Ton logo passou a treinar com o mestre virtuoso no dojô do Jockey Club, onde funcionava um projeto para atletas e esportistas. “Ele se tornou meu ídolo e, com o tempo, descobri que era um dos maiores judocas do Brasil. O domínio técnico era assustador; ninguém ficava em pé por muito tempo diante dele”, recorda. Segundo Ton, “só o japonês Chiaki Ishii rivalizava com Shiozawa no país.”

Paulo Wanderley e Ton Pacheco durante a assembleia eletiva realizada em 15 de março, no Rio de Janeiro / CBJ

Para aqueles que desconhecem essa pare da história, Chiaki Ishii é um judoca japonês, naturalizado brasileiro desde 1969. Ishii foi o primeiro judoca brasileiro a ganhar uma medalha olímpica para o Brasil, o bronze, nos Jogos de 1972, em Munique na Alemanha.

Aos 17 anos, já faixa marrom, Ton recebeu do sensei o convite para dar aulas a crianças. Nessa fase, conciliava treinos no Yoshida Judô Club — com o sensei Cid Yoshida, filho Hideki Yoshida, importante referência no judô paulista fundador do Esporte Clube Linense (SP), uma das quatro instituições que, em 1958, fundaram a FPJudô — às segundas, quartas e sextas; e no Jockey Club, às terças, quintas e sábados. Shiozawa ministrava à tarde aulas de preparação física, precursoras do que hoje se conhece como treinamento funcional e circuitos.“Eu desconfiava que a intenção dele era matar alguém”, brinca Ton. “No começo do ano, subíamos escadarias do Estádio Serra Dourada ou corríamos na pista da Faculdade de Educação Física. Ali entendi a importância da preparação física como complemento da técnica.”

Ton desenvolveu técnica refinada sob a orientação do sensei Lhofei Shiozawa © Arquivo

Em novembro de 1983, Ton ganhou projeção ao servir de uke numa demonstração do sensei em Brasília. “Durante meia hora, fui jogado de um lado para o outro — parecia desenho animado. Eu era magro, alto e caía muito bem. Como eu o conhecia profundamente, bastava um olhar para entender de que forma eu iria voar. Nada precisava ser combinado.”

A faixa preta veio em 1986, ano em que se sagrou campeão brasileiro júnior em Minas Gerais. Em 1987, foi vice, e, em 1988, disputou a seletiva para os Jogos de Seul, em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, ao lado de Ezequiel, Dagnino e Mauro de Oliveira — Ezequiel ficou com a vaga. “Até 1990 foi um período duríssimo. Eu viajava a São Paulo com frequência para treinar no dojô do professor Paulo Duarte; às vezes ficava de janeiro a março. Ele me ajudou e me ensinou demais. Foi uma honra lapidar minha técnica com o sensei Paulo, um homem diferenciado dentro e fora dos tatamis.”

Professores Ton e Chico do Judô uma amizade que transcendeu o tatami © Global Sports

Lesões frequentes o levaram a cursar Fisioterapia

Em Cuiabá (MT), já no adulto, foi campeão brasileiro vencendo todas as lutas por ippon. A performance lhe rendeu um convite para defender São Caetano, então uma das equipes mais fortes do país. Prestou vestibular e cursou Fisioterapia até 1995, quando concluiu a graduação. Antes dele, a equipe havia contado com Rogério Sampaio e Aurélio Miguel; Ton entrou para substituir Douglas Gil e, mais tarde, seria sucedido por outra lenda, Tiago Camilo.

Ton ao lado do sensei Lhofei Shiozawa, mestre que marcou sua trajetória no judô © Arquivo

Defendendo São Caetano, Ton viveu duelos históricos e já em no primeiro evento oficial, o Torneio Beneméritos, sua equipe bateu o “dream team” de Guarulhos, formado por nomes como Aurélio Miguel, Frederico Flecha e Rinaldo Anciutti Caggiano — este último derrotado por Ton com um uchi-mata. Ele chegou a receber proposta do Esporte Clube Pinheiros, mas declinou. “A família Dagnino já estava lá há muitos anos e eu temia não ter o mesmo espaço. Em São Caetano, onde eu era o capitão”, explica. A relação com o sensei Mário Tsutsui extrapolou os tatamis. “Ele foi meu padrinho de casamento.” O saldo é inequívoco: “A equipe sul-caetanense foi decisiva na minha vida. Lá me formei, venci as principais competições paulistas, desenvolvi ainda mais meu judô e abri portas para outros goianos, como o saudoso Josef Guilherme.”

Ton com o sensei Paulo Duarte, no dojô da Ulbra em Palmas, durante o Shotyugeiko de 2010 © Arquivo

Mudança para Palmas

Em dezembro de 1996, Ton Pacheco casou-se e mudou-se para Palmas (TO), a convite da Ulbra, que implantava um projeto esportivo robusto no recém-criado Estado do Tocantins (instalado em 1º de janeiro de 1989). A mudança tinha também um propósito: introduzir e estruturar o judô numa região ainda sem tradição clubística e sem organização federativa. Logo na chegada, a Ulbra ergueu um dojô de 200 m² e convidou o campeão olímpico de Seul-1988, Aurélio Miguel, para abrilhantar a inauguração daquele que Ton descreve como o primeiro dojô de padrão internacional do estado. Entre 1997 e 2002, as primeiras equipes tocantinenses começaram a competir foram apoiadas por laços que Ton mantinha com Lhofei Shiozawa, Paulo Wanderley e Luís Carlos Novi.

Pódio do Absoluto em Colorado Springs, em 1991: José Mário Tranquilini (campeão), um judoca alemão (vice) e, em terceiro lugar, Ton e Marcos Daud © Arquivo

A semente rapidamente atraiu gente. “O primeiro professor que veio depois de mim foi o sensei Espedito Pereira Lima Júnior, veterinário de Mogi das Cruzes (SP), que abriu um pequeno dojô no centro de Palmas e, após inaugurarmos a Ulbra, passou a integrar a equipe.” Na sequência, chegaram Sérgio Papa e outros treinadores, ampliando o trabalho e fomentando a modalidade.

https://www.originaltatamis.com.br/

Fundação da FEJET

A institucionalização veio em 17 de setembro de 2002, com a fundação da FEJET – Federação de Judô do Estado do Tocantins, impulsionada pelos professores Irisomar Fernandes e Hebert Giacomini, que lideraram o processo de oficialização. Para marcar o ato, a FEJET convidou o então presidente da CBJ, professor kodansha hachi-dan (8º dan) Paulo Wanderley Teixeira, recepcionado pelo secretário estadual de Esporte, Jaime Lourenço; houve coletiva de imprensa e, nas palavras de Ton, “o professor Paulo apresentou o judô olímpicoaos jornalistas locais”. Vieram muitos faixas-marrons de outros estados, e o primeiro exame de graduação em solo tocantinense foi supervisionado pelo professor kodansha Luiz Antônio Soares Romariz, então presidente da Femeju (Federação Metropolitana de Judô) e dirigente com passagens por cargos estratégicos na CBJ. “A partir dali os dojôs foram se multiplicando, e o judô no Tocantins começou a ter vida própria.”

O ippon de uchi-mata aplicado por Ton sobre um norte-americano levou o bicampeão olímpico Hitoshi Saito a cumprimentá-lo após o combate © Arquivo

A FEJET teve como primeiro presidente o professor Irisomar, que deixou o cargo ao mudar de estado; sucedeu-o Hebert Giacomini. O terceiro presidente foi o próprio Ton Pacheco, que vinha atuando como diretor técnico.Fiquei à frente do judô tocantinense por quatro mandatos consecutivos — 16 anos — e saí em março, por opção, já cansado dos atributos do cargo e convicto do dever cumprido”, resume. Ele descreve a presidência como uma função absorvente, sobretudo em estruturas enxutas: “Você precisa estar à frente de todos os setores. Não consegui formar um grupo que me permitisse delegar áreas; tudo passava pela presidência.” Para quem imagina tarefa simples, Ton lista, em síntese, os eixos da gestão: governança (presidência/vice, conselho, diretoria e secretaria); administrativo-financeiro (RH, compras, patrimônio, contabilidade, prestação de contas); jurídico e integridade (contratos, disciplinar, LGPD e ouvidoria); técnica (calendário, regulamentos, rankings, seleções); arbitragem (árbitros e mesários, cursos, escalas); competições e eventos (operação, súmulas, credenciamento); formação e desenvolvimento (cursos, EAD, base, projetos sociais e paradesporto); e comunicação, marketing e parcerias (imprensa, marcas, patrocínios, relações institucionais). Tudo, frisa, feito sem recursos e de forma voluntária.

Ton com o sensei Cid Yoshida © Arquivo

Principais lideranças da modalidade

Sobre influências na sua forma de gerir, Ton cita dois nomes de trajetórias distintas que marcaram o cenário nacional: Francisco de Carvalho Filho e Paulo Wanderley Teixeira. A lembrança de “Chico” vem carregada de afeto: “Tenho respeito e admiração enormes pelo ex-presidente da Federação Paulista. Ele era muito amigo do meu professor, Lhofei Shiozawa, e sempre nos incentivou — doando material, colaborando tecnicamente, amparando presidentes em situação mais precária por compreender a importância de fomentar o judô nos demais estados.” Ton recorda que apoiou a pretensão de Chico de chegar à presidência da CBJ, pela qualidade do trabalho em São Paulo. “Infelizmente, ele foi uma das vítimas fatais da Covid-19, e sua trajetória foi interrompida.”

Ton com Fernando Moimaz, presidente da Federação Matogrossense de Judô, durante assembleia da CBJ no Rio de Janeiro © Arquivo

Em suas referências de gestão, Ton traça um contraponto: se Francisco de Carvalho Filho lhe ensinou o valor do amparo federativo, Paulo Wanderley é, para ele, o exemplo de dirigente executivo e empreendedor. “A gestão anterior dele, antes do COB, foi marcada por grandes conquistas para o judô brasileiro”, afirma. Como prova, cita o PAF – Programa de Apoio às Federações, concebido para fortalecer as 27 federações estaduais, descentralizando e homogeneizando a modalidade no país. O pacote incluiu infraestrutura (entrega de tatamis padrão FIJ e kits com equipamentos eletrônicos para competição), capacitação e apoio logístico — entre eles, cotas anuais de passagens para participação nos Campeonatos Brasileiros, além de suporte a árbitros, seguros e custos operacionais de eventos e treinamentos de campo. Outra marca que Ton destaca é a construção do Centro Pan-Americano de Judô, “uma arena concebida sob medida para a modalidade”, e a “cereja do bolo”: a criação de um departamento de marketing que projetou o judô com mais força no cenário midiático nacional.

Ton com Luiz Augusto Martins Teixeira, presidente da Federação Mineira de Judô, durante a Copa Minas de 2025 © Arquivo

Visão de futuro

Quanto ao futuro, Ton segue entre a fisioterapia e as aulas de judô — espaço em que “aproveita para treinar e se manter em forma” —, mas admite o desejo de voltar a contribuir na gestão. Sobre a possibilidade de reassumir funções administrativas, Pacheco foi bastante objetivo.

“Sim, anseio devolver ao judô o que recebi, mas, em nível de Tocantins e Goiás, entendo que cumpri minha missão”, diz. Ele relata integrar o grupo que apoiou o processo eleitoral da CBJ e acredita que “chegará o momento” de participar da administração para apresentar ideias e colaborar. “Não tenho mais ambição em nível de FEJET — hoje a federação é independente, tem um dirigente novo e competente, a quem desejo sorte e muito sucesso.”

Ton celebra no lugar mais alto do pódio ao conquistar o título do M6 (-90kg) no Campeonato Brasileiro Veteranos 2025, em Barueri © Arquivo

Sem alarde, Ton destaca que sua experiência acumulada converge com a atual agenda executiva que a CBJ tem reforçado. E arremata que, quando a direção entender oportuno, estará à disposição para somar “com trabalho silencioso, metas claras e entrega.”

Marius Vizer e a nova era do judô

Sobre as regras da FIJ, Ton reconhece a complexidade do tema: o esporte precisa calibrar permanentemente sua arquitetura regulatória às demandas midiáticas, comerciais e institucionais. Ele recorda a eleição de Marius Vizer, em 12 de setembro de 2007, no Rio de Janeiro, com a proposta explícita de modernizar e universalizar a modalidade. “Ele fez isso”, resume, apontando a presença oficial do judô em 205 federações nacionais filiadas à FIJ, além das duas equipes de refugiados. “O judô é hoje uma das maiores expressões esportivas do planeta, depois do futebol.” Na leitura de Ton, o ciclo de mudanças regulatórias e de gestão implementadas sob Vizer é, no conjunto, positivo — ainda que exigente — e aponta para a profissionalização do circuito e a valorização das premiações.

Ton e Francisco de Carvalho no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, em 2019 © Global Sports

Ton acrescenta um princípio simples e irrefutável: uma modalidade fundada em 1882, ancorada em princípios filosóficos e em profunda tradição, para preservar relevância social e força competitiva, precisa reinventar-se continuamente. Importa lembrar que, no judô, tradição não se confunde com doutrina religiosa: não é xintoísta por credo; é, sim, cultura — etiqueta (rei), símbolos como shomen / kamidana e uma ética de matriz sobretudo confucionista (caráter, dever, respeito), temperada por elementos budistas / zen. Sob essa chave, ele vê coerência entre o discurso e a prática de Vizer: uma agenda que combina governança e espetáculo esportivo, robustece o calendário internacional e amplia a inclusão. A estreia da prova por equipes mistas nos Jogos de Tóquio 2020 surge, para ele, como símbolo dessa virada — um formato contemporâneo, televisivo e fiel ao espírito coletivo do judô.

Ton aos 15 anos com a mãe, Maria Adiles Burjar Pacheco, sua maior incentivadora, em 1984, na formatura do 1º grau, quando ainda era faixa roxa © Arquivo

Em síntese, Ton define Vizer como um dirigente visionário, “à frente do seu tempo”, capaz de articular universalização e sustentabilidade econômica sem perder o lastro do Budô. É a síntese entre valores e viabilidade: regras mais claras, produtos esportivos mais atrativos e um ecossistema que remunera melhor atletas, técnicos e árbitros — sem trair a essência do caminho (dô).

Competições mais enxutas

Ton também faz uma crítica construtiva ao formato de competições no país. Para ele, os Brasileiros Regionais “engessados”, com apenas quatro áreas, e jornadas que começam cedo e terminam à noite, não dialogam com o que o público e os atletas desejam hoje. Ele saúda experiências mais enxutas e ágeis — como algumas já adotadas em São Paulo — e pede a revisão de padrões. Cita, como exemplo, o Brasileiro de Veteranos, com menos de 400 inscritos realizado em três dias: “É o tipo de competição que precisa ser repensada.”

Ton com a mãe, Maria Adiles Bujar Pacheco, e os irmãos Gerson e Geferson — médico e faixa preta ni-dan © Arquivo

Ton Pacheco lembrou também de sua trajetória nos tatamis: ao longo da carreira, disputou 18 finais, com 13 medalhas de ouro e cinco de prata. “Sempre priorizei os Campeonatos Brasileiros porque o nível técnico e a competitividade são muito mais elevados do que nos Sul-Americanos e Pan-Americanos”, afirma. Para ele, os Brasileiros reúnem a elite do país, com chaveamentos longos, lutas em sequência e exigência tática e física que o obrigaram a elevar padrões de treino. Esse foco o levou a buscar aperfeiçoamento contínuo e a medir-se, ano após ano, com os principais nomes de sua categoria — tanto no júnior quanto no adulto —, consolidando a consistência de resultados que marcou sua carreira.

Retorno para um ciclo de excelência

Bem ao seu estilo — curto e grosso —, Ton Pacheco avaliou o retorno do presidente da CBJ. Para ele, após oito anos no COB, Paulo Wanderley retorna no auge e fará sua melhor gestão.

“Se a gestão anterior do professor Paulo Wanderley na CBJ já havia sido excelente, entendo que, após oito anos à frente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), ele retorna ainda mais preparado, com visão ampliada, rede de relações fortalecida e domínio de governança no mais alto nível. Esse repertório executivo — negociação com parceiros, compliance, captação, comunicação e leitura de calendário internacional — me faz crer que ele entregará a melhor administração de sua carreira à frente da Confederação. O que já foi notável no passado (PAF, Centro Pan-Americano de Judô, marketing ativo) tende agora a ganhar escala e sofisticação, oferecendo à comunidade do judô nacional uma capacidade de entrega inédita e projetando ainda mais a modalidade no cenário midiático e esportivo do país.”

“Do ponto de vista prático, espero diálogo permanente com as federações, modernização dos formatos de competição (mais ágeis e atrativos), valorização da arbitragem e dos cursos de formação, políticas robustas de integridade e proteção, e investimento simultâneo na base e no alto rendimento. Vejo espaço para reativar grandes eventos internacionais no Brasil; reconstruir o Centro de Treinamento nacional por meio de parceria público-privada e, no curto prazo, ativar uma rede federativa de hubs regionais com campos mensais e residências técnicas — tudo integrado a uma plataforma digital (biblioteca de lutas, EAD, vídeoanálise); integrar melhor escolas, clubes e universidades; ampliar a presença em TV e streaming; e elevar o nível de profissionalização em todas as frentes.”

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