Sofia 2025: Brasil consolida hegemonia continental e desafia gigantes do judô mundial

Thiago Valladão, Maria Portela e José Olívio, integrantes da nova geração de treinadores © Fotomontagem Global Sports

Sem rodeios, Thiago Valladão, Maria Portela e José Olívio abriram o jogo, com análises técnicas e cirúrgicas que revelam como o Brasil foi além do esperado e deixou até gigantes do judô mundial em posição defensiva.

Por Paulo Pinto / Global Sports
Curitiba, 23 de setembro de 2025

O desempenho brasileiro no Campeonato Mundial Cadete de 2025, em Sofia, extrapolou qualquer expectativa e consolidou uma façanha histórica. Com duas medalhas de ouro, uma de prata e duas de bronze, o país encerrou as disputas individuais na terceira colocação geral, atrás apenas do Uzbequistão e dos atletas neutros da FIJ, mas à frente de potências tradicionais como Japão, França e Geórgia.

No continente americano, apenas o Canadá conseguiu figurar no quadro de medalhas, com uma única medalha de prata, enquanto Estados Unidos, México, Paraguai, Equador, Puerto Rico, El Salvador, República Dominicana, Bolívia, Guatemala e Venezuela voltaram para casa com as mãos vazias. Assim, coube ao Brasil não apenas manter seu protagonismo, mas ampliá-lo de maneira inquestionável, reafirmando-se como a única força efetiva das Américas no cenário cadete mundial.

Arthur Bonato, do Grêmio Náutico União, apenas 14 anos, conquistou a prata nos -50kg em Sofia © Di Feliciantonio Emanuele / FIJ

Herança japonesa

Esse protagonismo, longe de ser episódico, está enraizado na própria formação do judô brasileiro. O país abriga a maior comunidade nipônica fora do Japão e, desde o início do século XX, incorporou a modalidade como parte de sua cultura esportiva e educacional. O judô passou a ocupar um lugar de destaque na vida e na cultura nacional, formando gerações de atletas que não apenas conquistaram resultados expressivos, mas também ajudaram a difundir valores de disciplina, respeito e superação. A campanha em Sofia, portanto, não é um ponto fora da curva: ela representa a continuidade de uma tradição sólida, que ao longo das décadas fez do Brasil uma das principais potências mundiais, capaz de rivalizar com nações que historicamente dominam os tatamis internacionais.

Maria Portela, Thiago Valladão e José Olívio durante o treinamento de campo para o Mundial realizado em Pindamonhangaba © CBJ

Se a tradição já garante ao Brasil presença constante entre as grandes potências, o que se viu em Sofia foi um salto além dessa régua histórica. A delegação brasileira não apenas confirmou sua vocação para disputar medalhas, mas reafirmou sua capacidade de formar, geração após geração, judocas cada vez mais bem preparados física e psicologicamente para os desafios internacionais. Nesse Mundial, os jovens brasileiros não apenas conquistaram pódios, como mostraram consistência, maturidade e profundidade técnica raramente vistas em outras nações. Ao deixar para trás escolas consagradas como Japão e França, o Brasil ampliou sua projeção e deu ao país uma visibilidade inédita. Esse resultado não representa apenas mais uma página da nossa história, mas um capítulo singular, em que o judô nacional ousou ir além do protagonismo habitual e estabeleceu novos parâmetros para si próprio e para as Américas.

Brasil em terceiro lugar no quadro de medalhas do Mundial Cadete 2025, à frente de potências históricas como Japão e França © Global Sports

Muito além das medalhas

Esse desempenho em Sofia projeta reflexos que vão muito além do âmbito esportivo. Ao colocar o Brasil no pódio acima de potências históricas, a Confederação Brasileira de Judô ganha densidade política e prestígio internacional, reforçando sua liderança no continente e ampliando sua voz nos fóruns globais da FIJ. Em um ciclo que aponta para Los Angeles 2028, o resultado cadete não pode ser visto apenas como promessa futura, mas como prova concreta da consistência do judô brasileiro — capaz de revelar talentos em escala e sustentar, de forma perene, sua posição de potência. Para o presidente Paulo Wanderley, esse capital simbólico e político consolida sua autoridade como dirigente e expande sua margem de ação nas negociações e articulações estratégicas em nível nacional e internacional. Cabe ainda ressaltar a qualidade do trabalho conduzido pelo diretor de Esporte da CBJ, Marcelo Theotonio, e por sua jovem equipe de treinadores, que souberam guiar com competência, visão estratégica e serenidade os jovens judocas brasileiros nesta campanha histórica.

Maria Portela e Clarice Ribeiro concentradas antes da final dos -48kg em Sofia © Di Feliciantonio Emanuele / FIJ

Identidade nacional

A campanha brasileira em Sofia simboliza a essência de um país que transformou o judô em patrimônio cultural e em linguagem de identidade nacional. Os resultados de Clarisse Vallim (ouro, -70kg), Clarice Ribeiro (ouro, -48kg), Arthur Bonato Melo (prata, -50kg), Nicole Marques (bronze, -52kg) e Laryssa Fonseca (bronze, -63kg) — somados às quintas colocações de Sarah Mendes (-48kg) e César Godoy (-90kg), igualmente valiosas pelo peso que carregam no sistema de pontuação internacional — não pertencem apenas a estatísticas esportivas: eles ecoam como sinais de vitalidade, criatividade e resiliência de uma nação que insiste em reinventar-se nos tatamis. Em meio a um cenário global ainda marcado por hegemonias tradicionais, o Brasil surge como voz disruptiva, lembrando ao mundo que o judô não reconhece fronteiras de geografia ou de economia, mas apenas a coragem de quem ousa lutar. E foi exatamente essa coragem, somada a uma herança cultural profunda e a uma organização técnica cada vez mais sólida, que fez do Brasil o verdadeiro protagonista do Mundial Cadete de 2025.

Thiago Valladão e César de Godoy Tristante, do São João Tênis Clube/APAJA/SEL de Atibaia, no Pan-Americano Cadete © Di Feliciantonio Emanuele / FIJ

Verdades e lições de Sofia

A histórica campanha do Brasil no Campeonato Mundial Cadete 2025 não apenas consolidou o país entre as potências globais da modalidade, como também trouxe reflexões profundas da comissão técnica responsável por guiar os jovens judocas em um cenário de altíssima exigência e competitividade.

Os treinadores Thiago Valladão Fernandes, Maria Portela e José Olívio representam diferentes trajetórias e olhares dentro da comissão técnica — e, juntos, simbolizam a renovação que marca esse novo ciclo do judô brasileiro. Thiago Valladão, com perfil pragmático, atua no acompanhamento direto do tatami e enfatiza a preparação e o intercâmbio internacional. José Olívio, doutor em Educação Física, é reconhecido por sua visão sistêmica e pela capacidade de relacionar o desempenho brasileiro às tendências globais do judô. Já Maria Portela, ex-atleta olímpica com larga vivência, traz a experiência de quem viveu os maiores palcos da modalidade e hoje traduz esse conhecimento em uma abordagem pedagógica e formadora.

Equipes cadete e júnior, ao lado de treinadores e dirigentes, após a campanha histórica no Campeonato Pan-Americano e da Oceania © CBJ

Na sequência, cada um deles compartilha sua avaliação sobre a performance brasileira, os aprendizados e os próximos passos. Três vozes distintas que, em sintonia, ajudam a compreender por que o Brasil ousou ir além em Sofia e estabeleceu novas referências para o judô cadete mundial.

Thiago Valladão – a visão pragmática do tatami

Natural de São Paulo, nascido em 8 de março de 1983, o professor Thiago Valladão Fernandes é faixa preta yon-dan (4º dan) e licenciado em Educação Física, com registro no CREF 041399/G-SP. Integrante da comissão técnica da Confederação Brasileira de Judô desde 2022, possui formação completa nos módulos oferecidos pela Educação CBJ e o Curso Nacional de Capacitação para Técnicos de Judô.

José Olívio, compenetrado, analisa estratégias em Sofia © Di Feliciantonio Emanuele / FIJ

Ao avaliar o desempenho brasileiro no Mundial Cadete de Sofia, Thiago destacou a maturidade e a coragem dos atletas diante da pressão de um evento dessa magnitude. “O desempenho foi bastante positivo. Os atletas mostraram capacidade de adaptação ao ambiente de alta pressão, encarando adversários de altíssimo nível com coragem e maturidade. Tecnicamente, conseguimos impor nosso judô em diversos combates, demonstrando variação nos ataques e boa aplicação tática. Psicologicamente, embora tenhamos enfrentado momentos de oscilação natural em atletas dessa faixa etária, a maioria respondeu bem, revelando evolução na autoconfiança e no controle emocional.”

O tricampeonato mundial cadete da manauara de 17 anos Clarice Ribeiro, que defende o Minas Tênis Clube, a projeta como um dos maiores fenômenos do judô brasileiro © Kulumbegashvili Tamara / FIJ

Sobre a preparação, o treinador considera que o trabalho atendeu às expectativas dentro das possibilidades do calendário. “O volume de treinos e o controle de intensidade permitiram que os atletas chegassem em boas condições físicas e técnicas. No entanto, sempre identificamos pontos de aprimoramento, principalmente no equilíbrio entre a carga de treinos e a adaptação aos ajustes técnicos individuais. A preparação correspondeu às expectativas, mas o Mundial reforçou a necessidade de ampliar o intercâmbio internacional antes das grandes competições. Precisamos, no mínimo, de três estágios internacionais por ciclo, com treinamentos específicos, para que nossos atletas tenham contato contínuo com diferentes escolas de judô e cheguem ainda mais preparados para esse nível de exigência.”

“A inclusão desse torneio é extremamente valiosa, pois permite que os jovens atletas vivenciem precocemente o clima e a exigência de um evento mundial.”

Comparando o Brasil com outras potências internacionais, Thiago ressaltou que a equipe brasileira se mostrou competitiva frente a países tradicionais. “Em vários momentos, estivemos no mesmo nível técnico de adversários como Japão, França e Geórgia, disputando de igual para igual. É importante destacar também a força apresentada pelo Uzbequistão neste Mundial, com atuações de grande destaque. Já a França, que era uma das favoritas, não conseguiu ter o rendimento esperado: conquistou algumas medalhas, mas na competição por equipes acabou sendo eliminada já na primeira rodada.”

Maria Portela e Thiago Valladão com os campeões por equipes mistas de 2025 © CBJ

Na análise interna, o treinador destacou a força do judô feminino brasileiro e a necessidade de investir mais no masculino. “No caso do Brasil, o processo nacional do judô feminino é muito forte e supre as necessidades da nossa competitividade internacional. No masculino, o processo interno não é fraco, mas ainda não supre plenamente o nível de exigência internacional. Por isso, para o próximo ano, já estamos buscando ampliar oportunidades e estratégias que fortaleçam ainda mais a preparação do masculino em competições desse porte.”

Quanto às lições deixadas pelo Mundial de Sofia, Thiago ressaltou a importância de preparar os atletas em todas as dimensões. “A principal lição é a importância de preparar os atletas não apenas tecnicamente, mas também para os aspectos psicológicos da competição: lidar com a pressão, com as viagens longas e com a adaptação rápida a diferentes ambientes. Além disso, ficou evidente que o alinhamento com os treinadores dos clubes e academias de origem dos atletas é de extrema importância, pois contribuiu diretamente para que eles chegassem bem preparados para este campeonato mundial.”

Com apenas 14 anos, Clarisse Vallim conquistou o ouro nos -70kg em Sofia e ratificou a força da nova geração © Sabau Gabriela / FIJ

Thiago também frisou que a participação no Mundial Cadete deve ser entendida como parte de um processo de longo prazo. “Se os atletas ganham, não é o fim; se perdem, também não é o fim. Essa experiência serve como aprendizado e motivação para o desenvolvimento contínuo, consolidando competências que serão úteis em toda a carreira internacional.”

Por fim, o treinador avaliou o peso da inclusão do Mundial Cadete no calendário da FIJ. “A inclusão desse torneio é extremamente valiosa, pois permite que os jovens atletas vivenciem precocemente o clima e a exigência de um evento mundial. Isso acelera a maturação competitiva, amplia a visão de carreira e serve como motivação para que se preparem melhor em cada etapa de desenvolvimento. Além disso, o Mundial Cadete oferece à comissão técnica uma oportunidade ímpar de avaliar talentos, ajustar metodologias e projetar o futuro do judô brasileiro no cenário internacional.”

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Maria Portela – a experiência olímpica aplicada à formação

Maria de Lourdes Mazzoleni Portela nasceu em 14 de janeiro de 1988, em Júlio de Castilhos (RS). Atuando no peso médio (70kg), defendeu o Brasil em três edições consecutivas dos Jogos Olímpicos: Londres 2012, Rio de Janeiro 2016 e Tóquio 2020.

Faixa preta go-dan (5º dan), é graduada em Educação Física e pós-graduada em Administração e Marketing Esportivo. Desde 2024 integra a comissão técnica da Confederação Brasileira de Judô, atuando em ações de capacitação da equipe cadete. Em 2025 assumiu a função de treinadora da equipe feminina cadete, consolidando sua transição de atleta olímpica a técnica responsável por preparar a nova geração do judô brasileiro.

Diálogo estratégico de Thiago e Portela em Sofia © Di Feliciantonio Emanuele / FIJ

Na avaliação da treinadora Maria Portela, o desempenho dos cadetes brasileiros em Sofia deve ser entendido dentro de um processo de amadurecimento. Desde o início da preparação, ela procurou conscientizar as atletas de que se tratava de mais uma competição, ainda que com uma quantidade maior de adversários e um nível técnico elevado. “O foco esteve sempre naquilo que elas haviam treinado e se preparado para viver. Algumas sentiram um pouco a pressão e não conseguiram desenvolver como gostariam, mas essa situação faz parte do aprendizado e do desenvolvimento delas como atletas.”

Sarah Mendes (-48kg), quinta colocada em Sofia, reafirmou a competitividade do judô brasileiro no cenário cadete mundial © Di Feliciantonio Emanuele / FIJ

Sobre a preparação específica para o Mundial, Maria destacou o papel fundamental da parceria com os clubes. “O alinhamento com os treinadores de origem foi essencial para identificarmos pontos a serem melhorados e também os pontos fortes de cada atleta. Considero que o treino foi adequado, e a aproximação em treinamentos de campo com a seleção auxiliou nesses ajustes para obtermos os resultados almejados.”

“O processo começa cada vez mais cedo, e participar de uma competição com o nível de um Mundial, com tamanha qualidade e quantidade de países, capacita nossos atletas a vivenciar esse ambiente competitivo desde cedo.”

Ao comparar o Brasil com outras potências internacionais, a treinadora reforçou que o país já é uma referência consolidada. “O judô brasileiro é uma potência, e os resultados no cadete só demonstram que estamos atentos ao processo de transição e preparação para o futuro. Esses atletas estão apenas no início de suas carreiras, e cada experiência irá moldar o judoca que eles se tornarão. Nesta classe, não priorizamos apenas o resultado, apesar de ele ser importante: a formação é fundamental.”

Maria Portela e Nicole Marques comemoram o ouro nos -52kg em Lima © CBJ

Entre as lições que o Mundial deixou, Maria ressaltou a importância da convivência pré-competição e da ampliação do calendário internacional. “A aproximação no treinamento prévio foi muito importante, assim como a participação em mais eventos internacionais aliados aos nacionais. Essa combinação ajuda os atletas a se qualificarem e, principalmente, a acreditarem no potencial do nosso judô.”

Por fim, a treinadora destacou o impacto positivo da inclusão do Mundial Cadete no calendário da FIJ. “O processo começa cada vez mais cedo, e participar de uma competição com o nível de um Mundial, com tamanha quantidade e qualidade de países, capacita nossos atletas a vivenciar esse ambiente competitivo desde cedo. Na Europa, isso já é uma realidade há mais tempo pela facilidade geográfica. Para nós, esse contato precoce é decisivo para formar atletas prontos para os desafios futuros.”

Já em Sofia, Nicole Marques conquistou o bronze nos -52kg © Sabau Gabriela / FIJ

José Olívio – o olhar estratégico e sistêmico

Natural de Araras (SP), nascido em 29 de outubro de 1983, o professor José Olívio Júnior é faixa preta san-dan (3º dan), doutor em Educação Física pela Unesp (2021) e mestre em Treinamento Esportivo. Suas primeiras ações junto à Confederação Brasileira de Judô aconteceram em 2014, consolidando-se a partir de 2015 como presença constante nas comissões técnicas nacionais.

Thiago Valladão comanda o treinamento de campo em Pindamonhangaba © Anderson Neves / CBJ

Ao analisar o Mundial Cadete de Sofia, o treinador destacou que a competição reuniu as principais potências com delegações completas, elevando o nível qualitativo em relação à edição anterior. “A quantidade de atletas do centro e leste europeu e da Ásia em cada categoria fez com que a exigência fosse maior, perceptível já nas primeiras lutas de muitos brasileiros. No entanto, sentimos que a equipe brasileira chegou física, técnica e mentalmente muito preparada para a competição, inclusive superando adversários duríssimos nas rodadas iniciais, como georgianos, franceses e japoneses. Há alguns anos deixamos claro para nossos atletas que fazemos parte da elite do judô mundial e que aqueles que conquistam o direito de representar o Brasil em um campeonato mundial estão muito bem preparados e com total merecimento. Estamos lá para brigar pelo título, e os atletas assimilaram isso, entrando em estado de prontidão, mas sempre atentos — de coração quente e cabeça fria. É natural, porém, que dentro do grupo, por motivos diversos, um ou outro atleta fique mais nervoso.”

César Godoy (-90kg), quinto colocado em Sofia, confirmou a solidez do judô brasileiro também entre os pesados © Di Feliciantonio Emanuele / FIJ

Na avaliação sobre a preparação, José Olívio fez questão de destacar a relação de parceria com clubes e academias. “É lá que se realiza a maior parte do trabalho. Nós, enquanto comissão técnica da classe cadete, temos três funções principais: a primeira é estruturar um processo seletivo justo e meritocrático, que realmente traga os melhores atletas do momento para representar o país. A segunda é atuar como curadores de informações, como uma lanterna que ilumina os principais pontos de ajuste para o desempenho internacional, alinhando esses aspectos com as equipes técnicas dos atletas. A terceira função é cuidar do atleta em ambiente internacional, com todas as atribuições de treino, competição e acompanhamento. A intensidade e o volume da preparação estão diretamente ligados a essas funções, pois avaliamos o panorama internacional e como cada atleta se posiciona em relação a ele. Partindo dessas análises, alinhamos os treinos em ambiente de seleção com os técnicos responsáveis. Por isso, considero que fizemos um excelente trabalho para este Mundial, com comunicação muito boa e feedbacks constantes dos colegas.”

Desde 2014, Zé Olívio empresta seu talento às classes de entrada da CBJ, acompanhando gerações de cadetes em campanhas internacionais © CBJ

Sobre os resultados, José Olívio destacou a dimensão histórica do desempenho. “Tivemos nosso melhor resultado qualitativo em campeonatos mundiais cadetes até agora: terceiro lugar no quadro geral e campeões no feminino. Isso mostra o quanto nossa geração é qualificada. Além disso, tivemos outras participações que nos orgulharam e nos deixam esperançosos quanto à continuidade do processo. No masculino, percebemos que há espaço para crescer ainda mais. Precisamos rever partes da preparação, pois as potências internacionais estão investindo precocemente nesta classe. O quadro de medalhas mostra que a força do judô migra cada vez mais para o leste europeu, enquanto a Europa Ocidental teve apenas duas medalhas no masculino (uma prata e um bronze, ambas com a Itália).”

“Há alguns anos deixamos claro para nossos atletas que fazemos parte da elite do judô mundial e que aqueles que conquistam o direito de representar o Brasil em um campeonato mundial estão muito bem preparados e com total merecimento.”

As lições de Sofia, segundo ele, apontam para a necessidade de enfrentar mais vezes os adversários do leste europeu. “Na categoria masculina, os maiores desafios vêm desses países, e será necessário promover ações para que nossos judocas treinem e compitam mais vezes contra eles. No feminino, nosso processo está mais consolidado e tem dado conta, mas agora que conquistamos o título mundial, o alvo passa a estar em nossas costas. Isso nos obriga a buscar alternativas e a nos reinventar para continuar na vanguarda.”

Laryssa Fonseca (BRA) vence Nana Gulbiani (GEO) nos -63kg, conquista o bronze e passa a integrar o seleto grupo de judocas brasileiros medalhistas em mundiais © Emanuele Di Feliciantonio / FIJ

Por fim, o treinador avaliou a importância da inclusão do Mundial Cadete no calendário da FIJ. “Esse torneio tem provocado um investimento mais precoce no cenário internacional. Ainda não temos estatísticas definitivas sobre seu impacto no sênior, mas já vimos exemplos: as atletas sueca e japonesa que fizeram a final do cadete em 2022, em 2023 estavam vencendo Grand Slam e conquistando medalhas olímpicas. Também há o caso dos russos (IJF), que na casa dos 20 anos já se tornaram campeões mundiais seniores. Isso mostra que o processo internacional está começando mais cedo e que há diferenças técnicas e até na interpretação de regras e arbitragem entre o cenário nacional e o internacional. Esses detalhes podem ser determinantes para a preparação. No nosso caso, vários medalhistas olímpicos em Paris iniciaram suas trajetórias internacionais ainda no cadete, culminando em medalhas. Mas é importante ressaltar: não se trata de uma condição obrigatória para o sucesso no sênior. Cada atleta atinge o pico em momentos diferentes da carreira.”

Em um gesto de acolhimento e celebração, Portela abraça Clarisse Vallim após a conquista do ouro nos -70kg © Di Feliciantonio Emanuele

Comandantes à beira dos tatamis

As análises de Thiago Valladão, José Olívio e Maria Portela evidenciam o valor estratégico da comissão técnica brasileira no Mundial Cadete de Sofia. Não são eles os responsáveis diretos pela formação dos talentos — missão silenciosa que cabe a milhares de professores espalhados pelo país, muitas vezes sem o devido reconhecimento — mas são os comandantes das batalhas travadas à beira dos tatamis, transformando promessas em combatentes prontos para enfrentar dragões do judô mundial.

Thiago Valladão e José Olívio ao lado de outros treinadores durante o treinamento de campo em Pindamonhangaba © Anderson Neves / CBJ

Com disciplina, conhecimento e sensibilidade, conduzem jovens de 14 a 17 anos a suportar a pressão de um campeonato transmitido ao vivo para todo o planeta, contra adversários forjados em potências históricas da Ásia ou no pujante Leste europeu. Guiar essa juventude em batalhas desse porte exige mais do que tática: exige sabedoria, equilíbrio e a capacidade de manter “o coração quente e a cabeça fria”.

Thiago Valladão em Sofia, transmitindo confiança e estratégia à beira do tatami © Di Feliciantonio Emanuele / FIJ

Sofia mostrou que o Brasil conta com uma ampla rede de formadores, espalhados de Norte a Sul do país, capazes de revelar talentos extraordinários, e com uma comissão técnica de alto nível que sabe lapidar, orientar e preparar esses atletas para o combate em igualdade de condições. É justamente esse isolacionismo continental e essa capilaridade interna que tornam o judô brasileiro cada vez mais forte. O resultado não foi apenas o terceiro lugar no quadro de medalhas: foi a afirmação de um sistema que, ao unir base e comando, projeta o Brasil como protagonista incontestável no cenário global.

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