A eficiência do kumi-kata

O kumi-kata eficiente antecipa o sen-no-sen © ilustração gerada por IA / Global Sports

Fundamento que conecta a pegada, direção e desequilíbrio, o kumi-kata organiza o combate no judô e, quando bem executado, pode definir a maior parte do resultado técnico de uma luta.

Por Prof. Me. Odair Borges
Curitiba, 8 de outubro de 2025

Kumi-kata” significa, literalmente, forma de unir/atracar/agarrar. Na prática, é o modo como o judoca, por meio da pegada na gola e na manga do oponente, controla, dirige e desequilibra o adversário com o objetivo de arremessar ou defender-se das técnicas de judô, executadas de acordo com o estilo pessoal de luta, o nível de aproximação e as preferências individuais. O dicionário do Instituto Kodokan também coloca como sinônimo o vocábulo “kumitê”, traduzido como tomar o controle ou assumir o comando.

O “Estudo sobre a Eficácia do Kumi-kata em Lutas de Judô” foi o título da minha dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo (USP), em 1989. Foi a segunda dissertação em judô no Brasil. A primeira foi realizada pelo professor doutor Carlos Catalano Calleja, também na USP, em 1981, intitulada “Contribuição para o Estudo e Interpretação das Regras Internacionais de Judô.”

Em 1970, no Kodokan, tive o privilégio e a honra de ter sido aluno e de fazer alguns randori com Sumiyuki Kotani sensei, o último aluno de Jigoro Kano ainda vivo à época. Foi ele quem me levou a pensar no kumi-kata quando escrevi minha dissertação. Na primeira vez em que praticamos randori, disse-me: “não segure no judogi com muita força; use somente a força necessária, pois o adversário percebe suas intenções e você não consegue perceber as dele”. Foi uma das primeiras lições sobre o que é judô.

https://www.originaltatamis.com.br/

Kumi-kata é um dos principais fundamentos no aprendizado do judô; embora inevitável, hoje está bastante complexo.

Após o hajime e o cumprimento inicial do combate, em ato contínuo, os lutadores procuram fazer sua pegada preferida em tsurite (a mão que levanta), segurando a gola, e em hikite (a mão que puxa), segurando a manga. Denominamos tsurite a pegada que faz/constrói a técnica e hikite a pegada que desequilibra, puxando, empurrando ou elevando o adversário. O kumi-kata pode ser efetuado nas posições aiyotsu, quando os dois lutadores seguram pelo mesmo lado, e kenkayotsu, quando um segura pela direita e o outro pela esquerda. Por meio dessas duas pegadas, hikite e tsurite, procuramos desequilibrar o adversário nas diversas direções e, assim, colocá-lo em posição favorável para a execução perfeita de uma técnica, seja ela em oi-komi (avançando), tobi-komi (saltando), hikidashi (puxando) ou debana (deter, frustrar) e suas variações, ou transições em ren-raku-henka-waza ou ren-zoku-waza.

Kano shihan, quando da idealização do judô, procurou, na ação de agarrar/segurar o judogi do oponente, reduzir o espaço entre ambos, pois, assim, teriam condições de dominar e movimentar para romper o centro de gravidade, induzir o adversário a uma posição favorável ao ataque, controlar a técnica aplicada, defender-se de um ataque e assegurar a segurança do companheiro ou do adversário na queda. A habilidade técnica do praticante, para controlar, desequilibrar e arremessar o adversário com perfeição — até o kime final —, demonstra seu grau de superioridade. Kano shihan nunca ensinou que, após o arremesso, o tori deveria rolar por cima do uke, como temos visto hoje em demonstrações na internet. Além disso, ao idealizar o kumi-kata, pensou no contato direto como forma de proporcionar postura ereta e elegante aos praticantes, valorizando não só a efetividade, mas também a estética do enfrentamento durante o combate.

Hoje, os lutadores frequentemente dirigem suas ações preparatórias para o kumi-kata — muitas vezes bastante confusas —, durante as quais os oponentes tentam impor sua pegada favorita. A menor desatenção e a fragilidade de momento, devido a uma mudança de fixação, podem permitir que o adversário se aproveite disso. A cada nova intenção de pegada, essa fase recomeça com a mesma determinação de ambos.

“Na primeira vez em que praticamos randori, disse-me: ‘não segure no judogi com muita força; use somente a força necessária, pois o adversário percebe suas   intenções e você não consegue perceber as dele”. Foi uma das primeiras lições sobre o que é judô.”

No aspecto físico/técnico, a força de preensão manual é a capacidade que tem o judoca de fazer um kumi-kata forte e vigoroso, adquirida no treinamento de resistência muscular localizada em mãos e antebraços, capacitando a sustentação do esforço.

Um kumi-kata eficiente sempre foi de primordial importância no judô como um todo e para a execução perfeita de uma técnica. Esse contato direto com o oponente, além de nos fazer captar o momento oportuno (sen-no-sen) para um ataque, revela a intenção e a direção de um iminente ataque do adversário.

http://www.shihan.com.br

Dentro dessas características, o kumi-kata pode proporcionar informações proprioceptivas obtidas por meio da força de preensão manual, determinando os movimentos e as táticas a serem adotados durante o randori e a competição.

Podemos dizer que um domínio eficiente da pegada nos dá 60% a 70% de chance de vitória na competição, e consideramos que 80% de uma técnica — bem entendido, de judô — são decorrentes de um kumi-kata hábil e inteligente.

Infelizmente, são fundamentos que estão sendo esquecidos por professores e atletas, hoje mais preocupados em arremessar o adversário de qualquer modo. No próprio dojô, durante o randori, alunos e atletas evitam segurar diretamente no judogi, e até crianças, seguindo o exemplo, adotam posturas evitando o contato direto. Portanto, se o praticante não fizer o kumi-kata durante o randori, ou ficar na tentativa de segurar somente para atacar, dificilmente conseguirá obter a força de preensão, tão necessária para a execução perfeita de uma técnica.