Tarracá: a luta esquecida que revela a alma do Maranhão

Pesquisa conduzida por Cláudio Borba, Hudson Nunes, Diego Linhares, Alam Saraiva, Ítalo Campos e Alexandre Drigo resgata uma prática corporal ancestral e mostra como o Tarracá expressa a força, a ludicidade e os laços comunitários do povo maranhense.

Por Cláudio Borba
Curitiba, 26 de outubro de 2025

No vasto mosaico das lutas brasileiras, uma manifestação singular ressurge das memórias de um pescador octogenário para lembrar que a história corporal do país vai muito além das influências orientais. É a Luta Tarracá, uma expressão endêmica do norte maranhense — especialmente das regiões ribeirinhas da Baixada — que combina brincadeira, desafio e identidade cultural em um mesmo gesto de agarrar e derrubar.

O estudo publicado por Cláudio J. Borba-Pinheiro, Hudson F. Nunes, Diego G. Linhares, Alam dos R. Saraiva, Ítalo S. Campos e Alexandre J. Drigo na Revista Ciencias de la Actividad Física UCM (vol. 26, n.º 2, 2025) caracteriza pela primeira vez os aspectos técnicos, históricos e simbólicos dessa prática.

A pesquisa, de natureza antropológica e qualitativa, baseou-se no depoimento de um pescador de 87 anos — ex-morador da ilha do Cajual dos Pereiras — e utilizou o método de análise temática para reconstruir o significado cultural do Tarracá na vida comunitária maranhense.

Brincadeira, coragem e pertencimento

A narrativa do ancião entrevistado revela que o Tarracá era parte do cotidiano dos jovens pescadores. Praticava-se na areia seca ou no mato roçado, após o futebol ou antes do banho de maré. Mais do que um combate, era um jogo de destreza e força, uma prova de coragem que, paradoxalmente, fortalecia amizades.

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“Era uma brincadeira nossa”, relata o participante no estudo. “A gente se agarrava, caía na areia, lutava até cansar. Quando um prendia o outro, acabava. Depois todo mundo ia tomar banho na maré.”

A análise dos dados mostrou que o Tarracá combinava ludicidade e competição, com golpes de projeção e imobilização — entre eles, a canga-pé, a baiana, a cabeçada e o mata-leão. A luta terminava apenas por exaustão ou desistência, sem limite de tempo ou espaço.

Entre o jogo e o símbolo

Para os autores, o Tarracá é mais do que uma simples disputa física. Ele representa uma memória coletiva, transmitida pela oralidade e pela experiência dos corpos em convivência. A prática surge como símbolo de sociabilidade e de resistência cultural, preservando valores de solidariedade e pertencimento que marcaram as comunidades pesqueiras da Baixada Maranhense.

Em termos técnicos, as ações descritas — varridas de pé, ganchos e desequilíbrios — assemelham-se às encontradas na Luta Marajoara do Pará e à Galhofa portuguesa, outra luta de caráter lúdico preservada na Europa. Assim como essas manifestações, o Tarracá traduz uma pedagogia ancestral, em que o corpo é meio de comunicação e celebração da vida comunitária.

Da oralidade à escola

Os autores defendem que essa luta, nascida como brincadeira popular, pode e deve integrar a unidade temática de lutas da educação física escolar brasileira. O estudo dialoga com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ao sugerir que o Tarracá seja reconhecido como conteúdo cultural e educativo, à semelhança da Luta Marajoara, já reconhecida como patrimônio imaterial pelo IPHAN.

Jovens lutam na areia © Imagem gerada por IA / Global Sports

Nesse sentido, o trabalho de Borba-Pinheiro e colaboradores propõe uma nova forma de olhar para as lutas regionais — não como curiosidades folclóricas, mas como expressões legítimas de conhecimento corporal, cidadania e identidade.

Entre a memória e o futuro

A pesquisa encerra-se com um alerta: se nada for feito, o Tarracá corre o risco de desaparecer junto com as memórias de seus últimos praticantes. O resgate científico é, portanto, um gesto de preservação da cultura e da diversidade brasileira.

Mais do que documentar técnicas de combate, o estudo convida a compreender o Tarracá como rito de amizade e afirmação coletiva — uma luta que une, em vez de dividir; que mede força, mas exalta humanidade.

Referência:
Borba-Pinheiro, C. J.; Nunes, H. F.; Linhares, D. G.; Saraiva, A. R.; Campos, Í. S.; Drigo, A. J. (2025). Luta Tarracá: uma manifestação originária da cultura do Maranhão no Brasil. Revista Ciencias de la Actividad Física UCM, 26(2), 149–164. DOI: 10.29035/rcaf.26.2.10

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