Sistema CONFEF/CREFs: justiça revela a engenharia de poder que, há décadas, controla a autarquia

Cláudio Augusto Boschi, presidente do CONFEF © Arquivo

Decisão judicial não é apenas uma condenação específica: é um marco que expõe a urgência de reconstrução moral e institucional do sistema perverso criado pelo Conselho Federal de Educação Física.

Por Paulo Pinto / Global Sports
Curitiba, 25 de novembro de 2025

As recentes decisões judiciais envolvendo o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) evidenciam um cenário de profunda deterioração ética, marcado pela sobreposição de interesses pessoais à finalidade pública do sistema profissional. A sentença histórica proferida pelo juiz federal Renato Barth Pires, da 3ª Vara Federal de São José dos Campos (SP), no processo 5003386-15.2024.4.03.6103, em 19 de novembro de 2025, mostra que o CONFEF tem adotado práticas normativas voltadas à perpetuação de grupos específicos no poder, em afronta direta à legalidade, à moralidade administrativa e aos princípios republicanos.

Trata-se de um marco judicial que confirma, com rigor técnico, aquilo que há anos vem sendo denunciado em reportagens da Revista ProAtiva: desvios de finalidade, uso político e pessoal da máquina pública, restrições ilegais à participação democrática no processo eletivo, perpetuação de dirigentes no poder e manipulação normativa deliberada para garantir hegemonia de um núcleo fechado de poder.

“A Justiça reconhece expressamente que o sistema criou regras de elegibilidade restritivas e ilegais, destinadas a limitar o acesso de novos profissionais  aos espaços de deliberação.”

“Além disso, a repercussão da decisão judicial afetou não apenas o CONFEF, mas também todos os conselhos regionais, escancarando práticas institucionalizadas em diversas unidades federativas que, há anos, restringem a participação democrática, limitam candidaturas e afastam Profissionais de Educação Física que ousam questionar tais estruturas — um sistema repleto de vícios que gera um ecossistema cujos pilares são a farsa institucionalizada, o clientelismo desenfreado e a corrupção sem precedentes.”

Autor das normas que consolidaram a blindagem institucional do CONFEF, Jorge Steinhilber segue influente como conselheiro honorífico © Global Sports

A decisão judicial reconhece expressamente que o sistema criou, por meio da Resolução 513/2023, regras de elegibilidade restritivas e ilegais, destinadas a limitar o acesso de novos profissionais aos espaços de deliberação. Segundo o juízo, a norma “criou uma restrição ilegal e desproporcional para os postulantes às eleições, exigindo tempo mínimo de inscrição e prévia ocupação da mesma função, circunscrevendo os possíveis eleitos apenas a um grupo reduzido de profissionais”. Em termos práticos, tratava-se da manutenção do poder nas mãos da cúpula liderada por Jorge Steinhilber — ex-presidente que comandou o Conselho Federal desde sua fundação, em 8 de novembro de 1998, até 17 de dezembro de 2020, portanto por longos 22 anos — e que, ao deixar o cargo, entregou a autarquia a um de seus discípulos, que segue reproduzindo as mesmas práticas administrativas obscuras do antecessor.

Esse diagnóstico jurídico confirma percepções amplamente relatadas por profissionais da área: há pessoas que ocupam cargos no sistema há mais de 27 anos, transformando estruturas públicas em verdadeiros ambientes pessoais, para alguns, empregos vitalícios. Essa permanência prolongada favorece interesses exclusivos e bloqueia o ingresso de novos PEFs dispostos a modernizar o sistema e fortalecer a profissão.

E mais: a sentença revelou que CREFs regionais, a exemplo do CREF4/SP, chegaram a adotar práticas ainda mais restritivas do que as impostas pelo próprio Conselho Federal. Apesar desse cenário, é fundamental destacar que o professor Nelson Leme da Silva Júnior foi um dos poucos dirigentes que não se calou diante dessas distorções. Em diversas plenárias — tanto do CREF4/SP quanto do próprio CONFEF —, ele denunciou os vícios, irregularidades e manobras que contaminavam a gestão como um todo e comprometiam o processo eleitoral.

Rialdo Tavares, presidente do CREF4/SP © Global Sports

Foi Nelson Leme quem liderou o único grupo de oposição que enfrentou frontalmente os autoproclamados donos da profissão, conduzindo um levante que, em determinado momento, reuniu corajosos líderes de 12 estados igualmente ansiosos por mudanças. Paradoxalmente, foram justamente seus próprios pares — os mesmos que hoje comandam o CREF4/SP — que, em conluio com Cláudio Augusto Boschi (CREF 000003-G/MG), presidente do CONFEF, e Jorge Steinhilber (CREF 000002-G/RJ), conselheiro honorífico, o afastaram sumariamente do grupo que atualmente dirige o conselho paulista.

Além de traírem o movimento que visava a restaurar e moralizar a educação física no Brasil, Rialdo Tavares CREF 011507-G/SP, presidente do CREF4/SP; Ailton Mendes da Silva CREF 002627-G/S, 1º vice-presidente e presidente da ACAD Brasil, e Humberto Aparecido Panzetti CREF 025446-G/SP 2º vice-presidente, hoje apoiam a política nefasta que paulatinamente empurra o sistema para o abismo.

Essas manifestações, devidamente registradas em atas oficiais, expuseram os problemas estruturais do Sistema. Ainda assim, o professor Leme acabou silenciado, isolado e politicamente afastado dos espaços decisórios por justamente ter enfrentado práticas que beneficiavam grupos já consolidados no poder.

Afronta direta à Lei 9.696/1998

A legislação federal prevê, de forma clara, que qualquer profissional de Educação Física regularmente inscrito possui capacidade eleitoral para votar e ser votado. O §1º do artigo 5º-C estabelece: “Os conselheiros serão escolhidos em eleição direta, por meio de voto pessoal, secreto e obrigatório dos profissionais inscritos nos CREFs.”

Apesar disso, o CONFEF editou normas infralegais impondo barreiras inexistentes na lei, como tempo mínimo de filiação e experiência prévia em cargos de conselheiro, violando o princípio da legalidade. Como afirmou o juiz federal Renato Barth Pires. “Por meio de norma infralegal, foram criadas restrições não impostas pela própria lei, o que representa claro desvio de finalidade e afronta à moralidade administrativa.”

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Trata-se, portanto, de inovação jurídica inconstitucional gravíssima, pois conselhos profissionais não detêm poder de legislar.

Esse entendimento impacta diretamente todos os CREFs, cujos regulamentos internos e práticas eleitorais têm reproduzido as mesmas distorções, muitas vezes ampliadas. Em diversos regionais, as exigências de elegibilidade e as restrições de participação serviram como ferramentas para consolidar grupos hegemônicos, esvaziando o pluralismo democrático dentro do Sistema.

Violação ao Código de Ética: atuação em causa própria

A crítica à falta de probidade também foi reforçada por elementos trazidos aos autos. A Resolução CONFEF 508/2023, que estabelece o Código de Ética profissional, dispõe no Art. 7º, incisos I e II:

I – “Exercer com zelo e probidade as atribuições do cargo de dirigente de entidades de classe”;
II – “Jamais se utilizar de posição ocupada na direção de entidade de classe em benefício próprio, direto ou indireto”.

Contudo, a sentença revela que os dispositivos da resolução eleitoral beneficiam grupo restrito, em afronta aos princípios democrático, republicano e da moralidade administrativa”. Ou seja, a própria conduta de conselheiros federais e regionais viola o Código de Ética que deveriam defender e cumprir.

Esse cenário se repete, de forma ainda mais preocupante, no novo ciclo de gestão (2025/2028). Em muitos CREFs, decisões têm sido tomadas sem qualquer observância ao princípio da impessoalidade, com conselheiros que são proprietários de academias, empresas de consultoria, prestadores de serviços e outros empreendimentos estabelecendo parcerias comerciais entre suas próprias empresas e os conselhos nos quais exercem mandato. Trata-se de comportamento que afronta diretamente o Código de Ética Profissional, especialmente o Art. 7º, inciso II, da Resolução CONFEF nº 508/2023, que determina: jamais se utilizar de posição ocupada na direção de entidade de classe em benefício próprio, direto ou indireto.”

Ailton Mendes da Silva, 1º vice-presidente do CREF4/SP e presidente da ACAD Brasil © Instagram

Essas práticas, que violam a moralidade administrativa, o princípio da impessoalidade e o próprio decoro exigido de agentes de fiscalização profissional, mancham a credibilidade do sistema, favorecem interesses particulares, e revelam que parte da estrutura dirigente não possui a reputação ilibada indispensável ao exercício de função pública delegada. 

A quebra do princípio republicano

O magistrado enfatiza que exigir que apenas quem já ocupou cargos no passado possa voltar a ocupá-los viola a essência da República: “Limitar o acesso a quem já ocupou as mesmas funções anteriormente constitui um virtual impedimento a que novos postulantes possam participar efetivamente das deliberações.” E conclui. “Trata-se de providência incompatível com o princípio republicano (artigo 1º da Constituição Federal), que pressupõe alternância no exercício das funções públicas”.

Em outras palavras: o sistema vem se tornando fechado, autoprotetor e avesso à renovação, prática típica de estruturas oligárquicas, e não de órgãos públicos com função social.

O impacto dessa constatação é profundo: atinge diretamente o modelo de funcionamento dos CREFs, evidencia que as eleições têm sido estruturadas para evitar renovação e mostra que o Sistema, como um todo, mantém práticas que colocam em xeque a legitimidade das lideranças e a confiança dos profissionais representados.

Hierarquia jurídica: resolução não pode contrariar a Lei

Como ressaltado no texto da sentença, o ordenamento jurídico brasileiro é fundado na hierarquia normativa – a ordem de importância entre as normas dentro de um sistema jurídico. Ou seja: qual norma vale mais quando há conflito.

O decreto regulamentar tem a função de prover a fiel execução das leis […] o que impede que possa criar deveres, obrigações ou restrições não previstas previamente na lei. E complementa, “Não é dado ao decreto regulamentar inovar originariamente a ordem jurídica […] eventual extrapolação desses limites poderá ser coartada pela via judicial”.

Humberto Aparecido Panzetti, 2º vice-presidente do CREF4/SP © Global Sports

O juiz, então, conclui que a Resolução CONFEF 513/2023 exorbitou do poder regulamentar, criando cláusulas que têm clara finalidade de perpetuação de grupos específicos no comando da instituição.

Isso significa, em termos práticos, que todas as resoluções e normativas regionais espelhadas na Resolução 513/2023, e que produziram efeitos nos CREFs, também se encontram comprometidas, pois reproduzem as mesmas ilegalidades denunciadas na ação popular.

Sistema que se fecha sobre si mesmo

Com base na sentença, fica evidente que o sistema CONFEF/CREF criou filtros ilegais para impedir o acesso de novos profissionais a cargos decisórios, operou em benefício de grupos que se mantêm há décadas no poder, desrespeitou o Código de Ética ao permitir que dirigentes atuassem em causa própria, contrariou a Lei 9.696/1998, que prevê eleições amplas, limpas e democráticas; e feriu o princípio republicano e a moralidade administrativa.

Esses elementos configuram um ambiente institucional que perdeu a capacidade de se renovar. Em vez de promover a representatividade da categoria, o sistema tem se voltado para a autopreservação dos dirigentes que se perpetuam no poder.

Necessidade urgente de renovação profunda do sistema

A sentença judicial é categórica ao afirmar que o CONFEF deve convocar novas eleições, em um prazo não superior a 180 dias, “sem a aplicação das regras restritivas de elegibilidade” e sem os critérios ilegais de cálculo de votos. Trata-se de medida necessária para restaurar a legalidade e reconstruir a confiança dos profissionais na instituição que deveria defendê-los.

O momento exige renovação profunda do sistema, desde dirigentes, concepção institucional e mentalidades, com ruptura dos vícios enraizados e superação da lógica de perpetuação de poder. Só assim será possível restabelecer a democracia interna, a transparência, a moralidade administrativa e a valorização genuína da profissão.

A Educação Física brasileira merece instituições éticas, republicanas e abertas ao futuro, não estruturas envelhecidas que se fecham sobre si mesmas. A decisão judicial não é apenas uma condenação específica: é um marco que expõe a urgência de reconstrução moral e institucional do sistema CONFEF/CREFs e revela práticas que mancham o sistema, expondo atores que claramente não possuem a reputação ilibada exigida pela função pública que exercem.

Um esquema que se reproduz há décadas agora é desmascarado pela Justiça

A sentença confirma aquilo que o jornalismo investigativo já tinha escancarado: o CONFEF foi capturado por uma estrutura de dirigentes que age de maneira coordenada para se perpetuar no comando da instituição, impedindo a renovação e controlando os rumos da Educação Física no Brasil segundo seus próprios interesses.

Os fatos publicados pela Revista ProAtiva — todos baseados em documentos oficiais — demonstram que essa estrutura atua com desvio ético e moral, suprime totalmente a alternância de poder, cria mecanismos de blindagem interna, e opera o Sistema com a lógica de um “feudo institucional”, como revelado nas reportagens abaixo.

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Justiça e Ministério Público Federal

Essas e outras reportagens documentaram minuciosamente irregularidades financeiras, movimentações ilícitas, contratos obscuros, favorecimentos internos, ausência de transparência e práticas que, somadas, revelam um modo de operar típico de estruturas oligárquicas — e não de órgãos públicos.

Ao longo dos últimos anos, nossas reportagens têm cumprido um papel essencial: expor, com rigor factual e independência editorial, práticas que a Justiça agora reconhece como incompatíveis com a legalidade e com a ética pública.

O avanço dessa decisão judicial demonstra que o esforço contínuo de iluminar zonas historicamente opacas começa a produzir efeitos concretos, abrindo espaço para a urgente moralização de um dos segmentos de serviços que mais crescem na atualidade. Em um mercado cada vez mais relevante para a saúde, o esporte, a sociedade e a economia, é imperativo que os profissionais encontrem um sistema regulatório íntegro, democrático e fiel ao interesse público — e não submetido às distorções de grupos que se julgam proprietários de uma autarquia federal, enquanto se cobra que o Ministério Público Federal cumpra, com a mesma firmeza, seu papel constitucional de fiscalização e investigação desse cenário.

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