12 de dezembro de 2025
Elton Fiebig encara o georgiano Davitashvili Alexsi na semifinal em Paris, em um duelo de alta intensidade que levou o combate ao Golden Score © Kulumbegashvili Tamara / FIJ
Ao tomarmos conhecimento da aposentadoria do professor Elton Quadros Fiebig, compreendemos que não estávamos diante de um simples anúncio. Era o fechamento simbólico de um ciclo vivido por alguém que nunca se limitou a ser apenas judoca, mas que escolheu encarnar — em corpo, conduta e legado — a própria cultura do judô. Uma cultura que nasceu do outro lado do planeta, atravessou oceanos e encontrou, em histórias como a dele, solo fértil para florescer.
Mais do que competir, Elton viveu o judô como modo de existir: respeitou seus rituais, cultivou sua filosofia, honrou seus mestres e transformou o conhecimento recebido em um patrimônio partilhado. Sua jornada não é apenas atlética; é civilizatória. É a trajetória rara de quem entendeu que o tatami é território de luta, mas também de formação humana — e que o shiai-jô é, antes de tudo, espaço de transmissão.

Elton Fiebig celebra a conquista da medalha de bronze em Paris, tendo a Torre Eiffel como testemunha de mais um capítulo de sua trajetória no judô © Kulumbegashvili Tamara / FIJ
Por isso decidimos homenageá-lo não como figura isolada, mas como guardião contemporâneo de um saber que atravessa gerações. Celebramos um homem que vive e fomenta a cultura do judô, mantendo acesa a chama que veio de tão longe e que continua iluminando caminhos aqui, entre nós.
O professor e atleta veterano de Poços de Caldas (MG), Elton Quadro Fiebig, retornou da França com a honrosa medalha de bronze no peso pesado do M5 do Campeonato Mundial de Veteranos de Judô, realizado em Paris entre 3 e 7 de novembro. Entre 2.316 atletas de 64 países, seu resultado consolidou um capítulo especial na trajetória de quem há décadas transforma o judô em ferramenta de excelência e cidadania.

Lendas do judô, Yasuhiro Yamashita e Hitoshi Saito protagonizaram uma das maiores rivalidades do peso pesado e influenciaram gerações pelo exemplo dado nos tatamis © Arquivo
Pentacampeão mundial veterano, Elton nasceu em Santa Maria (RS), em 18 de março de 1972, e iniciou no judô em São Paulo com o professor Eduardo Murta. Depois, transferiu-se para a tradicional Associação de Judô Vila Sônia, à qual retornaria em 2020, movido pela gratidão ao saudoso professor kodansha juu-dan (10º dan) Massao Shinohara — ícone absoluto do judô brasileiro.
Ali, também aprofundou seus conhecimentos sob a tutela do mestre Luiz Juniti Shinohara, sensei kodansha hachi-dan (8º dan) e técnico da Seleção Brasileira entre 2001 e 2021. No dojô, Elton cresceu respirando excelência ao lado de figuras que ajudaram a escrever a história do judô brasileiro: Aurélio Miguel, campeão olímpico em Seul 1988 e bronze em Atlanta 1996; Carlos Eduardo Honorato, vice-campeão olímpico em Sydney 2000; e Luiz Yoshio Onmura, medalhista de bronze em Los Angeles 1984. Esses convívios moldaram sua visão de alto rendimento, solidificaram sua base técnica e forjaram a mentalidade vencedora que o acompanha desde os primeiros passos no Caminho Suave.

Elton Fiebig em ação no shiai-jô, vivendo intensamente a cultura do judô em sua formação no berço da modalidade © Arquivo
Desde 2009, já radicado no sul de Minas Gerais, conduz em Poços de Caldas o Projeto Judô Móvel, iniciativa que alia formação esportiva, desenvolvimento humano e transformação social — marca registrada de sua trajetória.
“Minha primeira conquista internacional foi em 1988, com apenas 16 anos. Na classe veteranos, mantenho até hoje os mesmos princípios e sigo deixando meu legado às novas gerações”, afirma.
O currículo impressiona: bronze no Mundial Júnior de Buenos Aires 1992, participações nas Seleções Militares, Universitárias e Adultas, além de 5 ouros, 4 pratas e 4 bronzes em Campeonatos Mundiais de Veteranos, somados ao título mundial de jiu-jitsu com e sem judogi.
Em 1990, Elton imigrou para o Japão para estudar na Universidade Kokushikan, em Setagaya, Tóquio, onde treinou sob a orientação do único judoca bicampeão olímpico da época: Hitoshi Saito, o maior adversário de Yasuhiro Yamashita. Permaneceu no país até o fim de 1994. Além de aprofundar seus estudos e refinar seus conceitos técnicos, Fiebig destaca que seu principal objetivo era vivenciar a cultura do judô em sua fonte original e treinar com uma das maiores referências da história da modalidade.
“Além de ter sido um grande campeão, Hitoshi Saito foi uma referência na arte de se reerguer. Após conquistar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Los Angeles (1984), ao lado de Yasuhiro Yamashita, no pesado e no absoluto, ainda lhe faltava o título japonês. Ele mesmo dizia: ‘Conquistei o Monte Evereste, mas ainda falta o Monte Fuji’. Em 1985, com a aposentadoria de Yamashita, tornou-se o nome mais forte da categoria. No Campeonato Mundial de Seul, naquela mesma temporada, enfrentou o atleta sul-coreano na final e sofreu um waki-gatame (kansetsu-waza) que quebrou seu braço.

Com excelente domínio das técnicas de ashi-waza, o georgiano Aleksi Davitashvili superou Elton Fiebig na semifinal do Mundial de Veteranos em Paris © Kulumbegashvili Tamara / FIJ
Passou por cirurgias, um longo processo de reabilitação e só voltou aos tatamis mais de dois anos depois. Em 1988, às vésperas dos Jogos Olímpicos de Seul, conquistou aquilo que considerava seu maior sonho: o título absoluto do Japão. Com isso, assegurou a vaga olímpica e, na sequência, conquistou sua segunda medalha de ouro olímpica.”
Elton resume em palavras aquilo que viveu diariamente ao lado do ídolo. “Quando você convive com um atleta dessa magnitude, que literalmente se ergue das cinzas, sua vida muda. Muda sua visão de judô, de esforço e de determinação. Ele foi uma das pessoas que mais me impactou e, por isso, carrego no corpo uma tatuagem em sua homenagem.”

Elton em registro da década de 1990, durante o período em que viveu e treinou no Japão © Arquivo
Em Paris, Elton reencontrou o ambiente que o consagrou. Abriu sua campanha vencendo o belga Van De Perre Benoit por ippon, e repetiu o feito contra o francês Reinhard Damien.
Na semifinal, duelou com o atual campeão mundial, o georgiano Aleksi Davidshivilli, num combate intenso que chegou ao golden score. A vitória ficou com o europeu, mas Elton transformou a frustração em força.

Elton exibe a tatuagem em homenagem a Hitoshi Saito, seu sensei e maior referência nos tatamis © Arquivo
Na disputa pelo bronze, aplicou seu judô de experiência e firmeza para superar o polonês Szmatloch Jacek, novamente por ippon, retornando ao pódio mundial com brilho e autoridade técnica.
Com o bronze em Paris, Elton anunciou oficialmente sua aposentadoria como atleta — encerrando 45 anos de dedicação integral aos tatamis. Uma despedida digna de quem sempre colocou o judô a serviço da sociedade.
“Meu principal objetivo sempre foi mostrar que é possível formar campeões para o esporte e para a vida. Hoje vemos atletas que passaram pelos nossos projetos atuando em grandes clubes, professores formados por nós dando continuidade ao trabalho. Isso prova que, com o apoio do poder público, da iniciativa privada e das escolas, o esporte fortalece a sociedade como um todo”, destacou.

Pódio do M5 +100kg: ouro para Davitashvili Alexsi (GEO), prata para Michael Sacerdócio (EUA) e bronzes para Grigory Garyants (ARM) e Elton Fiebig (BRA) © Kulumbegashvili Tamara / FIJ
O professor kodansha roku-dan (6º dan) relembrou ainda o apoio determinante da Secretaria de Esportes e da Prefeitura de Poços de Caldas, que, com o patrocínio direto aprovado pelo prefeito Paulo Ney, viabilizaram sua ida ao Mundial Veterano 2025.
Aos 53 anos, ele agora mira o futuro. “Mudo o foco para continuar formando novas gerações e desfrutar um pouco mais de qualidade de vida, depois de 45 anos de judô de alto rendimento”, afirmou.
Sensei Elton Quadros Fiebig não fecha um ciclo — ele abre outro. Maior, mais profundo e absolutamente essencial. Agora começa o tempo da transmissão: o momento em que tudo aquilo que recebeu de seus senseis — a firmeza do kumi-kata, o sentido de cada ippon, a pedagogia de cada queda e a nobreza de cada reerguer — passa a ser devolvido às novas gerações.
Para ele, vitórias e derrotas nunca foram destinos, mas ferramentas. Cada combate ensinou. Cada técnica burilou. Cada obstáculo fortaleceu. O shiai-jô pode até ter sido deixado para trás, mas o tatami da vida, da formação e da responsabilidade com o outro — este se amplia.
Ao se despedir das competições, Elton não diminui sua presença no judô: ele a eleva. Transforma-se em guardião da tradição, depositário de valores e professor que entende que o verdadeiro auge de um judoca não está no pódio, mas no legado que entrega a quem chega depois.
E assim, quando muitos enxergariam um fim, Elton inaugura a fase mais luminosa de sua trajetória: o renascimento do sensei, cuja missão agora ultrapassa medalhas e alcança pessoas, histórias e futuros.
Sensei Elton Quadros Fiebig não encerra um ciclo. Ele inaugura outro. Maior, mais profundo e ainda mais importante.
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