Hitoshi Saito, o primeiro bicampeão olímpico de judô na categoria peso-pesado da história

Hitoshi Saito em ação, impondo sua força física e controle de kumi-kata © Arquivo

Entre rivalidades épicas e a pressão de carregar a honra do judô japonês, Hitoshi Saito transformou finais olímpicas em capítulos definitivos da história do esporte, tornando-se o primeiro peso-pesado a reinar duas vezes no topo do mundo e um símbolo eterno de grandeza nos tatamis.

Por COI
Curitiba, 22 de dezembro de 2025

Em 1º de outubro de 1988, em Seul, Hitoshi Saito alcançou um feito inédito: defendeu com sucesso o título conquistado quatro anos antes em Los Angeles, tornando-se o primeiro judoca japonês a alcançar essa dobradinha nos Jogos Olímpicos e o primeiro na categoria peso-pesado. Essa conquista garantiu seu lugar na história do esporte, antes de ele se tornar treinador dos bem-sucedidos judocas japoneses em Atenas, em 2004, e em Pequim, em 2008.

Referência de consistência e maturidade competitiva, Hitoshi Saito aliava potência, equilíbrio emocional e rigor técnico para transformar pressão extrema em resultados históricos © Arquivo

O peso das expectativas de uma nação repousava sobre seus largos ombros. Em 1º de outubro de 1988, nos tatamis do Ginásio Jangchung, Hitoshi Saito representava a última chance para o judô japonês conquistar um título nos Jogos Olímpicos de Seul. O judô feminino ainda era uma modalidade de demonstração (finalmente entrou para o programa oficial em Barcelona, ​​em 1992), então a vitória de Hiraki Sasaki na categoria até 66kg foi puramente simbólica. Entre os homens, Shinji Hosokawa na categoria até 60kg, Yosuke Yamamoto na até 65kg e Akinobu Osaka na até 86kg tiveram que se contentar com medalhas de bronze, já que nenhum judoca japonês havia chegado à final. Entre os pesos-pesados, Saito, o campeão olímpico em título, precisava salvar a honra do país; mas não só isso. Desde a introdução do esporte em Tóquio, em 1964, ninguém havia conquistado duas medalhas de ouro nessa categoria.

Pódio da categoria peso-pesado nos Jogos Olímpicos de Seul 1988: Hitoshi Saito (JAP) conquista o ouro, Henry Stoehr (ALE) fica com a prata, e Grigory Veritchev (RUS) e Yong-Chul Cho (KOR) dividem o bronze, em 1º de outubro de 1988 © Arquivo

Saito não havia vencido nenhuma competição importante desde sua vitória nos Jogos de Los Angeles. Em 1985, no Campeonato Mundial em Seul, ele foi derrotado na final pelo sul-coreano Cho Yong-chul com uma chave de braço em pé que deslocou seu ombro. Ele então lesionou o joelho direito, mas se recuperou a tempo de vencer o Campeonato Japonês em 1988, o que lhe garantiu a vaga nos Jogos de Seul.

“Agora posso voltar ao Japão!”

Na capital sul-coreana, essa rocha de 1,78 m de altura e 140 kg avançou pelas rodadas sem problemas, antes de enfrentar Cho na semifinal. Ele venceu no hantei após uma disputa acirrada e seguiu para enfrentar o alemão Henry Stöhr na final. Essa última luta de judô nos Jogos de Seul foi decidida pelo número de “shidôs” e Stöhr recebeu três, Saito duas. Assim, ele se tornou o primeiro bicampeão japonês de judô, o primeiro bicampeão mundial na categoria peso-pesado nos Jogos e o segundo bicampeão consecutivo de judô, depois do austríaco Peter Seisenbacher, que havia conquistado o mesmo bicampeonato na categoria peso-médio (-86kg) dois dias antes, entre 1984 e 1988.

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“Foi fantástico. Havia tanta tensão! A atmosfera era indescritível. Eu estava muito nervoso”, disse Saito depois. Ele estava em lágrimas enquanto subia ao degrau mais alto do pódio, dizendo: “Agora posso voltar para o Japão”. Ele então se aposentou das competições e tornou-se treinador, atuando como técnico da seleção nacional nos Jogos de Atenas em 2004 (10 medalhas, oito delas de ouro) e em Pequim 2008 (sete medalhas, incluindo quatro títulos). Dois judocas repetiram o sucesso de Saito nos Jogos, com dois títulos consecutivos na categoria peso-pesado: os franceses David Douillet em 1996 e 2000, e Teddy Riner em 2012 e 2016.

Gigantes frente a frente

A carreira de Saito foi marcada pela grande rivalidade com seu compatriota, Yasuhiro Yamashita, quatro anos mais velho, numa batalha pela supremacia nacional e global. Yamashita foi campeão mundial na categoria acima de 95kg em 1979, 1981 e 1983. Em Maastricht, em 1981, também conquistou o título mundial na categoria absoluto. Permaneceu invicto de 1977 até encerrar sua carreira em 1985, após vencer 203 lutas consecutivas. Ele também é o único japonês a ter derrotado Saito em competições, notavelmente em três ocasiões no Campeonato Japonês. Mas Saito também foi seu adversário mais difícil em seus muitos confrontos. O único título mundial de Saito foi na categoria absoluto, em Moscou, em 1983.

Com postura imperturbável e leitura precisa de combate, Hitoshi Saito construiu vitórias baseadas no domínio psicológico e na excelência defensiva típica dos grandes pesos-pesados © 1984 COI / Kishimoto

Em 1984, Yamashita foi selecionado para a categoria absoluto nos Jogos de Los Angeles, enquanto Saito foi escolhido para a categoria acima de 95kg. Aos 23 anos, diante dos espectadores na Arena Eagle’s Nest da Universidade Estadual da Califórnia, em Los Angeles, ele venceu seus três combates antes da final com um ippon em menos de 90 segundos cada, antes de enfrentar o então campeão olímpico, o francês Angelo Parisi, na disputa pela medalha de ouro. A luta foi decidida por um único shido (penalidade), que Parisi recebeu após sete minutos de combate, depois de tentar, sem sucesso, um ataque. “Eu o surpreendi, mas perdi minha chance. Depois disso, ele ficou cauteloso e eu não consegui movê-lo. Ele é muito pesado!”, explicou o francês após a derrota. E assim, Saito foi coroado campeão olímpico pela primeira vez. “Eu escalei o Monte Everest, mas nunca cheguei ao Monte Fuji”, disse ele, referindo-se ao seu grande rival japonês.

Em 1991, já atuando como técnico do Japão, Hitoshi Saito cumprimenta Ton Pacheco pelo uchi-mata perfeito aplicado no atleta da casa, resultado que garantiu o bronze na categoria absoluto em Colorado Springs, Estados Unidos, com o pódio dividido com outro brasileiro, Zé Mário Tranquilini, medalhista de ouro © Arquivo

Por sua vez, Yamashita conquistou o ouro na categoria absoluto, garantindo um ótimo resultado para o Japão nos Jogos de 1984, após os títulos conquistados por Shinji Hosokawa na categoria até 60kg e Yoshiyuki Matsuoka na categoria até 65kg. Seus destinos permaneceram entrelaçados, especialmente no judô japonês, já que Yamashita foi o técnico principal nos Jogos de Sydney em 2000, antes de ser sucedido por Saito, que faleceu aos 54 anos em 20 de janeiro de 2015, após uma longa doença, tendo dedicado toda sua vida ao judô. “Ele foi meu rival de toda a vida. É muito triste saber disso”, foi a reação de Yamashita.

Em setembro de 2018, Saio foi introduzido postumamente no Hall da Fama da Federação Internacional de Judô (FIJ) em uma cerimônia que contou com a presença do presidente da Federação Japonesa de Judô, Yasuhiro Yamashita, que disse: “Meu coração está transbordando de alegria por saber que suas conquistas foram reconhecidas. Vamos demonstrar juntos o quanto apreciamos este momento.” Em agosto de 2019, Yamashita tornou-se presidente do Comitê Olímpico Japonês, às vésperas dos Jogos de Tóquio 2020, onde a memória de seu maior rival e amigo esteve mais do que presente.

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