22 de dezembro de 2024
Eleito presidente da ITKF, Gaertner quer reunificar o karatê-dô tradicional em nível global
Novo dirigente pretende rever as áreas administrativa e financeira e criar departamentos de marketing e comunicação visando à divulgação mais ostensiva e à captação de aportes financeiros.
Gestão Esportiva
07/12/2017
Por PAULO PINTO | Fotos BUDOPRESS
Curitiba – PR
Faixa preta 8º dan pela International Traditional Karate Federation (ITKF), Gilberto Gaertner participou ativamente da edificação da modalidade no Estado do Paraná e no Brasil. Agora, dá um passo mais ambicioso ao iniciar sua trajetória como dirigente máximo da modalidade no mundo. Nascido em 11 de dezembro de 1956, em Curitiba (PR), Gaertner é psicólogo do esporte com doutorado em estudos da criança com enfoque em educação física, lazer e saúde. Professor universitário, foi medalhista olímpico integrando a seleção brasileira de vôlei masculina nos Jogos Rio 2016.
Aluno do Mestre Takuo Arai, treinou também com Taketo Okuda, Yasutaka Tanaka, Hiroyasu Inoki e Tasuke Watanabe. É diretor técnico da Academia Bodhidharma a 42 anos e foi professor e técnico de vários atletas de destaque como os campeões mundiais Giordana de Souza, Vinícius Pinto e Ricardo Buzzi.
Budô – De que forma ocorreu sua eleição à presidência da ITKF?
Gilberto Gaertner – No aspecto pessoal, creio que foi uma construção que começou em 1988, quando assumi a direção técnica da Federação Paranaense de Karatê-Dô Tradicional. Na sequência, fui eleito presidente da entidade e atuei por dois mandatos. Em 1996 tornei-me diretor técnico da Confederação Brasileira de Karatê-Dô Tradicional (CBKT), cargo que ocupei durante 14 anos, até ser eleito presidente e também exercer dois mandatos.
Budô – Você ocupou cargos da ITKF?
GG – Sim, comecei como diretor em 2010, e depois passei a integrar o comitê diretor. Um aspecto que pesou nesta escolha foi a participação expressiva que o Brasil teve desde a criação da ITKF em todos os eventos da organização. A CBKT sempre foi parceira e apoiou a entidade. Os grandes torneios realizados no Brasil, como o mundial de 2010 e pan-americanos, além de cursos internacionais, reforçaram a credibilidade da CBKT na área de gestão. Outro ponto importante neste processo foi a reunião do comitê diretor da ITKF em julho, na qual houve a primeira indicação de meu nome. No Masters Course realizado no Brasil tive oportunidade de discutir longamente com os professores Eligio Contarelli e Richard Jorgensen a respeito do futuro da ITKF.
Budô – Havia desgaste na gestão atual?
GG – Este é um aspecto importante. Existia um desgaste natural, e acredito que isto aconteceu após as turbulências que afetaram a situação do karatê em nível mundial. O tempo impõe a necessidade de mudanças e nós temos de estar prontos e ter coragem para realizá-las. Por este conjunto de fatores creio que acabei sendo, neste momento, a bola da vez.
Budô – Como será o processo de transição?
GG – Espero que o processo seja tranquilo e equilibrado. Não podemos virar a instituição de ponta cabeça e reinventar a roda. O professor Jorgensen permanece integrando o comitê diretor e a área técnica, o que garante uma continuidade natural e facilitará o processo. Cabe lembrar que o professor Jorgensen navegou em águas turbulentas nestes últimos anos com a falta do mestre Nishiyama, as divisões do grupo, a disputa pela marca e a questão dos Jogos Olímpicos, entre outros problemas. Parabenizo-o por seu trabalho, persistência e dedicação ao longo deste tempo, o que impôs sem dúvida alguma inúmeros sacrifícios pessoais e profissionais. O grande mérito de sua gestão foi a manutenção dos ideais e do legado deixado pelo sensei Nishiyama.
Budô – Quais são os principais desafios desta nova gestão?
GG – Entendo que o nosso grande desafio será a reunificação do karatê tradicional em nível global em torno da ITKF. Após a morte do mestre Nishiyama ocorreram eventos semelhantes aos verificados na JKA depois do falecimento do mestre Nakayama: divisões, divergências e dissidências. É um processo comum em organizações que perdem líderes fortes e carismáticos. Precisamos superar este momento, pois estas questões enfraquecem a nossa instituição. É importante lembrar que nas divisões e divergências ninguém ganha, todos saem perdendo. Nossa proposta é de diálogo e reconciliação. Precisamos pensar além do ego e dar oportunidade para o diálogo, mas com foco na instituição e no legado que vamos deixar para as futuras gerações. Cabe lembrar que o amplo e refinado conhecimento a respeito do karatê tradicional desenvolvido pelo mestre Nishiyama não ficou centralizado numa pessoa, foi semeado ao longo da sua vida e disseminado amplamente ao redor do mundo. Portanto, falsos profetas e pessoas que se autointitulam herdeiros do karatê tradicional estão totalmente descontextualizados.
Budô – Quais são as estratégias decisivas para a ITKF voltar a crescer?
GG – Num primeiro momento será necessário tomar conhecimento da situação atual da instituição em nível administrativo e financeiro, rever detalhadamente os estatutos e todas as normativas em vigor. A partir daí pretendemos implantar uma nova gestão, pautada num planejamento estratégico de curto e médio prazos. Vamos avaliar as áreas administrativa e financeira e ampliar o quadro de colaboradores. É necessário criar departamentos de marketing e comunicação visando uma divulgação global mais ostensiva pelas mídias digitais e à captação de aportes financeiros. Estabelecer parcerias estratégicas com outras instituições e trabalhar em colaboração estreita com as direções regionais estabelecidas nas Américas, Europa, África e Ásia são outras iniciativas em foco. Cabe ressaltar, que vamos somar esforços de imediato com a Confederação Pan-americana, que terá na gestão o Prof. Antonio Walger. Mas para que estas ideias prosperem serão essenciais a participação e o comprometimento efetivo de todos os países filiados.
Budô – O karatê tradicional tem várias modalidades de disputa, como equacionar tantas competições?
GG – As formas de competição desenvolvidas no tradicional são bastante numerosas, mas por outro lado, são um diferencial. Temos como meta revitalizar os certames regionais (pan-americano, europeu, africano e asiático), resgatar a Copa Nishiyama e reformatar o campeonato mundial. Outros pontos a serem discutidos são a simplificação das regras e a otimização da área operacional da arbitragem.
Budô – O que vislumbra para o futuro do karatê tradicional?
GG – Vislumbro o caminho da educação e da saúde como as grandes vocações do karatê tradicional. Basta lembrar que no início do século passado, na ilha de Okinawa, o mestre Funakoshi sistematizou e adaptou o To-De para ser ensinado nas escolas básicas da ilha. Nas ilhas principais do Japão o karatê foi introduzido e prosperou dentro das universidades. Já nas últimas décadas do século 20, mestre Nishiyama desenvolveu um trabalho semelhante, no sentido de resgatar os princípios básicos e a base ético-filosófica do karatê a partir de uma releitura científica e atualizada. Na atualidade temos diversas pesquisas que indicam que a atividade física, além dos benefícios que proporciona para a saúde geral, impacta de forma positiva o campo emocional e cognitivo. As práticas de karatê tradicional, além da defesa pessoal e dos benefícios físicos, quando bem orientadas, também podem ter efeitos significativos sobre a esfera cognitivo-emocional. O campo socioeducativo também é de vital importância e o karatê tradicional como ferramenta central de projetos nesta área produz resultados surpreendentes. Nas avaliações que fizemos em vários projetos socioeducativos no Brasil, que atenderam mais de 30 mil crianças, foi constatada melhora significativa de aspectos como concentração e atenção, disciplina, socialização e rendimento escolar, entre outros. Resumindo, os eixos possíveis para o karatê tradicional são: defesa pessoal, saúde, educação e desenvolvimento de valores humanos. Creio também que o karatê tradicional deve continuar seu processo evolutivo com o aporte das ciências do esporte e das neurociências.