18 de novembro de 2024
Sílvio Acácio descumpre decisão judicial e põe fim à trajetória de um excelente árbitro da nova geração
Com apoio do presidente da CBJ e o amparo do Minas Tênis Clube, Nédio Henrique Pereira perseguiu, constrangeu e acabou por afastar ex-diretor de arbitragem da FMJ dos tatamis, após os desmandos praticados pelos dirigentes
Gestão Esportiva
17 de novembro de 2018
Por PAULO PINTO I Fotos DIVULGAÇÃO
Belo Horizonte – MG
Nascido em 23 de agosto de 1979 em Belo Horizonte (MG), aos 10 anos Ivan Fagundes Batista começou na prática do judô e posteriormente se transferiu para a arbitragem, na qual rapidamente atingiu projeção até tornar-se diretor do departamento de arbitragem da Federação Mineira de Judô (FMJ).
Após quase oito anos à frente da arbitragem mineira, o especialista em linguística aplicada e professor de judô ni-dan foi afastado do cargo, e a partir daí desenrolaram-se fatos que culminaram em inúmeros desdobramentos, como o descumprimento de ordens judiciais por Sílvio Acácio Borges, presidente da Confederação Brasileira de Judô, e Nédio Henrique Pereira, presidente da FMJ. Na entrevista a seguir Ivan explica os acontecimentos.
Quando e por que ingressou no judô?
Ingressei no judô com 10 anos de idade. Meu pai foi nadador e karateca desde a juventude e minha família sempre me ofereceu oportunidades de vivenciar experiências edificantes. Todavia, foi com a conquista olímpica do Rogério Sampaio, em Barcelona, que tive a certeza de que havia descoberto o esporte da minha vida.
Quem ou quais foram seus senseis?
Iniciei no judô Elefante Branco com o professor Antônio Costa. Após uma saída traumática da academia, treinei por dois anos com o professor Mário Lúcio, já no Minas Tênis Clube. Passei também pela orientação habilidosa do professor Gleyson Alves e tive a satisfação e honra de ter sido treinado pelo sensei Floriano Almeida por 18 anos.
De que forma chegou à arbitragem?
Chegou um momento no qual eu tinha de dar mais ênfase a minha vida profissional e sentia a dificuldade de me manter na mesma categoria de peso. No entanto, definitivamente não conseguia me afastar do judô. Foi aí que o sensei Floriano me mostrou que podemos ser muito úteis em diversas funções inerentes à prática esportiva. Lembro-me, como se fosse hoje, dele me apresentando aos senseis Dante Kanayama e José Pereira numa das edições do Torneio Beneméritos. Sem dúvida, posso dizer que ele foi meu padrinho no início da minha carreira e impulsionou a descoberta de uma paixão.
O que é ser um judoca na acepção da palavra?
Ser judoca é nunca desistir de praticar o respeito às outras pessoas e ter a consciência de que a prática da verdade, da justiça e do bem comum deve ser uma constante em sua vida.
De que forma se tornou diretor de arbitragem da FMJ?
Ao longo de toda minha trajetória, respeitei a hierarquia e nunca precisei bajular ninguém para atingir o que almejava. Após alguns anos como membro da comissão de arbitragem do Estado de Minas Gerais, em 2015 fui convidado para assumir o cargo pelo ex-presidente Luiz Augusto Martins Teixeira. Ele passava por um momento delicado na arbitragem e decidi apoiá-lo, encarando o desafio. Nunca recebi nenhum favorecimento ilícito durante o tempo em que coordenei, e dei o meu melhor no sentido de unir e fortalecer o grupo.
Por que deixou de ser diretor de arbitragem da FMJ?
Pouco antes de o atual presidente assumir a FMJ, ele me procurou e informou que adotaria um novo modelo de gestão e criaria uma comissão de arbitragem. Até aí, tudo certo. Não vi problema algum. A proposta era criar cinco cargos equivalentes de coordenadoria da arbitragem, sob a justificativa de descentralizar e regionalizar o gerenciamento. Entretanto, o molde escolhido desagradou imensamente a maioria absoluta do grupo, pois não respeitava a hierarquia que sempre existiu. A proposta dele atendia prioritariamente a interesses políticos. Tentamos argumentar, respeitosamente, mas a nossa voz foi calada. O presidente se manteve inflexível e totalmente fechado ao debate. Ele tinha acabado de chegar e se achava no direito de estipular normas e desestruturar um departamento que desconhecia totalmente. Vale ressaltar que meu nome estava entre os indicados para compor a comissão, mas eu considerava aquela decisão injusta. Ele não nos escutou e sequer apresentou os critérios adotados. Diante dessa atitude lamentável, coloquei meu cargo à disposição e apoiei a maioria dos árbitros.
Soubemos que na época vocês redigiram um manifesto que teve grande impacto e foi citado até nos jornais locais. Qual era o conteúdo do documento?
Diante da negativa constante ao diálogo, o grupo redigiu um manifesto que solicitava um remodelamento da proposta imposta pelo presidente. Esse manifesto foi enviado aos filiados e chegou ao conhecimento de muitas pessoas também por meio de mídias locais. O texto, em nenhum trecho, apresentava um tom agressivo ou insolente. Ao contrário, buscávamos um consenso pacífico e uma decisão que atendesse a maioria do grupo. Infelizmente, a postura autoritária do presidente Nédio Henrique foi ainda mais recrudescida e ele iniciou um processo de retaliações.
Por que você parou de atuar nos certames realizados pela CBJ?
Após o envio do manifesto, o Nédio Henrique canalizou sua “ira” contra a minha pessoa como se eu fosse o único insatisfeito. Ele buscava denegrir minha imagem perante os membros do Minas Tênis Clube, da FMJ, e me acusava de ser o “líder do bando”. Todos sabem que o manifesto foi escrito em comum acordo por todos os árbitros que colocaram seus nomes no documento. Como ele almejava encontrar um bode expiatório, a partir dessa data, criou mecanismos para me manter fora das convocações.
CBJ faz convocação para atualização da classificação de árbitros FIJ B
Em 19 de julho de 2018 a Confederação Brasileira de Judô publicou a circular número 06/18, que era um resumo do comunicado da Confederação Pan-Americana de Judô emitido no dia 7 de julho, detalhando o último realinhamento de árbitros FIJ C para FIJ B, que se realizaria em Buenos Aires, durante os campeonatos pan-americano e sul-americano da classe veteranos de 2018.
A partir do convite feito pela CBJ a vida de Ivan Fagundes se complicou e seus sonhos foram frustrados em face da armação ardilosa protagonizada por Nédio Henrique Pereira, Sílvio Acácio Borges e Carlos Henrique Martins Teixeira, vice-presidente do Minas Tênis Clube.
Seu drama ganhou corpo a partir do edital publicado pela CBJ?
Lamentavelmente, sim. Quero salientar que hoje se fala muito, e se trata até como tema de pesquisas acadêmicas, a disseminação das fake news. Recebemos diariamente dezenas de informações e o nosso sentimento oscila entre a credulidade e a desconfiança. Todavia, o que me disponho a dizer aqui está embasado em provas documentais e testemunhais muito robustas. Elas demonstram, com clareza, a forma maldosa e intencional de perseguir e prejudicar a bel-prazer.
Você fez a sua inscrição no evento da CPJ pelo Zempo, e a sua inscrição foi imediatamente aprovada?
Sim. Efetuei a minha inscrição pela plataforma Zempo da CBJ respeitando todos os prazos e pré-requisitos do edital.
Naquele momento você preenchia todos os requisitos para receber a sua promoção?
Com certeza. Caso contrário o próprio sistema vetaria a minha solicitação.
Como soube que estava apto a participar do exame realizado pela CPJ?
Após analisar com muita cautela o edital, informar o Minas Tênis Clube sobre meu desejo e conversar com outros árbitros postulantes à homologação, constatei que reunia todos os requisitos necessários. Cabe frisar que o sistema Zempo barra automaticamente os processos de inscrição para eventos quando o candidato apresenta alguma pendência ou não atende aos critérios estabelecidos. Tanto é que no dia 27 julho, prazo máximo para as inscrições, o meu nome constava no sistema de forma semelhante à dos demais 23 árbitros inscritos.
Quando você comprou os bilhetes aéreos para ir à Argentina?
Procedi a compra dos bilhetes tão logo o sistema aceitou a minha inscrição.
“A CBJ desrespeitou as regras do edital que ela mesma havia estabelecido, apenas para atender a um capricho do presidente Nédio Henrique.”
Como soube que estava proibido de ir a Buenos Aires para receber a sua homologação?
Na segunda-feira seguinte ao encerramento das inscrições, foi expedido um ofício pela FMJ no qual constava o impedimento a minha participação.
Quem assinou o documento que cancelava sua inscrição?
O documento é assinado pela Comissão de Arbitragem do Estado de Minas Gerais, que é composta por Nélson Matsunaga, Rodrigo Silva e Eduardo Gonçalves. Estas pessoas foram indicadas pelo presidente num intuito potencialmente político. Não são reconhecidos pelo grupo como merecedores do cargo e, em retaliação odiosa, alegaram razões falsas para impedir a minha promoção. Sustentaram que eu não havia atuado nas competições mineiras durante 2017 e 2018, sendo que as comprovações das minhas atuações foram retiradas de relatórios oficiais da própria FMJ.
Ou seja, eles mentiram acintosamente?
Lamentavelmente sim. Mas felizmente possuo documentação que comprova o contrário.
Como você reagiu?
A minha reação foi de muita indignação por duas razões: a primeira porque, como já expliquei, a inscrição e habilitação no processo de homologação da Confederação Pan-Americana de Judô via CBJ não guardavam nenhuma relação com as federações estaduais, conforme o edital oficial. Em segundo lugar, porque, ainda que houvesse a prerrogativa das federações de intervir no processo, as alegações apresentadas pela FMJ para me prejudicar eram totalmente falsas.
Outros árbitros mineiros viajaram para Buenos Aires?
Sim. Os professores Eduardo Nascimento e José Nonato da Cunha também preenchiam os requisitos necessários semelhantemente aos meus. No entanto, com eles nada aconteceu. Cabe pontuar algo muito importante: os referidos professores atuaram muito menos do que eu ao longo dos anos de 2017 e 2018.
Mediante o autoritarismo do Nédio Henrique, como a CBJ justificou a recusa de sua inscrição?
Tentei entrar em contato com a CBJ por diversas vezes, a fim de demonstrar a impropriedade tanto da intervenção da FMJ quanto da consequente anuência da entidade nacional. Mas foi em vão. Em todas as comunicações mantive sempre o decoro e o respeito que pautam minha conduta como homem e como judoca, entretanto minhas solicitações e esclarecimentos foram ignorados por Matheus Theotônio, numa declarada demonstração de deselegância, desrespeito e antiprofissionalismo. A CBJ desrespeitou as regras do edital que ela mesma havia estabelecido, apenas para atender a um “capricho” do presidente Nédio Henrique.
Quanto ao presidente da CBJ, como avalia sua atitude com um colega da arbitragem?
É lamentável constatar que o presidente Sílvio Acácio, um colega de arbitragem e membro FIJ A, tenha optado pela conveniência política e não à observância do que era devido, justo e correto.
Mas você tentou fazer contato com o presidente da CBJ?
Não. Não queria ferir a hierarquia e passar por cima do funcionário Matheus Theotônio, que era o responsável pelo processo.
Você está afirmando que o Sílvio Acácio mudou as regras do jogo durante a partida, para atender aos caprichos do Nédio Henrique Pereira?
Sim. Infelizmente certas pessoas dizem que são judocas, porém algumas jamais compreenderam o que é ser verdadeiramente judoca.
Mas se você já estava banido da arbitragem oficial, por que decidiu ir a Buenos Aires receber a promoção a árbitro FIJ B?
Assim como se espera que o árbitro não permita que injustiças aconteçam durante um combate, eu não podia me furtar a tentar fazer prevalecer a justiça. Seria incoerente com a minha própria conduta de árbitro e de judoca me resignar e não lutar pelos meus direitos.
Após atuar por tantos anos no comando da arbitragem, na gestão de Luiz Augusto Martins Teixeira, por que ele não saiu em sua defesa?
Eu cheguei a procurar o ex-presidente Luiz Augusto. Ao longo de muitos anos de convivência, nosso trato sempre foi pautado pelo respeito e a cordialidade. Pedi que ele interviesse sim. Contudo, não houve nenhum resultado satisfatório. É fato que a relação dele com o atual presidente já vem estremecida há muito tempo. Além disso, os dois professores que eram os braços direitos do Luiz, foram expulsos da FMJ pela atual gestão.
Na época deste episódio, qual era a sua relação com o Minas Tênis Clube?
Eu estava há 24 anos no clube e acreditava que a agremiação era a minha segunda família.
Mediante a gravidade dos fatos, por que não buscou resolver a coisa amigavelmente?
Gostaria de acentuar que busquei todas as formas que tinha ao meu alcance a fim de resolver a questão pacificamente. Após o embargo da FMJ, solicitei uma reunião que ocorreu no dia 7 de agosto de 2018 no Minas Tênis Clube. Estavam presentes o vice-presidente do Minas, Carlos Henrique Teixeira; o presidente da FMJ, Nédio Henrique; o juiz militar Fernando Galvão (que é meu amigo, ex-atleta do Minas e fez de tudo para que a justiça e o bom senso prevalecessem); o supervisor de judô do Minas, Sérgio Cota; e um membro da Comissão de Arbitragem, Eduardo Gonçalves. A postura do presidente Nédio Henrique durante a reunião foi acusatória e agressiva. Infelizmente, quando as pessoas não têm argumentos para o debate e se encontram em uma posição de hierarquia superior, elas lançam mão desse expediente. Bem, após mais de duas horas de conversa, o vice-presidente do Minas me perguntou se eu estaria disposto a enviar uma carta de conciliação a todos os filiados da FMJ. Essa carta seria uma forma de tentativa de reaproximação entre os membros da arbitragem e a FMJ, assim como uma tentativa de superar quaisquer animosidades existentes. Segundo o Carlos Henrique, a minha posição de liderança na arbitragem mineira era notória e um e-mail de conciliação partindo de mim criaria um impacto muito positivo nos demais membros. Tenho convicção de que a busca da paz e da união devem ser perseguidas constantemente e acatei prontamente a solicitação, enviando o e-mail conciliatório nessa mesma noite. Saímos da reunião com a sensação de que um acordo de cavalheiros havia sido selado. No entanto, para minha surpresa e espanto, no dia seguinte a FMJ expediu um segundo ofício no qual se ratificava o impedimento da minha viagem para Buenos Aires.
“É lamentável constatar que o presidente Sílvio Acácio, um colega de arbitragem e membro FIJ A, tenha optado pela conveniência política não à observância do que era devido, justo e correto.”
Por que o Minas Tênis Clube não saiu em sua defesa?
Na verdade, esta é uma das perguntas mais nebulosas e recorrentes. O árbitro mais jovem do grupo que se qualificava para ir a Buenos Aires, com 24 anos de casa, seis anos consecutivos como coordenador de arbitragem da Copa Minas Tênis Clube, com direito e potencial de elevar o nome do MTC na arbitragem a patamares continentais, e ainda com chances reais de em breve se tornar um FIJ A, foi expulso da instituição cinco dias antes da sua partida! Deixo as hipóteses para os leitores.
Como assim?
Quando percebi que a injustiça que estava sendo cometida iria ferir meus direitos básicos como indivíduo, procurei um advogado.
Mas e daí?
Daí que o Euler Barbosa, o diretor de judô do clube por quem sempre nutri enorme respeito e gratidão, tendo sido ele que me indicou para fazer teste na equipe de base do clube, me ligou na sexta-feira (10 de agosto) e, à queima roupa, me deu as seguintes alternativas: ou eu retirava a ação judicial que havia interposto contra a FMJ/CBJ ou eu estaria expulso dos quadros do MTC. Importa registrar que ele me deu o prazo do fim de semana para refletir. “Aguardo seu posicionamento na segunda-feira pela manhã”, disse ele. Contudo, naquela mesma noite Sérgio Cota, supervisor de judô do clube, me telefonou sugerindo que a decisão pela expulsão já havia sido tomada. O vice-presidente do clube, Carlos Henrique Martins Teixeira, o mesmo que me solicitou o envio de uma carta de conciliação e me disse na reunião que para ele “a palavra de um homem valia mais do que um contrato”, foi quem determinou a exclusão, não se atentando aos moldes da conversa previamente estabelecida com o Euler.
Mas como assim “sugeriu”?
Bem, quando o supervisor do departamento telefonou, ele insinuou que naquele momento a decisão do MTC já estava consolidada. Ressalto que fiquei sabendo da minha expulsão somente por meu advogado. A FMJ anexou um documento de desfiliação ao processo e o departamento de judô do MTC não me notificou oficialmente até o presente momento, tampouco me chamou para conversar sobre o porquê da decisão. Note-se, inclusive, que o mencionado documento juntado aos autos foi expedido com data retroativa à sua assinatura. Em resumo, elegância reduzida à enésima potência.
Após a traição do Minas Clube e do Carlos Henrique Martins Teixeira, como ainda reuniu forças para embarcar rumo a Buenos Aires?
Sem dúvidas, o golpe foi duríssimo. São 24 anos de dedicação a uma instituição como atleta e como árbitro. Minha devoção ao clube sempre foi enorme, a ponto de várias pessoas suporem, por diversas vezes, que eu era funcionário remunerado do clube. Ademais, a minha relação com os atletas e membros da comissão técnica sempre foi muito positiva e cordial. Ali dentro, fiz amigos para uma vida toda. Acredito que reuni forças por meio do sentimento positivo que nutri nessas amizades ao longo de tantos anos. O MTC é um clube fantástico e não é o espelho de alguns dirigentes que adotam posturas totalmente desonestas e antiéticas.
A justiça mineira impôs uma antecipação de tutela para a Confederação Brasileira de Judô determinando sua inscrição no evento da FIJ, e determinou que a FMJ parasse de persegui-lo. Ambas as entidades cumpriram a decisão judicial na íntegra?
Definitivamente, não. No dia 16 de agosto, data do credenciamento em Buenos Aires, eu tinha comigo uma liminar vigente e meu nome não havia sido incluído junto aos outros árbitros brasileiros.
O que aconteceu em Buenos Aires?
Quando cheguei ao hotel para o credenciamento, consegui pagar normalmente as taxas do hotel e a taxa referente à Confederação Pan-Americana de Judô, apesar de haver percebido que meu nome não constava na listagem oficial da delegação brasileira. No entanto, poucas horas depois, recebi mensagem dizendo que eu deveria dirigir-me ao quarto do sensei Edison Minakawa. Não cumprindo uma determinação judicial, a CBJ havia mantido a posição de impedir minha participação.
Apesar de ser outra jurisdição, a CPJ acatou a decisão judicial? Você conseguiu receber a homologação da FIJ?
Há um brasileiro, Fábio Vasconcelos, que trabalha na área de processamento de dados da CPJ, e ele averiguou e reconheceu a legitimidade do documento que eu trazia e constatou também que eu cumpria todos os pré-requisitos para receber a homologação. Todavia, eles não podiam inscrever meu nome sem a anuência da entidade nacional à qual sou vinculado.
O que ficou acertado com a CPJ?
Após uma longa conversa entre o Fábio, o sensei Minakawa e alguns representantes da Federação Argentina, ficou resolvido que eu participaria de todo o processo, porém extraoficialmente.
Qual foi o tratamento recebido de Ovídio Garnero e Edison Minakawa, na Argentina?
O professor Edison Minakawa mostrou que é um grande judoca e revelou uma generosidade rara nos dias atuais. Após uma longa e franca conversa na qual demonstrou o tanto que a situação criada o deixava desconcertado, revelou ser um sábio mediador até o ponto em que tinha autonomia. Quanto ao sensei Garnero, após saber da minha situação, ele foi cortês e receptivo. Disse-me que perseguições, infelizmente, acontecem ao redor do mundo e pediu que eu não permitisse que nada abalasse meus sonhos e valores. Também disse que iria advogar a meu favor junto ao presidente Sílvio Acácio.
Além de você, quantos candidatos do Brasil e do exterior participaram do encontro?
Da delegação brasileira éramos 24 árbitros. Do exterior eu não saberia dizer o número exato.
“Alimente a sua fé e seus medos morrerão de fome.”
O que aconteceu em sua volta?
Tão logo cheguei ao Brasil, procurei meu advogado a fim de tentarmos um novo pedido na Justiça. Por orientação da própria CPJ, toda a documentação haveria de ser enviada para a FIJ em sete dias e a possibilidades de obtenção do título, apesar de pequena, ainda se mantinha viva. Contudo, lastimosamente, os trâmites judiciais são mais morosos do que necessitamos e a apreciação do pedido não chegou a tempo.
Você desenvolveu algum processo depressivo e de que forma a atitude baixa destes dirigentes repercutiu em sua família?
Não tenho reservas em dizer que tenho passado por dias de grande tristeza e indignação. Assumir nossas dores com dignidade reflete a nossa humanidade e, de certa forma, nos aproxima do que é divino. Contudo, entre tantos pensamentos, mantive na mente o jargão de um conhecido radialista mineiro: “Alimente a sua fé e seus medos morrerão de fome”.
Você manteve a ação contra a CBJ e a FMJ?
Após uma difícil decisão, decidi abandonar a ação judicial. Muitos poderão perguntar: mas se você estava com a razão em tudo que alegou, por que desistiu? Desisti porque o meu desejo nunca foi brigar na Justiça. Lutei, bravamente e até onde pude pela obtenção do meu título, que era um direito adquirido pelo novo modelo de graduação implementado pela FIJ, e esse objetivo já não mais poderia ser alcançado.
E todo o prejuízo moral, psicológico e financeiro que você teve neste episódio?
A vida nos apresenta alguns desafios enigmáticos ao longo da jornada e acredito que cabe a nós descobrirmos os porquês dessas charadas. Tenho a certeza de que vários aprendizados surgirão desses episódios e que, certamente, eles me conduzirão a ratificar que o mais bonito é manter a palavra prometida, a honra limpa e os valores intactos.
E agora, o que pensa para o futuro?
Penso em dar continuidade aos meus sonhos e continuar lutando honradamente por eles.
Você pretende seguir no judô?
No primeiro momento não. Vou refletir e digerir tudo isto com muita calma e ponderação.
O que você pensa da arbitragem mineira e brasileira hoje?
Posso dizer que tive o privilégio de ser o coordenador de arbitragem do Estado de Minas Gerais e ser membro desse núcleo. O grupo mineiro é reduzido sim, mas é formado, em grande maioria, por árbitros dedicados e de conduta admirável. Quanto à arbitragem brasileira, o privilégio é semelhante. Admiro a seriedade e a abnegação com que os árbitros brasileiros tentam se superar e sei da parcela fundamental que o sensei José Pereira e seu ex-assessor sensei Jeferson Vieira têm nesse processo. Minha gratidão por tantos ensinamentos dentro e fora dos tatamis é imensa. Sou grato também aos professores Minakawa e Garnero, que deram demonstração de grande altruísmo, quando dimensionaram tudo que eu estava vivenciando.
Como vê a prática do judô hoje, após jogar a toalha e ter deixado de fazer uma das coisas que mais amava na vida?
Negativo. Eu não joguei a toalha. O judô me ensinou a ser obstinado e a me preparar para os desafios que a vida nos impõe. Não conseguiria abandonar o judô e nem a arbitragem, uma vez que a filosofia judoísta já está impregnada nas minhas atitudes e comportamentos. Nós é que decidimos o que vai ser eterno em nosso coração e Deus nos dá o dom de eternizarmos o que vale a pena. Contudo, neste momento estou afastado e me permitindo processar tudo que ocorreu nestes últimos três meses. Viver as pausas com sabedoria e humildade é condição para quem objetiva amadurecer.
Como avalia a conduta dos judocas Nédio Henrique, Sílvio Acácio e Carlos Henrique Martins?
Nós não temos a obrigação de nutrir afeto por todas as pessoas, mas é imperioso que respeitemos todas elas sem restrição. Penso que esses gestores se utilizam de métodos eminentemente arbitrários e antiéticos em suas condutas e colocam a vaidade do cargo acima de valores que são inegociáveis. Prejudicar gratuitamente o semelhante é atitude oposta aos preceitos do professor Kano e entra em conflito com tudo que se espera da conduta de um verdadeiro judoca. O tempo vai passar e eles, certamente, carregarão pelo caminho a certeza do ato maldoso e leviano que fizeram comigo.
Você acha que estas pessoas podem ser chamadas de judocas?
Acho que já respondi em sua pergunta anterior.
Vivemos um clima de expectativa e de poder passar nosso País a limpo. Você acha que um dia o esporte também estará livre desse tipo de gente?
Todos nós vivemos um momento no País no qual almejamos uma renovação ética e moral e não podemos sucumbir à desesperança. Também no que tange ao esporte praticado no Brasil, que possui um papel tão singular e transformador, precisamos manter a crença de que é possível um fortalecimento e amadurecimento das gestões esportivas no sentido de colocar o esporte acima dos interesses individuais.
Você e sua esposa têm um bebê; se no futuro ele quiser fazer judô, você vai permitir?
Certamente, a verdadeira essência do judô só irá contribuir na sua formação.
“Prejudicar gratuitamente o semelhante é atitude oposta aos preceitos do professor Kano e entra em conflito com tudo que se espera da conduta de um verdadeiro judoca.”
Qual é a maior lição que você tira em tudo isso?
Acredito que a alegoria criada pelo renomado poeta norte-americano Robert Frost venha ao encontro da lição que hoje tiro de tudo isso: “Duas estradas divergiam em um bosque, eu tomei a menos percorrida e isso fez com que fizesse toda diferença.”
Mesmo modus operandi
O que aconteceu com o ex-diretor de arbitragem da FMJ retrata fielmente o modus operandi de Sílvio Acácio Borges, quando presidia a Federação Catarinense de Judô. Uma gestão pautada na perseguição implacável a todos que não pensam como ele, ou agiam de forma contrária à dele.
Vingativo e inescrupuloso, Sílvio Acácio frustrou os sonhos e a expectativa de um colega da arbitragem para atender aos caprichos de um dirigente sem o menor preparo para a gestão esportiva, que expressa total falta de interação com o mundo exterior, que detém flagrante incoerência mental e possui personalidade desagregadora.
O grande paradoxo é ver todos estes personagens que, inescrupulosamente, conspiraram contra Ivan Fagundes, travestidos de judocas e se passando por pessoas do bem. Pessoas cordatas, com a fala mansa e doce, mas defensoras de um corporativismo imoral e covarde. Gente que nega e conspira até mesmo contra sua própria origem, como mostrou o professor Roberto David da Graça, na entrevista concedida à revista Budô.
Gestões e posturas similares
Fazendo uma análise um pouco mais ampla sobre os dois principais personagens deste triste capítulo da arbitragem nacional, nota-se que, além do egocentrismo e o desequilíbrio emocional, Nédio Henrique e Sílvio Acácio possuem muitas coisas em comum, tanto na personalidade quanto na forma de gerir os destinos das entidades que presidem. Após terem assumido a gestão, ambos estão impondo o caos nas entidades que comandam.
Em Minas Gerais Nédio Henrique dizimou a estrutura deixada por Luiz Augusto Martins Teixeira; baniu os principais colaboradores e diretores que atuavam na FMJ, inviabilizando assim a gestão da entidade; emperrou a área técnica e hoje é a Liga Mineira de Judô que detém o protagonismo competitivo da modalidade em Minas Gerais. Contra o gestor mineiro pesam ainda vários processos administrativos na Justiça comum.
No Rio de Janeiro a Confederação Brasileira de Judô está prestes a implodir, fruto da incompetência administrativa do atual comandante da modalidade.
Com parcos conhecimentos sobre a gestão esportiva e sem nenhuma intimidade com a inteligência, o atual presidente da CBJ recebeu de Paulo Wanderley Teixeira a melhor entidade esportiva do Brasil naquele momento.
Quando Sílvio Acácio assumiu, a Confederação Brasileira de Judô possuía sete ou oito patrocinadores e hoje restam apenas dois: a Cielo e o Bradesco. Atualmente a Mizuno apenas fornece material esportivo para a CBJ, mas a partir de 31 de dezembro deixará definitivamente a entidade.
Nos dois últimos anos vários eventos foram cancelados e importantes contratos midiáticos foram perdidos. Entre estes citamos o espaço que o judô detinha no programa Esporte Espetacular da TV Globo e o cancelamento de vários desafios internacionais, por incompetência da área técnica da CBJ. Só o esperado Desafio Internacional Brasil x Japão foi cancelado duas vezes este ano, e segundo afirmou Ney Wilson, o gestor de alto rendimento da CBJ, recentemente o confronto foi reagendado pela terceira vez e deverá ocorrer em dezembro.
Atletas e técnicos têm sofrido enormes prejuízos em função das constantes mudanças no calendário de eventos da entidade, e nenhuma resposta foi dada aos filiados.
A falta de comando e liderança interna já produziram efeitos catastróficos, e hoje a CBJ é vítima de uma disputa interna velada entre as pessoas que estão no primeiro escalão da entidade. Segundo avaliam analistas mais próximos, no início do próximo ano muitas cabeças cairão no Rio de Janeiro e em Lauro de Freitas, onde está situado o Centro Pan-Americano de Judô.
A incompetência e a má gestão são marcas registradas destes dois personagens que no futuro deverão ser lembrados por promoverem o gigantesco retrocesso que o judô brasileiro vive hoje.
Fundamentado no Gi (義), o primeiro dos sete princípios do Bushidô, que prega justiça, retidão e honestidade, Ivan Fagundes dá mostras claras de estar num plano infinitamente superior, muito acima de seus agressores que, mesmo sendo desmascarados publicamente, seguem inabalavelmente impunes e destilando toda a maldade que lhes é peculiar. E, pasmem, conseguem ainda vestir um judogi, se olhar no espelho, pôr a cabeça no travesseiro e dormir.