A importância do ensino mais amplo do judô

Judô também é uma lição de amor © Jaremung / Cleanpng

Antes de mais nada, temos de ensinar os caminhos da igualdade, que possam remeter o judoca a virtudes como humildade, generosidade, integridade, disciplina, honestidade, respeito e gratidão

Aspectos Pedagógicos do Judô
13 de maio de 2021
Por WAGNER VETTORAZZI
Curitiba (SP)

A primeira coisa a se falar sobre o judô para um iniciante, seja ele criança, adolescente ou adulto, é que esta modalidade de luta tem por objetivo ajudá-lo a melhorar, pensando sempre no bem-estar e no seu crescimento como indivíduo – a partir daí ele terá condições de contribuir para o local onde vive e, consequentemente, ajudar a tornar o mundo melhor.

O professor deve deixar bem claro que esse é o principal objetivo do judô e que deve ser buscado por meio das técnicas e da forma de executá-las corretamente.

O praticante precisa compreender que o judô é também uma lição de amor, cuja maior preocupação é auxiliar a formação de bons cidadãos.

Lecionar judô passa por ensinar a praticar humildade, generosidade, integridade, disciplina, honestidade, respeito e gratidão © Nathan Dumlao / Unsplash

Devemos buscar isso usando insistentemente o jita-kyoei (自他共栄) como fator preponderante do nosso dia a dia dentro e fora do dojô (道場). Por isso:

=> Não importa somente jogar o companheiro, mas como fazer isso sem machucá-lo.

=> Não importa apenas o seu crescimento técnico, a sua nova graduação, mas fazer que seus companheiros também possam crescer, evoluir e conquistar novas graduações.

=> Não importa o quanto conquistou, mas como manter-se humilde e pronto para continuar ajudando, apesar de ter alcançado muitas honras e muitos títulos.

=> Não importa a graduação, precisa ter antes de tudo muita gratidão. Saber respeitar seus senpai (mais antigos), os dohai (praticantes com o mesmo tempo de treino) e kohai (alunos mais novos) e assim seguir seu caminho dando sempre bons exemplos.

Toda técnica, todo movimento específico do judô, tem de ser acompanhada desse pensamento. Formar um faixa-preta forte sem se preocupar com os princípios da ética e da moral é um risco muito grande, porque o judô é uma arte marcial e, como tal, usa técnicas que podem colocar em risco a vida dos demais praticantes.

Deve haver o compromisso de ensinar o judô pautado em seu vasto conteúdo filosófico e seus princípios essenciais. Somente assim faremos um trabalho que permitirá ao judoca (柔道家) ter a oportunidade de,  primeiro, melhorar como pessoa, tornar-se um ser humano melhor, pronto para ajudar a comunidade em que vive, para depois, talvez, vir a ser uma atleta de alto rendimento. Por isso:

=> Temos de ensinar primeiro os caminhos da igualdade, que possam remeter o judoca a virtudes como humildade, generosidade, integridade, disciplina, honestidade, respeito e gratidão, dentre outras.

O professor de uma arte tão maravilhosa como o judô deve primar sempre pelos aspectos educacionais voltados à formação do ser humano © Unsplash

=> Antes de ensinar a fazer o randori (乱取り) ― treinamento livre ― deve-se ensinar a importância de pedir ao companheiro que nos faça o favor ― onegai-shimasu (お願いします) ― de treinar conosco e depois saber agradecê-lo ― arigatō-gozaimasu (有難うございます) ― porque, independentemente de quem mais derrubou (nage waza) ou controlou (katame waza) durante o treino, ambos são vitoriosos pelo processo de aprendizagem. Da mesma forma, para o uchi-komi (打ち込み) ― que é o treinamento de uma técnica por intermédio de movimentos repetitivos ― e também para quando for pedir alguma coisa, ou perguntar algo.

=> Ensinar a importância do ukemi (受身) ―  formas de cair ― antes de ensinar a jogar o companheiro.

=> Ensinar sobre o dojô e o tatami (畳) por intermédio dos ojigi (お辞儀) ― que são as reverências com tronco e cabeça ― que devemos fazer antes e depois de estarmos dentro/sobre eles.

=> Ensinar que o randori e o kata (形) são as duas maneiras de treinar o judô e, portanto, devem funcionar como ferramentas principais para que o aluno entenda os princípios da modalidade. E para que ele entenda que seu companheiro de treino é a pessoa mais importante do seu aprimoramento, de sua busca em evoluir, principalmente espiritualmente.

=> Ensinar que no randori o aluno deve fazer a técnica, buscar o momento de aplicação, procurando evoluir e não pensando em fazer shiai.

=> Num estudo de kata deve-se ensinar o aluno a buscar primeiro a essência de cada movimento, a forma das técnicas, para depois usar cada kata como instrumento de novas graduações e/ou performance em competições específicas.

Antes de aprender a jogar os amigos, o iniciante deve fazer ukemi (aprender a cair) © iStock

=> Deve-se mostrar sempre a importância do respeito a tudo e a todos dentro do judô, principalmente aos professores mais graduados, possibilitando que o judoca entenda que a vida segue da mesma maneira, na família (com nossos pais e avós), na escola (com professores e diretores), no trabalho (com nossos chefes e diretores), e ainda em outras tantas relações sociais.

Somente a partir daí é que novos rumos devem surgir, como a competição e a necessidade de treinos específicos para a formação de atletas de alto rendimento, buscando títulos e pódios.

Não se deve começar o ensino do judô pelas competições e o uso das suas regras. Isso seria ensinar o judô de trás para frente.

Em momento algum devemos ignorar a importância da competição e tudo que ela proporcionou para que o judô atingisse o status mundial que hoje desfruta, porém, como professores de uma arte tão maravilhosa, temos de primar sempre pelos aspectos educacionais voltados à formação do ser humano, tal qual era a maior preocupação de Kano sensei.

Sem o alicerce dos princípios da ética e moral, corremos o risco de formar grandes competidores que talvez não entendam a importância de saber comportar-se em ambientes nos quais o que menos importa é o tamanho do seu título ou graduação, mas sim o quanto de amor e de respeito ele tem dentro do seu coração.

Wagner Antônio Vettorazzi
É professor kodansha 7º dan; formado em
educação física e psicologia; pós-graduado em
educação; coordenador de cursos da 9ª DRJ ABC;
e avaliador dos exames de graduação da CBJ.