17 de novembro de 2024
A relevância do bom trabalho na base
Para termos atletas do alto rendimento, capazes de representar nosso país em campeonatos mundiais ou nos Jogos Olímpicos, devemos pensar primeiro na formação
Aspectos Pedagógicos do Judô
3 de outubro de 2019
Por WAGNER ANTÔNIO VETTORAZZI I Fotos BUDOPRESS
São Paulo – SP
Parece um tanto óbvio falar isso, mas se o trabalho de base não focar o ensino dos fundamentos e se houver pressa em levar o aluno à condição de atleta, ele até pode chegar ao alto rendimento, mas com várias deficiências técnicas.
Alguns exemplos comuns: atletas com o shintai errado (juntando ou cruzando os pés em vários momentos do shiai), atletas com variações técnicas limitadas (sabem apenas uma ou duas técnicas fortes), deficiência no kumi-kata com relação à sua postura corporal (em desacordo com a maneira correta e adequada de lutar), entre outros.
No trabalho de base, devemos mostrar todos os fundamentos, não apenas pensando em formar grandes campeões, mas com o principal objetivo de ensinar o judô na sua essência.
E quando for ensinada uma técnica, deve ser o kihon, a forma básica. Só depois, quando o aluno virar atleta e já tiver o domínio de muitas técnicas e começar a mostrar mais facilidade em algumas delas, é que se devem ensinar as variações.
Na base não podemos ensinar técnicas que não sejam feitas pelo lado da manga, não devemos ensinar kaeshi-waza, nem “brigas” de kumi-kata. Não devemos deixar fazer randori pegando nas duas golas, ou com a pegada da gola fora da altura do ombro.
“No trabalho de base, devemos mostrar todos os fundamentos, com o principal objetivo de ensinar o judô na sua essência.”
Na base, os mais graduados devem treinar com os mais novos e ensinar como fazer para não se machucarem.
É preciso que os alunos em aula, nos dojôs, façam randori e não shiai. Temos, portanto, a obrigação de ensinar na base como fazer randori de forma adequada.
Na base, não deve ser ensinado nenhum tipo de seoi-otoshi, makikomi ou sutemi-waza.
O trabalho de base precisa ser iniciado por volta de 6 ou 7 anos de idade, com predominância do ensino do shintai, ukemi e kumi-kata.
A preocupação com o ensino de técnicas só deve existir quando a criança já souber cair, batendo os braços esticados, e tiver domínio do peso de sua cabeça, para não deixar que ela bata no tatami. E isso deve ser feito com muita alegria, por meio do lúdico, sempre respeitando a idade da criança.
No trabalho de base feito para crianças não se deve falar de regras de competição. A participação em festivais é positiva, desde que o proposta seja brincar, mostrar técnicas, sem o objetivo de ganhar e ser campeãs, até porque, se isso acontecer, deixa de ser festival.
Além de ser o alicerce para o bom desenvolvimento das técnicas, o trabalho de base tem de servir de alicerce para o ensino de toda a parte filosófica do judô, através dos seus princípios.
Mas aí, cabe a pergunta: E as crianças com menos de 6 anos? Não devem treinar judô?
É aqui que se evidencia o trabalho de base com o objetivo de ensinar o judô na sua essência, priorizando fundamentos e toda a parte filosófica, formando cidadãos e que pode resultar em futuros grandes atletas. É diferente do trabalho de base não edificado nos fundamentos do judô, cuja consequência é a formação de atletas fortes nas categorias menores, mas que raramente chegam a ser campeões na fase adulta.
A criança com menos de 6 anos deve brincar nos tatamis, por intermédio do judô, sem a preocupação de fazer golpes e muito menos competir, principalmente porque está num estágio de maturidade em que isso é prejudicial.
O principal objetivo para essa faixa etária deve ser o aumento e a qualidade do acervo motor, para que quando a criança chegue perto dos 6 ou 7 anos de idade possa começar a praticar os componentes técnicos fundamentais do judô.
Até que chegue perto dessa faixa etária, deve-se deixar que a criança vá aprendendo com naturalidade os conceitos de uma aula, como os cumprimentos e saudações, o uso do judogi e dos chinelos e viver situações repletas de muita brincadeira, com uso de materiais que alegrem o ambiente. O professor deve ser o grande exemplo, por isso deve dar aula sempre de judogi branco com sua faixa arrumada corretamente, chinelos nos pés quando estiver fora dos tatamis, e não ostentar nada quando estiver de judogi, como joias ou celulares.
Mas o grande ponto em questão é que a sociedade, por intermédio dos pais e outras pessoas, quer ver crianças com 3, 4 e 5 anos lutando, derrubando seus amiguinhos e, pior, que sejam promovidas, que troquem suas faixas. Na realidade, nessa idade elas ainda nem sabem qual é o verdadeiro significado da faixa e muito menos como amarrá-la corretamente, daí a necessidade, hoje em dia, de inventar novas faixas.
O trabalho de base é o alicerce de todo o desenvolvimento esportivo. Façamos nossa tarefa, portanto, com consciência, com alegria e principalmente por meio dos fundamentos, sem pressa de colocar o aluno para competir.
Wagner Antônio Vettorazzi é professor kodansha shichi-dan (7° dan),
graduado em educação física e psicologia, pós-graduado em educação.
É professor de judô na Associação Desportiva São Caetano e
na Sociedade Esportiva e Recreativa Alvi-Celeste,
e diretor de cursos da 9ª DRJ ABC.