A repetição leva à perfeição?

O randori é essencial no desenvolvimento dos praticantes porque permite a aplicação prática das técnicas em um ambiente controlado e seguro © Arquivo

A maior parte dos professores e técnicos sabe da importância do treinamento dos fundamentos do judô, porém poucos mostram preocupação com a forma de treinar. O sucesso está definitivamente atrelado à forma de treinar e não à quantidade de treinamento.

Por Peterson Antunes de Campos
22 de junho de 2024 / Curitiba (PR)

Observando a Concepção de Pirsing – “a escalada da montanha deve ser mais importante do que chegar ao cume” –, vejo uma relação muito grande dessa afirmação com todos os esportes e, em especial, com o judô.

Quando falo sobre a escalada de um atleta, refiro-me aos pilares dos fundamentos, ou seja, os fundamentos básicos da preparação física, os fundamentos básicos da preparação técnica e os fundamentos básicos da preparação psicológica. Alguns pontos fundamentais e básicos para esta escalada são: alimentação, hidratação, respiração e aclimatação, mas há muitos outros.

Muitos judocas têm demonstrado extrema habilidade na fase inicial, mas não conseguem superar as dificuldades numa fase um pouco mais avançada. E por que isso acontece?  Esta pergunta pode ser respondida de várias formas, mas a resposta mais coerente é que muito provavelmente faltou treinamento dos fundamentos básicos. O atleta atingiu um nível muito bom numa primeira etapa, mas a escalada não foi devidamente planejada e observada. Os fundamentos que dão base ao atleta não foram bem trabalhados ou foram negligenciados, o que comprometeu seu desenvolvimento quando estava aproximando-se do cume ou ali pretendia permanecer.

Uchi-komi-renshu

Na prática do judô, uma das formas de aprendizagem é obtida por meio do uchi-komi-renshu, que é o treinamento de técnicas utilizando a repetição contínua do gesto.

O aprendizado da técnica não é simplesmente repetir incansavelmente o gesto, mas sim repetir o gesto buscando atingir o equilíbrio entre o corpo e a mente no momento da execução da técnica.

Segundo Michael Jordan, o maior jogador de basquete do mundo, existe um jeito certo e outro errado de fazer as coisas. “Pode-se praticar arremessos durante oito horas por dia, mas, se a técnica estiver errada, tudo o que se conseguirá é torna-se muito bom em arremessar a bola do jeito errado.” Isso vale, e muito, na prática do judô.

Gosto também de lembrar Luvesey, autor do livro O Rei da Distância, no qual cita uma frase de Paavo Nurmi: “A mente é tudo: músculos, pedaços de borracha. Tudo o que sou, sou por causa de minha mente”.

Nove medalhas olímpicas de ouro

Considerado o maior corredor de todos os tempos, Paavo Nurmi, também conhecido como o “finlandês voador”, tornou o seu país conhecido mundialmente ao conquistar nove medalhas olímpicas de ouro e três de prata, na década de 1920. Paavo era um atleta à frente do seu tempo, e treinava com uma dedicação nunca antes vista.

“O sucesso no esporte vem quase todo da devoção. O atleta deve fazer da devoção sua especialidade”, afirmou o campeão finlandês. Ele foi um dos primeiros atletas do mundo a ter um método sistemático de treinamento e nunca corria sem segurar o relógio em sua mão (na época ainda não se usavam relógios de pulso).

“A perfeição na arte das espadas consiste em dois componentes: a segurança técnica e o entendimento espiritual. Ambos devem formar uma unidade, e são alienavelmente interdependentes.”

O tengu-geijutsu-ron é um tratado sobre a arte da esgrima que fornece um vislumbre dos fundamentos espirituais dessa arte, e poderíamos muito facilmente projetá-lo para o judô e para o nosso foco da importância do treinamento dos fundamentos. “A perfeição na arte das espadas consiste em dois componentes: a segurança técnica e o entendimento espiritual. Ambos devem formar uma unidade, e são alienavelmente interdependentes.”

Com esse princípio podemos verificar que o atleta não deve preparar-se apenas fisicamente, mas, sim, conhecer-se internamente. Este conhecimento interno do atleta é essencial, pois quando dele for exigido superar uma dificuldade durante um combate, e tendo um pilar de sustentação dos fundamentos e da parte psicológica, poderá controlar a ansiedade, o estresse, a falta de concentração e outros fatores que poderiam afetar sua performance.

Depois de todas estas citações, posso dizer que não é a repetição que nos leva à perfeição, mas que a repetição perfeita nos leva à perfeição.

Artigo originalmente escrito e publicado na Revista Budô em 2014.

O professor doutor Peterson Antunes de Campos é psicólogo esportivo e técnico de judô, graduado em Educação Física pela Universidade de Ribeirão Preto (SP), mestre em Psicologia pela United States International University (USIU) – San Diego (EUA), com doutorado em Liderança e Comportamento Humano pela USIU.

http://www.shihan.com.br