26 de outubro de 2025
Do universo marcial que moldou o Japão feudal nasceu o judô, recriado por Jigoro Kano como caminho pedagógico, de valores e desenvolvimento humano © Imagem ilustrativa criada por IA / Global Sports
Um dos mais laureados diretores do cinema japonês, Akira Kurosawa dirigiu, em 1943, seu primeiro filme, denominado Sugata Sanshiro. Para os jovens judocas que não conhecem Kurosawa, ele é um dos maiores cineastas do Japão, diretor do épico Os Sete Samurais, que inspirou o famosíssimo filme de Hollywood Sete Homens e um Destino.
O personagem do filme, Sugata Sanshiro, foi inspirado no judoca Shiro Saigo (1866–1922), pioneiro entre os alunos de Jigoro Kano shihan e considerado uma das quatro colunas do Kodokan, os “Guardiões do Kodokan” (Kōdōkan Shitennō). Saigo sensei é considerado uma lenda do judô, foi um dos primeiros faixas-pretas de Kano shihan, e seu tokui-waza (técnica preferida) era o poderoso yama-arashi, que em tradução livre significa “Tempestade na Montanha”. Essa técnica fazia parte do Habukareta waza – ou técnicas preservadas – dentro do Go Kyo de 1925, no grupo de nage-waza (projeções) e, especificamente, em te-waza (técnicas de mão). Esse lendário judoca motivou o livro e o filme Sugata Sanshiro, cujo maior legado foi a divulgação do judô.
Quando treinei judô na Universidade de Tsukuba, tínhamos um colega de treino que era especialista em yama-arashi, e sua técnica era próxima da perfeição.
No Japão feudal, as competições eram demonstrações de eficácia e eficiência das artes marciais, servindo como critério para seu ensino em escolas e forças armadas.
Na era Meiji, quando o Japão abriu seus portos ao comércio internacional, os samurais perderam seus postos, e os mestres de ju-jutsu, outrora respeitados, passaram a sobreviver de apresentações públicas. Houve uma tentativa de retomar a tradição, incluindo o ju-jutsu nas escolas, mas a prática não prosperou, pois, muitos estudantes retornavam para casa lesionados. Foi então que o ju-jutsu acabou substituído pelo ju-dôeducacional de Kano shihan.
Voltando ao filme sobre Sugata Sanshiro (Shiro Saigo), encontramos uma obra realizada no auge da Segunda Guerra Mundial pelo promissor e novo diretor Akira Kurosawa. Considerado um marco inaugural dos filmes de artes marciais, ele inaugurou um estilo cinematográfico que, ao mesmo tempo em que servia como propaganda belicista, evidenciava o enorme talento de Kurosawa, mais tarde reconhecido como um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos.
“A essência do judô está em cultivar valores que atravessam gerações e em oferecer às crianças um caminho de aprendizado, disciplina e humanidade. É nesse terreno que o legado de Jigoro Kano continua vivo e insubstituível.”
A história se passa durante o período da Restauração Meiji, no Japão, e trata da luta entre o velho e o novo em termos de artes marciais. O filme foi inspirado no livro homônimo Sugata Sanshiro, do autor Tsuneo Tomita, filho do judoca Tsunemiro Tomita, considerado um dos mais importantes alunos de Kano shihan.
O judô foi criado a partir do ju-jutsu, arte marcial dos samurais e, como relatamos, hoje é esporte olímpico e amplamente praticado em escolas infantis. Nessas escolas, a preocupação deve ser a formação da personalidade e do caráter dos praticantes, como preconizou Jigoro Kano. É importante lembrar que a etimologia de “marcial” remete ao deus romano da guerra, Marte.
Atualmente, as guerras são travadas com drones e computadores. O esporte espetáculo movimenta milhões de dólares e impõe aos atletas custos altíssimos em termos de vida útil, saúde e ausência de lesões. Isso nos remete ao pensamento inicial de Jigoro Kano, com seus três princípios:
A alta competição é regida por interesses, e as regras são moldadas para atender a esses negócios. A essência do judô sobrevive em poucos dojôs, onde professores se dedicam às crianças, com a preocupação de estudarem profundamente os aspectos biológicos, sociológicos, psicológicos e pedagógicos. Sobretudo, devem buscar conquistar as novas gerações para a prática do judô — ou de qualquer outro esporte — como ferramenta de formação e desenvolvimento humano.
No fim, o judô não se resume a medalhas, regras ou espetáculos moldados por interesses. Sua essência está em cultivar valores que atravessam gerações e em oferecer às crianças um caminho de aprendizado, disciplina e humanidade. É nesse terreno que o legado de Jigoro Kano continua vivo e insubstituível.