19 de novembro de 2024
Após sucesso do primeiro seminário no Instituto Takemussu, Gérard Blaize promete voltar ao Brasil
Wagner Bull convidou o shihan francês para vir ao Brasil buscando mostrar aos colegas brasileiros que há vários níveis de aikidô a serem explorados e compreendidos, como o Bannen Aikido. Tudo é uma questão de percepção.
Por Paulo Pinto / Global Sports
11 de junho de 2023 / São Paulo (SP)
Para os praticantes, amantes e fãs do aikidô, o mês de maio foi marcado pela vinda inédita do shihan francês Gérard Blaize que, aos 76 anos, é um dos mais renomados mestres de aikidô da Europa.
O seminário internacional aberto a todos os professores e praticantes de aikidô do Brasil, promovido pelo Instituto Takemussu de Aikidô (ITA), reuniu cerca de 120 participantes em treinamentos internos e abertos realizados de 11 a 15 de maio no amplo e belíssimo dojô da instituição em São Paulo.
Também participaram do workshop os professores Antonio Boned Tur, da Espanha (yon-dan 4º dan); Lila Serzedello, de São Paulo (roku-dan 6º dan); Felipe Sebastián Célèry Céspedes, do Chile (yon-dan 4º dan); Edgar Bull, do ITA (go-dan 5º dan); Alexandre Bull, do ITA (roku-dan 6º dan); e o shihan Wagner Bull (shichi-dan 7º dan) fundador do ITA e anfitrião do seminário internacional.
Origem de Blaize
Em 1975, Gérard Blaize conheceu seu futuro professor Hikitsuchi Michio e, por indicação dele, em 26 de abril de 1995 foi o primeiro não-japonês de todos os tempos a receber a graduação de shihan shichi-dan (7º dan) pelo então doshu Kisshomaru Ueshiba, no Aikikai Hombu Dojô de Tóquio.
Blaize começou a treinar judô e aikidô sob a direção do sensei Pierre Brousse. Mais tarde, mudou-se para o Japão, onde viveu por quase seis anos, tempo em que aprofundou seus conhecimentos sobre aikidô no Aikikai Honbu Dojô, em Tóquio, com renomados mestres como Kisshōmaru Ueshiba e Seigo Yamaguchi.
Gérard sensei ensina o aikidô puramente tradicional que foi transmitido pelo O-Sensei. Ele foi aluno direto de Hikitsuchi Michio sensei, que por sua vez recebeu o juu-dan (10º dan) diretamente do fundador do aikidô, O-Sensei Morihei Ueshiba. Até hoje ele respeita integralmente os ensinamentos preconizados por Hikitsuchi sensei.
Por ser um aikidô eminentemente tradicional, não existem competições nem exames e se mantêm as formas originais. Sem divulgação, não é um esporte nem se pode considerar uma arte marcial de defesa e ataque – é simplesmente um estudo para alcançar as experiências vividas por O-Sensei.
Além de ser professor shihan shichi-dan (7º dan) de aikidô pelo Aikikai Foundation de Tóquio, Blaize é mestre no Masakatsu Bōjutsu, modalidade na qual possui o go-dan (5º dan) concedido por Hikitsuchi Michio, e no Jōdō detém o 7º dan concedido por Shinto Muso Ryu.
Antonio Boned, aluno de Gérard Blaize que veio de Ibiza, na Espanha, explicou que a única circunstância burocrática, institucional e organizacional que a escola de Gérard sensei mantém refere-se à graduação. “Os praticantes de aikidô necessitam, de uma forma ou de outra, possuir graduação para que não haja desinterese geral. Mas pelo fato de Blaize sensei ter sido aluno direto de Hikitsuchi sensei, seus aluno só podem receber graduação diretamente do dojô de Hikitsuchi Michio, localizado em Shingu, cidade japonesa da província de Wakayama. Os certificados de promoção não podem ir diretamente para o Hombu Dojô, pois dessa forma estariam rompendo a hierarquia, algo que no Japão é inadmissível.”
Carisma
Apresentando extrema lucidez e objetividade, nos cinco dias em que se dispôs a instruir os praticantes brasileiros Gérard Blaize mostrou alto conhecimento técnico e os transmitiu com notável eficiência, simplicidade e carisma.
Foram cinco longos dias com dois treinamentos diários – três horas pela manhã e quatro à tarde. Atencioso e detalhista, o sensei francês atendeu todos participante e respondeu prontamente a todas questões e dúvidas dos aikidoístas inscritos no seminário.
Avaliação dos participantes
Shihan Wagner Bull, responsável pela vinda de Blaize ao Brasil, destacou que o aikidô brasileiro teve uma oportunidade única e inédita de conhecer o primeiro professor não-japonês que se gradou shichi-dan (7º dan) e aluno do único discípulo do fundador que recebeu a graduação máxima de juu-dan (10º dan), consignada pelo doshu Morihei Ueshiba. “Sob o ponto de vista técnico o evento foi um grande sucesso e superou as expectativas. Mas eu tenho uma boa notícia para quem perdeu este primeiro seminário, pois sensei Gérard gostou muito do aikidô brasileiro e da forma como foi recebido. Com isso, agora temos mais um amigo para nos ensinar aikidô de alto nível, pois ele já concordou em voltar ao País. Quem não pôde vir desta vez, provavelmente terá nova oportunidade.”
Natural de Sant Antonio de Portmany, em Ibiza, o professor Antonio Boned Tur, aos 60 anos, é faixa-preta yon-dan (4º dan) do Aikikai, tendo o seu sho-dan outorgado diretamente por Hikitsuchi Sensei em Shingu, no Japão. Ele veio ao Brasil especialmente para participar do seminário do seu sensei Gérard Blaize.
“A visita a São Paulo foi uma experiência inédita. Foi um prazer enorme cruzar o Atlântico para praticar com aikidocas de outro continente, acompanhando do nosso mestre Gérard Blaize, que atendendo ao convite do professor Wagner Bull realizou um seminário mostrando o caminho e a forma de sua prática”, afirmou.
Sensei Boned mostrou-se absolutamente pragmático ao avaliar o aikidô brasileiro. “É muito difícil analisar a qualidade e o nível do aikidô dos alunos do sensei Bull devido à diferença de estilos. A forma como o praticam é muito diferente da nossa e, portanto, não podemos tecer comparações. Mas eles demonstram excelente nível técnico, o que me permite afirmar que o professor Bull possui uma capacidade muito superior à dos demais praticantes.”
O que mais impressionou sensei Boned no dojô do Instituto Takemussu foi seu kamizá, que o fez lembrar do kamizá do dojô de Hikitsuchi sensei em Shingu, no Japão. “Outro ponto extremamente importante foi a aceitação e a cordialidade dos alunos com os convidados da Europa. O tratamento, tanto dos profesores Alex e Edgar quanto do shihan Wagner foi muito correto e cordial, o que nos permitiu desfrutar uma prática muito diferente da nossa.”
O professor (yon-dan 4º dan) chileno Felipe Sebastián Célèry Céspedes, de 42 anos, também veio ao Brasil para acompanhar o seminário do seu sensei foi o professor. Profissional de engenharia e educação científica, ele conheceu shihan Gérard em 2003 e desde então passou a ser seu aluno.
“Quando conheci sua prática”, contou, “minha visão sobre o aikidô mudou muito e rapidamente decidi que queria seguir seus ensinamentos. Eu adoraria que houvesse mais cursos de Gérard no Brasil, e claro que estarei aqui caso isso aconteça. Aliás, ele ministrará seminário em Santiago do Chile em dezembro e todos aqueles que quiserem participar serão muito bem-vindos.”
O professor chileno, que foi o principal uke de Gérard nos cinco dias do seminário, afirmou ter ficado muito impressionado com o aikidô de Wagner Bull. “Eu só conheci o sensei Bull neste seminário. Mas, sem dúvida alguma, sei que a tradição do aikidô no Brasil é bastante longa, com muitos anos de desenvolvimento e, consequentemente, possui grandes expoentes. Também ficou bastante claro que o sensei Bull fundou e desenvolveu uma escola de aikidô muito particular, fundamentada num estilo e numa prática profundos, que chamam muita atenção.”
“Felizmente o Instituto Takemussu traz sistematicamente ao Brasil grandes mestres do aikidô mundial, um importante diferencial quando pensamos na diversidade de escolas e estilos que compõem e permeam o universo de nossa modalidade.”
Para Marcus Sangiorge Ucci, aluno e instrutor yon-dan do Instituto Takemussu, a vinda de Gérard Blaize ao Brasil tornou-se um marco. “Foi um seminário muito interessante do ponto de vista técnico. Principalmente pelo fato de Gérard sensei ser discipulo do Hikitsushi sensei. Eu ainda não havia conhecido e muito menos treinado com um mestre de aikidô desta linhagem e deste estilo. Foi realmente uma experiência impactante e proveitosa.”
Outra participante ilustre no workshop foi a professora Maria Luiza Serzedello Kumagai, conhecida como Lila Serzedello, roku-dan (6º dan) formada pelo renomado shihan Keizen Ono (1925-2020), uma das principais referências técnicas do aikidô do Brasil.
Começou a praticar aikidô em 1979 e desenvolveu-se no antigo dojô das Carmelitas. Tornou-se faixa-preta em 1987, recebeu o roku-dan (6º dan) em 2016 e dá aula de aikidô desde 1990.
Lila não se surpreendeu com a técnica de Blaize sensei. “Em meu dojô eu pratico este mesmo tipo de aikidô, pois esta é a minha pesquisa. Treinei inicialmente com Ono sensei, mas também treinei aiki com os senseis Hiroshi Ikeda e William Gleason. Cresci no aikidô vendo Ono sensei demonstrando coisas bastante semelhantes ao que o sensei Gérard mostra. A única diferença, se é que posso assim dizer, é o caráter muito religioso do Ono sensei, embora o Blaize sensei também o tenha.”
Sensei Lila explicou que oferece treinamento de aiki a seus alunos mais graduados. “Como tenho alunos de diversos níveis e graduações, para iniciantes eu priorizo a técnica tradicional; para os mais graduados enfatizo também o treino de aiki. Mas gostei muito do trabalho apresentado pelo sensei Blaize e da dedicação que ele demonstrou durante o treino.”
Outro participante que valorizou muito a vivência com Gérard Baize foi o faixa-preta san-dan Ricardo Avedissian, aluno do Instituto Takemussu desde 1996. “Felizmente o Instituto Takemussu traz sistematicamente ao Brasil grandes mestres do aikidô mundial, um importante diferencial quando pensamos na diversadade de escolas e estilos que compõem e permeam o universo de nossa modalidade. No caso específico do shihan Gérard, confesso que fiquei muito impressionado com sua técnica, muito forte e ao mesmo tempo extremamente sutil, elegante e marcial. Fiquei admirado com a capacidade de ele conectar-se com o atacante com um simples toque, ou até sem tocá-lo – justamente o que estamos treinando no instituto com o shihan Wagner Bull.”
Ao praticar com o shihan Gérard Blaize e sentir a aplicação destas técnicas, Avedissian percebeu a conexão. “Espero poder participar de mais seminários como este e conhecer aikidocas de outros e escolas, para fazer novas amizades, confraternizar e aprender com shihans diferentes.”
Para Rodrigo Rosa, profissional de educação física sho-dan, aluno do instituto há mais de uma década, o aprendizado com shihan Blaize foi algo indescritível. “A oportunidade de participar de um seminário deste, em casa, não tem como ser definida. Imagine o que o sensei Wagner teve de fazer para trazê-lo.”
Rosa explicou que não se trata de investimento, mas sim da credibilidade necessária para alguém convencer um shihan da França, com tal reputação, a dar um seminário na América do Sul. “Temos de considerar que ele treinou anos a fio no Japão, com o único aluno do fundador do aikidô que recebeu dele o juu-dan (10º dan). Ao treinar com ele me senti em estado de graça e, pelo tempo que nós alunos do ITA dispusemos dos ensinamentos dele, posso dizer que foi praticamente um camp. Uma verdadeira vivência. Foram cinco dias inesquecíveis de treinos, uma oportunidade imperdível e de valor inestimável.”
Em busca do Bannen Aikido
Wagner Bull interessou-se pelo trabalho de Gérard Blaize, e decidiu convidá-lo para vir ao Brasil, quando soube que ele também pratica o aiki e possui excelente conexão, além de ter vivido vários anos no Japão, onde foi aluno direto de Hikitsuchi Michio sensei.
“Para entender claramente o aikidô do O-Sensei, treinei com Hideo Hirosawa no Japão. Ele foi o último uchi deshi (estudante interno) de Morihei Uehiba, que durante seis anos lhe ensinou o grande segredo do aikidô, aplicando uma técnica que entra no mundo espiritual, ou Kon, procurando o Mu (vazio)” contou sensei Bull.
Ele reconhece que o início foi difícil, mas já havia iniciado aqui no Brasil o processo de fazer técnicas sem contato, e não demorou muito para aprender. “Infelizmente, a maioria dos aikidoístas do mundo não pratica o aikidô de O-Sensei na íntegra, ou Bannen Aikido. Por não compreenderem, acham que é fake, e por isso nunca aprenderão a verdadeira grandeza e o objetivo desta arte”, lamenta.
Kon no Budô e Haku no Budô
Houve um tempo em que mestre Ueshiba se referia a dois tipos de artes marciais da seguinte forma: kon no budô e haku no budô, ou seja budô espiritual e budô corporal, esclarece sensei Bull. São dois termos de origem chinesa que significam, o primeiro, a alma essencial que está no indivíduo como a unidade invulnerável de seu ser, e o segundo, a alma corpórea que assegura sua unidade como ser físico.
“A união das duas almas forma o indivíduo como ele é visto”, prossegue. “Na morte esta união se dissolve, as duas almas se separam, o kon retorna ao céu e o haku permanece na terra. É graças à alma haku que podemos manter uma forma humana. Mas se dermos muita importância à alma corpórea, sucumbimos às suas tentações, às suas exigências, e acabamos sufocando a alma essencial. Por outro lado, se negligenciarmos a alma haku, acabamos morrendo de fome.”
Bull explicou que mestre Ueshiba queria desenvolver a plenitude da alma kon através do nosso corpo. “Enquanto o único propósito do haku no Budô é aniquilar os adversários, o kon no Budô nos liberta de nossos desejos materiais e estabelece harmonia com nossos semelhantes.”
Bull inseriu mais de 110 videos de Hirosawa sensei no Youtube, há muito material para quem quiser ver como ele faz, mas para fazer, executar, a história é outra. “Primeiro há de compreender que é o espirito que move o corpo no aikidô autêntico e não os músculos e o intelecto. É preciso parar de fazer técnicas e aprender a usar a imaginaçao, a intuição e o espirito (ki).”
Wagner Bull enfatizou que convidou sensei Gérard para vir ao Brasil buscando ampliar os horizontes dos seus colegas brasileiros. “Imaginei que muitos praticantes participariam do seminário e entenderiam que há outros níveis de aikidô para serem explorados e compreendidos. O Bannen Aikido, por exemplo, é outro padrão de aikidô. Mas é tudo uma questão de percepção.”
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