30 de março de 2025

Qualquer fenômeno, qualquer fato, antes de ser explicado, é primeiramente experimentado, vivenciado, sentido. Esta é a ordem natural das coisas. Gerações sentem, experimentam, vivem o fenômeno, até que, num dado momento, surge a necessidade de explicá-lo. Aqueles que se propõem a tal tarefa elaboram um modelo teórico, uma estrutura que, idealmente, se ajusta ao fenômeno e permite a inserção dos instrumentos de análise. Evidentemente, esses instrumentos e as conclusões obtidas refletem a cultura e a formação do analista.
As artes marciais, como as conhecemos, são predominantemente um fenômeno oriental, apesar de contraditoriamente carregarem em seu nome a marca do Ocidente, o que sugere uma leve distorção em sua essência. Marte, o deus romano da guerra, empresta seu nome a uma prática tipicamente oriental. É claro, o Ocidente também desenvolveu suas próprias formas de combate, voltadas, no sentido estrito, para a guerra. Os romanos, por exemplo, eram mestres nisso, organizando seus exércitos nas famosas e temidas legiões.
Ao analisarmos as artes marciais, encontramos de imediato uma interpretação ocidentalizada em seu próprio nome. Para uma compreensão mais profunda, termos orientais como o japonês Budô, ou “o caminho do guerreiro”, mostram-se mais adequados. Essa expressão une a ideia de guerra com a noção de caminho, conceito impregnado de elementos culturais do Oriente, com raízes no budismo e no zen-budismo.
Após cinco décadas de prática e ensino, e mantendo a perspectiva ocidental que molda minha formação, considero possível desenvolver um arcabouço teórico para compreender este fenômeno, sem a pretensão de esgotá-lo, mas com o objetivo de auxiliar na sua compreensão. Minha reflexão aponta que a arte marcial é influenciada por três vetores interligados: técnico, filosófico e cognitivo.
Engloba os ensinamentos relativos à mecânica do corpo humano e à aplicação das leis da física, como as leis de Newton e o princípio da alavanca de Arquimedes. Mesmo que o praticante não compreenda a fundo a ciência por trás, a repetição e o método de tentativa e erro permitem, gradativamente, uma percepção apurada da forma mais eficiente de desenvolver cada movimento.
Trata dos valores não apenas morais, éticos ou jurídicos, mas também daqueles que, em nível mais profundo, influenciam e são influenciados pelo desenvolvimento das técnicas. Esta interação é fundamental. As técnicas estabelecem um sistema de equilíbrio, a partir do qual movimentos mais eficientes são possíveis, o que também se reflete na beleza da execução, uma vez que o cérebro percebe o equilíbrio, a harmonia e a fluidez como uma forma de beleza. Neste vetor, encontramos premissas filosóficas como a estética, a lógica, a moral, a metafísica e até mesmo a epistemologia, que será tratada de forma mais aprofundada no próximo vetor.
É possível praticar artes marciais apenas com o domínio técnico, mas, sem a compreensão filosófica, a prática se torna vazia, carente de sentido. Somente a integração com os elementos filosóficos permite a perseverança, mesmo quando o corpo já não responde com a mesma prontidão, pois encontramos em cada movimento um significado mais profundo que justifica sua existência.
Este vetor, separado da perspectiva filosófica por sua força e distinção, representa a consequência mais relevante da prática das artes marciais. O praticante não apenas aprende a se posicionar e a executar movimentos, extraindo sua essência com o mínimo de esforço e o máximo de resultado, mas também internaliza em sua estrutura mental as consequências do aprendizado.
Este elemento cognitivo é o principal benefício que o praticante pode obter. Se desenvolver a cognição transcendente, deixará de simplesmente executar movimentos, mesmo que belos e fluidos, para incorporar, na dualidade mente/execução, todos os significados que dela emanam. Por meio deste fenômeno cognitivo, o praticante desenvolverá nova visão para si mesmo, para sua vida e para os demais, uma visão mais aguçada, capaz de enxergar além da superfície e alcançar camadas mais profundas da realidade. Este é o propósito último da arte.
É importante mencionar o elemento metafísico, mas opto por não atribuir a ele o status de vetor essencial neste modelo. No Ocidente, cada praticante carrega sua própria visão do transcendente, influenciada por diversas religiões. No Oriente, a situação é diferente, as artes marciais (mesmo considerando as limitações dessa nomenclatura) são parte integrante da cultura. Neste estudo, o aspecto metafísico auxilia na compreensão do surgimento do fenômeno no Oriente, a base a partir da qual chegou ao Ocidente. É possível manter o sistema de crenças individuais e ainda assim se beneficiar imensamente da prática marcial.
A compreensão deste sistema será diferente para orientais e ocidentais. Nós, ocidentais, somos educados sob a influência do pensamento cartesiano, que divide o conhecimento em setores, como fiz neste texto. Para o oriental, em sua perspectiva holística, a arte marcial é um fenômeno único, com um sistema de percepção totalmente diferente.
Nossa capacidade de absorver esta rica experiência cognitiva e, consequentemente, de transcender os limites do envelhecimento, permitindo que a mente permaneça lúcida enquanto o corpo se apequena, está intrinsecamente ligada à nossa compreensão das diferenças culturais. É por essa sabedoria acumulada, derivada desta experiência transcendente, que os jovens devem venerar os velhos. Sem essa experiência e a sabedoria dela decorrente, os mais velhos seriam apenas velhos.
Este artigo constitui um modesto esforço para elucidar o complexo fenômeno das artes marciais. É uma jornada que começa no corpo, passa pela mente e pode levar a uma compreensão profunda de nós mesmos e do mundo ao nosso redor. É um caminho que convido você, leitor, a percorrer, descobrindo em cada passo, em cada movimento, a essência desta arte milenar.