As duas medalhas de bronze obtidas pelo judô em Tóquio custaram 122 milhões de reais

Os bronzes do judô tiveram custo superior às medalhas de ouro, prata e bronze conquistadas pela vela, boxe, surfe e maratona aquática © COB

Em Tóquio, judô conseguiu apenas superar o desempenho de 1972, ano da conquista da primeira medalha olímpica na modalidade, e se igualar ao rendimento de 2004 (Atenas)

POR PAULO PINTO
5 DE AGOSTO DE 2021 / CURITIBA (PR)

Nos últimos dias a mídia especializada fez duras críticas ao desempenho medíocre do judô brasileiro em Tóquio. O que não vimos até aqui foi uma análise mais profunda do rendimento da arte suave, sob o ponto de vista do investimento que é feito na modalidade. O resultado nos tatamis é fruto de um processo que há muitos anos se esgotou, e os atletas da seleção nada têm a ver com isso.

Sempre ouvimos a mídia esportiva destacar que o judô é a modalidade que mais medalhas olímpicas trouxe para o País, porém ninguém jamais atentou que a Confederação Brasileira de Judô (CBJ) é, há muitos anos, a entidade esportiva que mais recursos recebe do governo e da iniciativa privada.

Todos que militam na gestão esportiva sabem que o balanço financeiro da CBJ é uma caixa-preta inviolável, mas a grande imprensa, que na verdade nada sabe sobre a administração da entidade, jamais atentou para o montante aplicado na conquista das medalhas olímpicas e de que forma o investimento no alto rendimento impacta no restante da modalidade, que sobrevive à margem do processo cujos recursos são gerados por ela mesma.

O establishment mantém a modalidade
à margem daquilo que ela produz

No judô não existe meritocracia. Há uma casta, a elite, que não se relaciona com o restante da modalidade, a não ser por meio dos quatro clubes que concentram os atletas que servem à seleção brasileira.

Apenas três dirigentes da CBJ, que se apossaram de setores específicos da entidade e se perpetuam no poder há mais de 20 anos, decidem o destino de mais de um milhão de judocas que, mesmo excluídos do processo, se arrebentam para manter a modalidade literalmente em pé e lutando.

É imprescindível lembrar que todos os recursos são direcionados para o alto rendimento, não sobrando nada para o resto da modalidade. Ou seja, a base não recebe nenhum apoio ou incentivo. A capacitação e a valorização dos milhares professores que fomentam verdadeiramente o judô ficam no zero. Para os clubes e associações formadores que trabalham em parceria com professores e técnicos abnegados também não há nenhum tipo de assistência ou ajuda. Existem apenas taxas federativas astronômicas e de participação nas competições que enriquecem cada vez mais a confederação brasileira e empobrecem a modalidade.

A maioria das federações estaduais não cobra espaço para obter um mínimo de protagonismo e endossa o centralismo que despeja quase todos os recursos nas mãos de três ou quatro gestores comprometidos apenas com um sistema voraz e implacável, que nada acrescenta e tudo consome.

Valor expressivo

Após a realização do Rio 2016, tudo mudou no tocante ao investimento no setor esportivo. Contudo, até mesmo pelo resultado expressivo, a Confederação Brasileira de Judô (CBJ) foi uma das poucas entidades que continuaram recebendo apoio da iniciativa privada e foi a contemplada com o maior aporte financeiro da Secretaria Nacional do Esporte e do Comitê Olímpico do Brasil.

Sílvio Acácio Borges comemorou o desempenho pífio obtido pela seleção brasileira de judô em Tóquio © Budopress

Estimamos que nos dois primeiros anos deste ciclo olímpico a CBJ recebeu 30 milhões de reais ao ano. Em 2019 este valor caiu para 22 milhões; já em 2020 e 2021 a confederação recebeu algo em torno de 20 milhões em cada ano, o que totaliza 122 milhões de reais neste ciclo olímpico vindos do governo federal, COB, Bradesco e Cielo. Esse valor não inclui a receita das absurdas taxas de anuidade e da emissão de certificados de promoção de grau – algo superior a 3 milhões de reais por ano – que jamais aparece nos balanços financeiros apresentados pela entidade.

De acordo com o critério de distribuição dos recursos do Comitê Olímpico do Brasil, neste ano a CBJ receberá R$ 7.504.998,42. O boxe, modalidade que já superou o judô no número de medalhas e na qualidade das medalhas obtidas em Tóquio, em 2021 terá repasse de R$ 6.666.329,72.

O karatê, que não classificou nenhum atleta para o Japão, receberá R$ 4.262.538,83 em 2021, enquanto o surf e skate, que já conquistaram uma medalha de ouro e três de prata em Tóquio, receberão somente R$ 4.407.513,42 e R$ 4.328.632,30, respectivamente. Os desportos aquáticos, que já garantiram ouro e bronze, terão direito a apenas R$ 5.188.853,23.

É importante lembrar que atualmente pouquíssimas modalidades recebem apoio de empresas estatais ou da iniciativa privada. A maioria vive exclusivamente dos recursos repassados pelo Comitê Olímpico do Brasil e pelo Comitê Brasileiro de Clubes.

Certamente após os resultados do Time Brasil em Tóquio os valores acima serão revistos e atualizados, pois os critérios de distribuição de recursos do COB baseiam-se no rendimento de cada modalidade.

Entendemos que o case CBJ não demanda apenas nova gestão na área técnica, que não se renova há mais de 20 anos. É preciso seguir o dinheiro para descobrir os caminhos que os recursos percorrem na entidade. Primeiro, para estancar o prejuízo e a farra com recursos públicos e, segundo, para fazer com que no futuro parte desses recursos chegue àqueles que fazem o judô acontecer de verdade.

A linha de pensamento dos gestores da CBJ parte do seguinte princípio: quando o atleta vence, os méritos são da CBJ e quando o judoca perde, a culpa recai sobre o péssimo trabalho feito pelos clubes.

É preciso mudar o rumo das coisas e impedir que gestões temerárias continuem fomentando o retrocesso e o sucateamento de uma das principais e mais tradicionais modalidades do alto rendimento do Brasil.

Por fim, somente os dois bronzes do judô tiveram custo superior às medalhas de ouro, prata e bronze conquistadas pela vela, boxe, surfe e maratona aquática. Este custo precisa ser reavaliado e pulverizado.