Budô: a arte (marcial) e a estética

Padrões de beleza tem seus propósitos, nem sempre evidentes © Geraldo de Paula

Respondemos a padrões estéticos, por vezes construídos pela cultura de cada povo, mas há certa unanimidade planetária sobre o belo

Budô
28 de abril de 2021
Por FERNANDO MALHEIROS FILHO
Curitiba (PR)

A estética é o estudo do belo. Faz parte da filosofia, aquela que, por sua vez, significa o estudo do saber humano. Não importa exclusivamente entender a beleza, ou mesmo identificá-la nas suas mais variadas expressões. Mais importante é encontrar as razões que nos motivam a ver beleza no que é belo.

Não se trata de questão de menor relevância. Respondemos a padrões estéticos, por vezes construídos pela cultura de cada povo, mas há certa unanimidade planetária sobre o belo.

Quase sempre o belo – ou a beleza – dispõe de características identificáveis em qualquer quadrante do mundo. O cérebro humano aprecia a ordem, e nesta, a simetria, a harmonia e o equilíbrio. As expressões de beleza vêm impregnadas dessas caraterísticas.

Se aplicados às artes marciais, esses padrões demandam hábeis execuções de técnicas e a demonstração dos elementos fundamentais da ação eficiente envolvendo simetria e sincronia © Geraldo de Paula

E por que esses elementos são vitais à beleza? Esta é a indagação que está nos alicerces da compreensão estética.

A beleza tem seus propósitos, nem sempre evidentes, mas é possível entendê-la a partir dos experimentos e sensações próprios à vida e suas significações. Sem a vida, nenhuma dessas percepções existiria: haveria o mundo como ele é, mas não haveria o que sentimos ao observá-lo.

A vida é ordem na desordem. Sabemos que a vida de cada indivíduo, na perspectiva cósmica, não passa de um pequeno hiato de ordem no caos universal. A morte do ser vivente é sempre a restauração da desordem. Após a morte, apodrecemos; instaura-se o reino da feiura. Por isso apreciamos a ordem e, quando ela se expressa nas suas manifestações externas, vemos beleza.

É claro que tão só essa constatação não explica tudo. Também vemos beleza nas exuberâncias da natureza inanimada, no universo (que teima ser simétrico) ou nas paisagens, mas igualmente identificamos imediatamente o que é teratológico ou monstruoso, aquilo que é fruto da desordem caótica, do desarranjo, da decomposição.

Desses padrões não se afasta a estética quando aplicada às artes marciais. Especialmente ao olho treinado, aquele habituado com os movimentos e hábeis execuções de técnicas, a beleza advém da demonstração dos elementos fundamentais da ação eficiente: da simetria, em se tratando de forma; da sincronia, em se tratando de movimentos ordenados no tempo; da sintonia, quando o praticante e seu corpo demonstram estar espiritualmente presentes e fortes na execução exibida.

Essa a compreensão da estética: ela está a serviço da eficiência máxima; a identificamos como parte da demonstração do elemento finalístico na execução dos movimentos, isto é, produzir os efeitos desejados.

O belo, no exercício da arte, manifesta-se nesse conjunto de elementos, cuja identificação se exige à sua constatação. Sem que deles saibamos e, mais profundamente, os estudemos, corremos o enorme risco em ver beleza na feiura, eficiência na inoperância.

Então, é necessário entender, e profundamente, o conjunto de forças da natureza que governam cada movimento. A beleza estará em identificá-las e compreender sua importância na execução do movimento observado, mesmo que se trate do observador observando a si mesmo. Não é possível sequer cogitar de beleza quando os padrões estéticos não foram devidamente identificados.

Essa é a razão pela qual a investigação da estética ganha relevância transcendente na prática marcial. É preciso entendê-la em seus elementos fundantes, sob o risco de, não o fazendo, legitimar o feio e, talvez o pior, ver beleza onde somente há feiura. E, quando vemos beleza na feiura, quase sempre acabamos por consagrar a inutilidade.

Fernando Malheiros Filho
é professor de karatê-dô, historiador
e advogado, especialista em direito
da família e sucessões