Competir ou cooperar, eis a questão!

A competição deve ser utilizada como instrumento de educação e socialização

Cooperação é um processo de interação social, cujos objetivos são comuns com ações compartilhadas, a competição é um processo de interação social, cujos objetivos são mutuamente isolados e exclusivos

Psicologia do Esporte
21 de novembro de 2020
Por ANDERSON DIAS DE LIMA I Fotos BUDOPRESS
Artigo originalmente publicado pela Revista Budô em 2013
São Paulo – SP

Pensando a iniciação e a prática desportiva, pelo ponto de vista educacional e formativo, temos o elemento da competição como um tema controverso, quando se trata da sua real contribuição para o processo em questão.

A hipercompetitividade estimulada, especialmente nas primeiras faixas etárias, pode ser considerada um bom instrumento de promoção da educação global dos praticantes?

Não estamos considerando aqui o processo da competição de alto rendimento, que geralmente, vem acompanhado de tantos vícios contrários aos princípios relacionados à educação, formação e socialização adequados, defendidos pelos estudos pedagógicos ao longo de sua história.

O processo de competição necessita de uma análise muito mais criteriosa, no sentido de que o seu resultado possa ser benéfico a todos

Uma proposta alternativa tomou força, especialmente na década de 1990, chamada jogos cooperativos. Ela tem por base estudos fundamentados pela ciência e pedagogia do esporte, inclusive resgatando práticas de promoção do bem-estar comuns a vários povos do passado, que se utilizavam dos jogos, da dança e das expressões corporais.

Um dos pioneiros do estudo dessa proposta no Brasil, Fábio Otuzi Brotto, em sua tese de mestrado em 1999, pela Universidade de Campinas (Unicamp), compara a proposta competitiva e a cooperativa:

Cooperação: é um processo de interação social, cujos objetivos são comuns, as ações são compartilhadas e os benefícios são distribuídos para todos.

Competição: é um processo de interação social, cujos objetivos são mutuamente exclusivos, as ações são isoladas ou em oposição umas às outras, e os benefícios são concentrados somente para alguns.

Tomando essas duas propostas de aplicação da prática desportiva, competitiva e cooperativa, como instrumentos de formação e educação global da criança, muitas vezes temos observado uma discussão em que cada segmento tenta validar o seu ponto de vista de forma radical e excludente.

Os partidários da competição defendem que a vida é um processo competitivo desde a sua formação, passando pela seleção natural das espécies, na qual sempre se sobressaem os mais adaptados ao ambiente.

Para essa linha de pensamento, será importante que o processo de educação e formação do indivíduo contemple sempre a competição como meio de prepará-lo para tornar-se forte e bem adaptado aos desafios que irá enfrentar pelos caminhos da vida cotidiana.

Alegam, ainda, que os jogos cooperativos não exercem o mesmo poder de atração e de interesse da competição, como proposta de atividade esportiva agradável, eficiente e desafiadora para a prática infantil.

A principal contribuição da prática esportiva na infância é a formação física saudável, assim como a educação global e a boa integração social dos praticantes

Por outro lado, outros profissionais do esporte defendem um processo de mais cooperação e menos competição, como instrumento para a construção de uma sociedade mais solidária.  Argumentam que a atração e o interesse dos praticantes dependem muito da forma como se apresentam as atividades e os desafios contidos nos referidos jogos e que a hipercompetitividade serve apenas para seleção dos talentos, excluindo os menos adaptados.

Apesar das considerações já apresentadas, será que poderíamos realmente considerar as duas propostas totalmente excludentes, uma em relação à outra?

Não haveria uma forma de aproveitarmos os aspectos positivos de cada uma delas e montar um processo intermediário entre ambas?

Logicamente, o processo da competitividade humana não pode ser tratado de forma simplista, pois a sua compreensão envolve fatores de difícil análise, com estudos complexos e dependentes de diversos campos da ciência, tendo as suas raízes inseridas no seio da humanidade, tanto biológica quanto sociologicamente falando, desde os seus primórdios.

Segundo a Wikipédia (Enciclopédia Eletrônica), competição tem o seguinte conceito:

Competição é a interação de indivíduos da mesma espécie ou espécies diferentes (humana, animal ou vegetal) que disputam algo. Esta disputa pode ser pelo alimento, pelo território, pela luminosidade, pelo emprego, pela fêmea, pelo macho etc. Logo, a competição pode ser entre a mesma espécie (intraespecífica) ou de espécie diferente (interespecífica). Em ambos os casos, esse tipo de interação favorece um processo seletivo que culmina, geralmente, com a preservação das formas de vida mais bem adaptadas ao meio ambiente, e com a extinção de indivíduos com baixo poder adaptativo.

Entretanto, ao analisarmos o processo da competição na espécie humana, temos de considerar a questão racional do homem, o que lhe proporciona a consciência de si próprio, dos seus semelhantes, do passado, presente e futuro, assim como do meio em que vive e dos seus sentimentos afetivos e sociais.

Esta faculdade humana, que o diferencia dos outros seres vivos, lhe dá o poder de escolha em suas ações, gerando aí uma necessidade de instrumentos, também racionais, para regular as relações interpessoais, bem como com o ambiente em geral.

Dessa maneira, o processo de competição entre seres humanos necessita de uma análise muito mais criteriosa, no sentido de que o seu resultado possa ser benéfico a todos, e não somente aos vencedores dos confrontos ou, pior ainda, em muitos casos, ser prejudicial a todos, vencedores, perdedores e ambiente em geral.

Não vejo diferença desse raciocínio, quando falamos das competições desportivas, pois é justamente nos discursos dentro desse ambiente específico que sempre tivemos um conteúdo que apregoa um propósito educacional, defendendo o esporte como meio de socialização e integração dos povos.

Especialmente quando tratamos a atividade esportiva como prática para crianças e adolescentes, penso que a sua maior contribuição seja realmente a formação física saudável, assim como a educação global e a boa integração social de seus praticantes.

Dentro desse raciocínio de utilizar a competição desportiva como instrumento de educação e socialização, o papel do professor, instrutor ou do técnico toma um significado muito importante dentro do processo. Cabe a ele, especialmente, ser o elemento mediador para que o resultado final, independentemente da vitória ou da derrota, seja orientado para o aspecto positivo da formação e da educação global do praticante.

Isto implica, logicamente, um profissional que esteja realmente bem formado e qualificado para compreender e aplicar, de forma positiva e eficiente, todos os conceitos do conhecimento científico, não somente da modalidade foco, no nosso caso o judô, mas também da ciência e pedagogia do esporte, assim como das diversas áreas correlacionadas.

Assim sendo, penso que podemos aproveitar os pontos positivos tanto da prática competitiva quanto da prática dos jogos cooperativos, aliados aos conceitos pedagógicos, sociológicos e afins, para orientarmos os nossos esportistas mirins na construção de uma sociedade mais justa e perfeita em todos os aspectos da evolução humana.

Anderson Dias de Lima é
• Graduado em educação física pela PUC-CAM
• Pós-graduado lato sensu pela Universidade Castelo Branco (RJ)
• Professor Kodansha 7º dan FPJ/CBJ
• Ex-delegado regional da 8ª Região Oeste de São Paulo
• Ex-diretor de ensino e credenciamento técnico da FPJ
• Membro da Comissão de Estudos da FPJ nos Jogos Olímpicos de Atlanta 1996
• Membro da Comissão de Estudos da FPJ no Campeonato Mundial de Paris de 1996
• Membro da Comissão de Cursos da FPJ desde 1995
• Membro da banca examinadora da FPJ desde 1999
• Professor da disciplina princípios da educação física infantil e conceitos pedagógicos aplicados à iniciação esportiva no curso para provisionados
• Articulista da Revista Budô desde 2010

Referências bibliográficas
1 – Brotto, Fábio Otuzi. Jogos cooperativos: o jogo e o esporte como um exercício de convivência. Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Física, 1999.
2 – Kunz, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: UNIJUÍ, 1994.
3 – Wikipédia, a enciclopédia livre. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Competição). Consulta: 04/01/2013.