Daniel Cargnin é prata, Shirlen Nascimento conquista bronze e Brasil assume o 5º lugar no Mundial de Judô

Daniel Cargnin projeta o kosovar Akil Gjakova nas oitavas de final, abrindo caminho para sua histórica primeira final em mundiais seniores © Kulumbegashvili Tamara / FIJ

O terceiro dia de disputas foi marcado por surpresas, como o feito de Liparteliani, que fez história ao conquistar o ouro para a Geórgia, e a trajetória de Daniel Cargnin, que venceu Ishihara nas quartas, superou o sérvio Bajsangur na semifinal e assegurou a primeira final brasileira no Mundial da Hungria.

Por Paulo Pinto / Global Sports
Curitiba, 15 de junho de 2025

Após o desempenho surpreendente dos dois pesos leves do Brasil, que se impuseram nos tatamis e projetaram o país no quadro geral de medalhas — atrás apenas de Japão (1º), França (2º), Itália (3º) e Geórgia (4º) —, o Brasil voltou a figurar entre as maiores potências do judô mundial.

Para aqueles que costumam relativizar aquilo que realmente não compreendem, a conquista do gaúcho Daniel Cargnin pode até ser banalizada. No entanto, é importante lembrar que o judô masculino brasileiro não disputava uma final de Campeonato Mundial há oito anos. A última vez também foi em Budapeste, em 2017, quando David Moura (+100kg) conquistou a prata após ser superado por Ted Riner — que, na ocasião, sofreu muito e contou com a conivência da arbitragem para conter o ímpeto do judoca mato-grossense.

Antônio Carlos Pereira, o Kiko, técnico da seleção brasileira masculina e responsável direto pela formação de Daniel Cargnin, acompanha atento a final em Budapeste © Sabau Gabriela / FIJ

Vale destacar ainda que quase 600 atletas de 96 países desembarcaram em Budapeste com o mesmo objetivo — todos, sem exceção, muito bem preparados. Assim, a prata e o bronze conquistados hoje pelos nossos heróis do peso leve, somadas ao quinto lugar de Michel Augusto (60kg) na sexta-feira 13, recolocam o Brasil na elite do judô mundial. E ainda restam quatro dias de disputas individuais, além da competição por equipes mistas.

Caminho duríssimo

O judoca da Sogipa (RS) chegou a Budapeste como 22º do ranking mundial, precisando vencer, no mínimo, três lutas para chegar às quartas de final e sonhar com uma medalha.

Na estreia, enfrentou o alemão Igor Wandtke — rival que o havia derrotado na competição por equipes mistas em Paris. Mas, dessa vez, a história foi diferente. Cargnin entrou determinado, agressivo e, com menos de dois minutos, marcou um wazari e, em seguida, um ippon para avançar. Na segunda rodada, superou Jahja Nurkovic, de Montenegro, com um yuko.

Pódio masculino dos (73kg) reúne grandes nomes da categoria: o francês Joan-Benjamin Gaba (ouro), o brasileiro Daniel Cargnin (prata), o japonês Tatsuki Ishihara e o emiradense Makhmadbek Makhmadbekov (bronzes). A premiação foi entregue por Carlos Zegarra Presser, presidente da Confederação Pan-Americana de Judô © Sabau Gabriela / FIJ

Nas oitavas de final, travou uma batalha contra Akil Gjakova, do Kosovo, seu algoz nas disputas individuais em Paris 2024. O combate seguiu por mais de quatro minutos de golden score, com ambos pendurados nas punições, até o brasileiro acelerar o ritmo e forçar a terceira punição ao adversário por falta de combatividade.

Nas quartas, encarou o japonês Tatsuki Ishihara, atual número quatro do mundo e vice-campeão mundial em 2024. A dez segundos do fim, Cargnin encaixou um yuko e administrou o placar até o final. Já na semifinal, enfrentou o sérvio Bajsangur Bagajev, em um combate tenso decidido nas punições (3-0), novamente no golden score.

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Na grande final, enfrentou o francês Joan-Benjamin Gaba, atual vice-campeão olímpico. Daniel começou agressivo, forçando uma punição por passividade ao adversário. Depois, recebeu uma punição por pegada irregular na perna e manteve o empate até o fim do tempo regulamentar. No golden score, acabou sendo projetado por wazari e conquistou a medalha de prata na principal competição do ano.

Currículo robusto

“A gente costuma dizer que o Mundial, às vezes, é até mais difícil que a própria Olimpíada, porque pode dobrar algumas categorias. Em relação a Los Angeles, agora é manter o pé no chão. No ciclo passado, quando medalhei no Mundial, já pensei logo na Olimpíada também. Eu ficava pensando só no futuro e não aproveitava o presente, sabe? Então, agora é aproveitar essa medalha de prata. Acabei de perder a final, mas estou muito feliz pela postura que tive no tatame. Acho que tenho que me manter resiliente, porque as derrotas não podem ser o fim do mundo e a vitória também não pode ser o motivo para parar de treinar. Agora é colocar a cabeça no lugar para tentar ajudar a equipe ao máximo na competição por equipes”, disse o brasileiro, que representa a Sogipa.

Shirlen Nascimento projeta Maysa Pardayeva, do Turcomenistão, na disputa pelo bronze e garante sua primeira medalha em mundiais seniores © Sabau Gabriela / FIJ

Campeão mundial júnior em Zagreb (2017), Cargnin agrega agora mais uma medalha importante ao seu extenso currículo, que inclui dois bronzes olímpicos: em Tóquio 2020 (66kg) e em Paris 2024 (equipes mistas). Soma ainda o ouro no World Masters de Jerusalém 2022 (-73kg); ouro, prata e bronze nos Grand Slams de Brasília 2019, Paris 2023 e Tel Aviv 2023; três pratas nos Jogos Pan-Americanos — Lima 2019 (66kg) e duas em Santiago 2023 (individual -73kg e por equipes mistas). Em Campeonatos Pan-Americanos, seu histórico é impressionante: pentacampeão entre 2019 e 2023, além de quatro pratas em outras edições.

Na estreia em Mundiais, Shirlen conquista bronze histórico

Com trajetória meteórica no alto rendimento, a paranaense Shirlen Thais do Nascimento, de 25 anos, natural de Toledo (PR), lutou muito desde a infância para atingir seus objetivos. Aos 7 anos, iniciou sua caminhada no projeto social comandado pelo renomado professor Ricardo dos Santos, que logo identificou nela um talento raro e soube lapidar o diamante que a vida lhe apresentou.

Após transferi-la do projeto para seu dojô, a Associação de Judô Ricardo dos Santos, o técnico passou a conduzir cada etapa da formação da jovem promessa, cuja marca pessoal sempre foi a superação. “A Shirlen é motivada por desafios, e sua principal característica é superá-los. Por conhecê-la desde criança, só pela forma como ela encarou a sul-coreana hoje pela manhã eu sabia que ela ia atropelar”, disse o sensei Ricardinho.

Comemoração emocionada de Shirlen Nascimento com a técnica Andréa Berti © Sabau Gabriela / FIJ

Ela possui um o-uchi-gari fortíssimo, mas, segundo seu sensei, seu tokui-waza é o de-ashi-harai, que costuma desequilibrar as adversárias. “É claro que ela possui um repertório vasto de técnicas, mas seu diferencial está na frieza e na inteligência para utilizá-las de forma precisa e no momento exato.”

Quando completou 15 anos, Ricardinho decidiu alavancar sua trajetória e levou-a para Bastos, onde ficou quase dois anos sob os cuidados do sensei Uichiro Umakakeba. Aos 17, migrou para a equipe de São Caetano e, em seguida, para o Minas Tênis Clube. Atualmente, está sob a orientação de outra lenda dos tatamis: o sensei Alexandre Lee, head coach da forte equipe do SESI-SP, em Botucatu.

Shirlen começou a trilhar o caminho no cenário internacional no fim de 2024, no Grand Slam de Abu Dhabi, onde conquistou sua primeira medalha de bronze. A competição marcou o início da jornada até o Mundial de 2025. A medalha nos Emirados lhe garantiu vaga na Seletiva Nacional; a classificação na Seletiva a levou ao Campeonato Pan-Americano, onde foi campeã. O título continental abriu as portas para o Grand Slam de Astana, no Cazaquistão, onde voltou a conquistar o bronze. E foi esse desempenho consistente que a levou à convocação para Budapeste.

No Mundial, o sorteio colocou a brasileira diante da sul-coreana Mimi Huh, atual vice-campeã olímpica e campeã mundial, logo na primeira rodada. Mas Shirlen entrou ligada nos 220 volts, anulou a adversária e conseguiu projetá-la com um wazari. Em seguida, nas oitavas de final, derrotou Yu-Chieh Yang, de Taiwan, também com um wazari nos segundos finais.

Pódio da categoria (57kg): Eteri Liparteliani (GEO) celebra o ouro ao lado de Momo Tamaoki (JPN), prata, e das medalhistas de bronze Shirlen Nascimento (BRA) e Sarah Leonie Cysique (FRA) © Sabau Gabriela / FIJ

Nas quartas, veio o único revés do dia, contra a japonesa Momo Tamaoki, que mais tarde conquistaria a medalha de prata. Shirlen sofreu com o forte ne-waza da adversária e acabou derrotada por osae-komi, sendo enviada à repescagem. Na disputa, enfrentou a sérvia Marica Perisic, sexta colocada no ranking mundial e uma das favoritas da categoria. A sete segundos do fim, Shirlen encaixou um ashi-waza perfeito e projetou a sérvia de ippon, garantindo vaga na luta pelo bronze.

Na decisão pela medalha, Shirlen enfrentou Maysa Pardayeva, do Turcomenistão. No golden score, Shirlen primeiro projetou a adversária com yuko, que acabou anulado pela arbitragem. Após o hajime, porém, ela jogou de novo, desta vez de wazari, encerrando o combate e conquistando sua primeira medalha em Mundiais da Federação Internacional de Judô.

Quem Subiu ao Pódio hoje em Budapeste

No masculino (73kg), o francês Joan-Benjamin Gaba conquistou o título mundial após uma trajetória impecável. O brasileiro Daniel Cargnin, que brilhou ao longo da jornada e garantiu a primeira final do país neste Mundial, ficou com a medalha de prata. Os bronzes foram para Makhmadbek Makhmadbekov, dos Emirados Árabes Unidos, e para o japonês Tatsuki Ishihara, número 4 do mundo e vice-campeão mundial em 2024. Completaram o top 5 Bajsangur Bagajev (Sérvia) e Manuel Lombardo (Itália), seguidos por Otari Kvantidze (Portugal) e Rashid Mammadaliyev (Azerbaijão) nas sétimas colocações.

No feminino (57kg), a georgiana Eteri Liparteliani escreveu uma página histórica ao conquistar o primeiro título mundial da categoria para seu país. A prata ficou com a japonesa Momo Tamaoki, e os bronzes foram para a francesa Sarah Leonie Cysique e para a brasileira Shirlen Nascimento, que brilhou em sua estreia em mundiais. As quintas colocações foram ocupadas por Maysa Pardayeva (Turcomenistão) e Shukurjon Aminova (Uzbequistão), enquanto Marica Perisic (Sérvia) e Pihla Salonen (Finlândia) fecharam em sétimo.

Conexão com o presente e o futuro

O desempenho do Brasil neste terceiro dia comprova a eficácia do trabalho da gerência de alto rendimento da Confederação Brasileira de Judô, que tem se mostrado sensível e estratégica ao abrir espaço para novos talentos, ao mesmo tempo em que mantém o país entre as maiores potências do judô mundial. A performance de Shirlen e Cargnin, somada ao quinto lugar de Michel Augusto, é reflexo direto de uma gestão técnica comprometida, ousada e conectada com o presente e o futuro do esporte.

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