Detalhes que fazem a diferença

O karatê e o judô são modalidades que demandam alto nível de atenção, foco em seus objetivos e nas iniciativas do adversário

O verdadeiro guerreiro é aquele que mesmo no calor da batalha mantém o espírito calmo como a superfície de um lago que reflete perfeitamente a Lua

Psicologia do Esporte
11 de abril de 2020
Por Prof. Dr. PETERSON ANTUNES DE CAMPOS I Fotos PACO LOZANO e WKF.NET
Artigo publicado em 2011 na Revista Budô
Curitiba – PR

Existem relatos históricos de homens que com poucos recursos conquistaram a vitória em situações muito difíceis. O que fez a diferença nestes casos não foi a parte material, mas a postura frente aos desafios. No Templo Shao Lin, quando um discípulo inicia o treinamento para tornar-se monge-guerreiro, os primeiros ensinamentos relacionam-se ao autocontrole e à capacidade de mobilizar os recursos disponíveis. O verdadeiro guerreiro é aquele que mesmo no calor da batalha mantém o espírito calmo como a superfície de um lago que reflete perfeitamente a Lua.

No esporte de alto rendimento, atletas são preparados por profissionais da ciência do esporte enfatizando os conhecimentos teóricos e práticos. Um profissional da ciência do esporte que pode contribuir para melhorar o atleta, além do técnico, é o psicólogo esportivo. Para isso ele deve empregar técnicas psicofisiológicas, como regular a ativação e a ansiedade; utilizar técnicas de mentalização e visualização da luta; aumentar a autoconfiança; estabelecer metas efetivas e, ainda, fortalecer a concentração para suportar a pressão competitiva.

A consciência da situação permite que os atletas avaliem os elementos da luta, o adversário e a competição, fornecendo, assim, feedback para tomada de decisões apropriadas, baseadas na situação.   

Embora muitas coisas possam afetar o resultado de uma luta, uma das ocorrências mais comuns e problemáticas é a dificuldade de manter o foco do atleta nos aspectos pertinentes à luta, pois existem muitos pontos de distração (seus companheiros tentando passar informações, a torcida, pais gritando etc.), o que gera pensamentos simultâneos, podendo prejudicar o rendimento. Promover a focalização e concentração em sinais relevantes (atenção seletiva) e afastar ou eliminar os sinais irrelevantes, fazendo-o lidar efetivamente com a atenção e a concentração e tomar consciência da situação, pode contribuir de forma positiva nas futuras ações do atleta.  A capacidade de entender o que está acontecendo à sua volta é um aspecto muito interessante.

Rafaela Silva no mundial de Paris 2011 quando conquistou o vice-campeonato mundial

Essa capacidade é conhecida no meio esportivo como consciência da situação; ela basicamente permite que os atletas avaliem os elementos da luta, o adversário e a competição, fornecendo, assim, feedback para tomada de decisões apropriadas, baseadas na situação.

No judô é possível reestruturar o combate aproveitando uma das paralisações aplicadas pelo árbitro durante a luta: o mate. Já presenciei atletas perderem uma luta devido à falta de atenção em pequenos detalhes, como não observar o placar, não verificar o tempo restante etc. Os resultados poderiam até ter sido outros se treinássemos e ensinássemos nossos atletas a executarem alguns procedimentos básicos sequenciais, programados durante o comando de um mate.

O tempo de pausa (mate) durante o combate gira em torno de seis a 15 segundos e pode ocorrer aproximadamente de oito a 12 vezes numa luta de cinco minutos.  A duração do mate é normalmente progressiva. Os primeiros intervalos tendem a ser mais curtos e os últimos, mais demorados.

Eis aqui um roteiro comportamental utilizado por atletas de alto rendimento que poderá ajudar os judocas durante o combate.

Proposta para a melhor utilização do tempo de mate    

Primeira fase   

1 – Olhar o placar para ver a pontuação

2 – Olhar o tempo de luta (verificar quanto falta para terminar)

3 – Olhar para o técnico (escutar as informações).

4 – Focalizar nas próprias sensações e pensar em frases positivas, como: “Estou bem e concentrado, vamos para a luta”.

Uma vez processadas as primeiras informações, o atleta deve iniciar a segunda fase durante o mate, a qual consiste em montar ou definir a estratégia a ser tomada de acordo com a leitura e a interpretação da luta, ou seja, mantê-la ou modificá-la, como segue:

Segunda fase

1 – Iniciar a recuperação com técnicas de hiperventilação (ajuda na redução de ansiedade).

2 – Tomada de decisão (o que vou fazer a partir do comando de hajime). Exemplos: Como conseguir minha pegada? Como evitar a pegada do adversário? Como me movimentar?

O treinamento desta estruturação (ou rotina) pode ajudar o atleta a manter-se atento durante toda a competição. Basicamente, essa rotina acaba aumentando a probabilidade de o atleta não ser distraído internamente ou externamente antes e durante o combate, ajudando-o, assim, a desviar sua atenção de pensamentos irrelevantes para pensamentos relevantes e manter-se focado em sua estratégia de luta e nas ações do adversário.

O professor doutor Peterson Antunes de Campos é
profissional de educação física e psicólogo esportivo