15 de novembro de 2024
Doria exibe academia no Palácio dos Bandeirantes, descumpre normas do Plano São Paulo e gera revolta
Na contramão do que mostra a ciência, João Doria proíbe a abertura de academias, clubes, dojôs e similares, e inaugura espaço voltado à saúde dos 1.500 funcionários palacianos
Cotidiano
5 de agosto de 2020
Por PAULO PINTO
Fotos BUDOPRESS, FILIPE REDONDO / ÉPOCA e UESLEI MARCELINO / REUTERS
São Paulo – SP
No último domingo (2 de agosto), João Doria, governador do Estado de São Paulo pelo PSDB, postou em suas redes sociais um vídeo no qual exibe a academia montada no Palácio dos Bandeirantes, destinada aos 1,5 mil colaboradores do Executivo.
João Doria gravou o vídeo treinando na academia que, segundo ele, foi totalmente custeada pelo setor privado, e causou muita polêmica e grande revolta na população que se vê impedida de retomar a atividade física devido à proibição imposta pelo governo estadual.
Após toda a controvérsia causada entre usuários e proprietários destes estabelecimentos, que enfrentam sérias dificuldades financeiras, o vídeo que mais uma vez expõe o modus operandi e o desrespeito de João Doria à população que o elegeu foi excluído das redes sociais do governo do Estado.
A Budô ouviu o professor Nelson Leme da Silva Júnior, presidente do Conselho Regional de Educação Física da 4ª Região (CREF4/SP), que além de considerar o ato do governador paulista absolutamente inoportuno e incoerente, disse que ele expõe a fragilidade de um posicionamento que equivocadamente há mais de 120 dias cerceia o direito de as pessoas se protegerem do covid-19 por meio da prática esportiva.
“O fato é que o governo do Estado de São Paulo é responsável por determinar o fechamento das academias e proibir a prática de atividade física, ignorando que o profissional de educação física integra o rol de profissões da saúde e está treinado pelo Ministério da Saúde por meio da ação estratégica O Brasil conta comigo – Profissionais da Saúde para o enfrentamento da pandemia da covid-19, afirmou o dirigente, que mostrou sua indignação pela arbitrariedade que atenta contra a saúde da população e a cada dia inviabiliza milhares de estabelecimentos.
“O vídeo do governador é um tapa na cara do profissional de educação física e da sociedade que em muitas cidades continuam impedidos de realizar a prática de atividade física orientada, enquanto poucos privilegiados de um palácio têm ao seu dispor uma academia custeada com recursos públicos. Enquanto a categoria derrete sem emprego e renda, nossos governantes ignoram os protocolos criados pelo CREF4/SP e mantêm o fechamento das academias em grande parte do Estado de São Paulo, sem qualquer embasamento técnico ou científico. Digo incoerente porque o governador proibiu a abertura das academias sob o fundamento de que não são seguras, entretanto, o vídeo revela que ele pratica atividade física em academia. Não é crível que, com as informações de que ele dispõe, frequente a academia. Se de fato tivesse a informação de que tal local é de risco para contaminação, ele certamente não estaria treinando.”
Para o dirigente do Conselho Regional de Educação Física o vídeo de João Doria praticando atividade física em academia é a prova cabal de que o ambiente é absolutamente seguro e o próprio governador deveria vir a público liberar o funcionamento das academias, clubes, estúdios, dojôs, box e demais espaços que fomentam a prática de atividade física, pois isso certamente irá acelerar o processo de recuperação da saúde física e mental da população paulista.
O CREF4/SP informou que realizou vistoria na academia do Palácio dos Bandeirantes prontamente. “Imediatamente após assistirmos ao vídeo, determinamos a fiscalização do local, objetivando verificar a regularidade junto ao CREF4/SP, a presença do profissional de educação física qualificado e registrado, assim como o cumprimento dos protocolos exigidos.”
Do ponto de vista físico a academia do palácio atende às normas e exigências estabelecidas pelo CREF4/SP, mas o espaço não foi cadastrado no conselho. Fora isso, os protocolos do município de São Paulo, bem como o Plano São Paulo, recomendam que as pessoas integrantes do grupo de risco não devem frequentar as academias. Ao que se sabe o governador João Doria tem mais de 60 anos de idade, pertence ao grupo de risco e o vídeo revela que ele descumpriu sua própria recomendação.
“Os governantes não estão cima da lei e devem dar exemplo. Embora o governo do Estado de São Paulo seja o responsável pelo fechamento das academias, o vídeo que mostra o governador, que pertence ao grupo de risco, realizando atividade física em academia é a prova cabal de que as academias são ambientes seguros e não deveriam estar fechadas.”
“Não cabe ao CREF4/SP fiscalizar o cumprimento das normas do Plano São Paulo, mesmo porque não concorda com algumas medidas adotadas, especialmente a proibição de funcionamento dos locais de trabalho dos profissionais de educação física. No momento da fiscalização não encontramos irregularidade no cumprimento do protocolo sanitário do município de São Paulo. Entretanto, o vídeo revela o governador do Estado, integrante do grupo de risco, frequentando a academia, o que não é recomendado nos protocolos sanitários. Em razão desse fato o CREF4/SP realizará outras fiscalizações no local.”
O dirigente reforça que a importância da atividade física orientada para a saúde é inegável. “Somos a única profissão que efetivamente promove saúde, enquanto as outras tratam da enfermidade. O fechamento dos locais de prática de atividade física orientada trará sérios reflexos à saúde da população no médio e longo prazo e, ao que parece, o governador reconheceu esse fato no vídeo. Lamentamos a incoerência de João Doria, que não pratica o que prega.”
Para o presidente do CREF4/SP faltou seriedade ao governo do Estado de São Paulo ao determinar o fechamento dos locais de prática de atividade física, e faltou diálogo, já que o conselho não foi ouvido antes da adoção dessa medida drástica e descabida. “Evidentemente estamos diante de uma briga política e lamentavelmente os profissionais de educação física e a população é que estão sofrendo as consequências desse embate”, disse o dirigente que destacou as mediadas adotadas pelo conselho, no sentido de viabilizar alternativas.
“A população só não foi privada totalmente da prática da atividade física porque o CREF4/SP teve a coragem de regulamentar ferramentas eletrônicas nas modalidades teleconsulta, teleaula, teleconsultoria e análise de metadados por meio da resolução CREF4/SP № 123/2020, garantindo ao profissional de educação física e à sociedade a possibilidade da prática de atividade física orientada a distância. Estudamos a possibilidade de propor demandas judiciais, entretanto, esbarramos em questões legais e nas competências que a lei conferiu aos conselhos regionais.”
Voltando a avaliar a inconsistência dos argumentos do Executivo paulista, Nelson Leme lamentou a falta de interesse de um governo que não prioriza a saúde física e mental dos cidadãos.
“Lamento a postura irresponsável do governador. Pode ser legal o governo possuir uma academia no palácio, mas não me parece moral, sobretudo quando a população, por ordem desse mesmo governo, foi tolhida de frequentar esses locais. Os protocolos sanitários estabelecidos são claros ao vedar a presença de pessoas do grupo de risco nas academias. É triste saber que o governador do Estado descumpre essa norma. Observamos que infelizmente ainda vivemos num mundo com muitos privilégios para poucos.”
Recentemente a revista Empresário Fitness & Health publicou artigo que expõe um estudo acadêmico de larga escala que concluiu não existir ameaça de aumento da propagação do covid-19 nas instalações fitness como um todo, e mesmo com toda a evidência científica o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) não desenvolveu nenhuma iniciativa em favor dos profissionais de educação física.
“Infelizmente nas plenárias de que participei do CONFEF nunca houve discussão desses estudos. Integro a plenária da entidade e faço aqui uma autocrítica: o órgão federal gastou sua energia com temas burocráticos; creio que seria necessário pautar assuntos mais voltados aos profissionais de educação física que, repito, derretem sem emprego e renda”, argumentou o dirigente paulista.
“Estou convencido de que o fato de o CONFEF estar sediado no Rio de Janeiro atrapalha a interlocução com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, sediados em Brasília (DF). Ainda que reconheça que uma articulação nacional por meio do CONFEF seria o ideal, o CREF4/SP e os demais CREFs não ficaram inertes. Nosso regional tem dado ampla divulgação a essas pesquisas, inclusive oficiando a órgãos de imprensa que insistem em divulgar equivocadamente que a prática da atividade física não é segura, com base em opiniões pessoais, ignorando que existem estudos científicos, feitos por países e entidades seríssimas e reconhecidas em nível mundial, que apontam o contrário”, lamentou o dirigente.