19 de novembro de 2024
Edgar Bull retorna do Japão, onde aprofundou seu conhecimento sobre treinamento de Aiki
Membro da segunda geração de professores do Instituto Takemussu de Aikidô (ITA), pela sétima vez o sensei go-dan Edgar Bull esteve no Japão em busca de maior vivência no estudo de Aiki.
Por Paulo Pinto / Global Sports
8 de maio de 2023 / Curitiba (PR)
Nascido em São Paulo em 15 de outubro de 1985, Edgar Sallum Bull é engenheiro civil formado na USP com pós-graduação em engenharia de segurança do trabalho e higiene ocupacional e graduado em direito. Iniciou a prática do aikidô em setembro de 1992, aos 6 anos. Hoje com 38, é faixa-preta go-dan (5º dan) e segue na busca de aperfeiçoamento, razão pela qual já esteve sete vezes no Japão.
Em cada uma dessas viagens levava um objetivo específico, mas em abril deste ano sensei Edgar Bull partiu em busca de aprofundamento no treinamento de Aikijujutsu.
“Fui ao Japão para novo estágio com o professor com quem treino desde 2010. Como arte marcial, o aikidô tem origem no aikijujutsu, que é a arte-mãe do aikidô. Uma arte cujo fundador foi sensei Sokaku Takeda, nascido em 10 de outubro de 1859 e herdeiro de uma das mais tradicionais linhagens de kobudô, que foi por ele restaurada e renomeada de Daito-ryu Jujutsu. Seu passamento deu-se em 25 de abril de 1943. Era muito famoso e se alguém tivesse algum problema sério com outra pessoa e contasse a ele, depois de um tempo essa pessoa provavelmente apareceria morta numa estrada. Ele dominava uma técnica muito forte e o O-sensei aprendeu muita coisa com ele.”
Edgar Bull conta que o mestre Sokaku Takeda teve dois alunos notáveis, Yukiyoshi Sagawa e Kodo Horikawa, ambos já falecidos. Kodo Horikawa, por sua vez, teve um aluno muito famoso, Seigo Okamoto, a principal referência do Daito-ryu Jujutsu, que também já faleceu. Sensei Bull estagiou com um mestre, que treinou 20 anos com Seigo Okamoto, mas que ao mesmo tempo treinava no Aikikai Hombu Dojo.
“A primeira vez que estagiei com esse professor foi no fim de 2010; a segunda foi no final de 2011 e a terceira, agora”, prossegue Edgar Bull. “Ele veio duas vezes ao Brasil, e sempre mantive vínculo com ele por intermédio do meu pai, shihan Wagner Bull. Por meio dele soubemos que embora Morihei Ueshiba (1883-1969), o fundador do aikidô, tivesse aprendido as técnicas do aikijujutsu, ele não levou isso adiante.”
Com a morte do doshu Morihei, seu filho Kisshomaru Ueshiba tornou-se o novo Doshu e assumiu o Hombu Dojo em 1969. Na gestão dele criou-se uma metodologia, criaram-se os katas e estabeleceu-se uma fórmula institucional para expandir o aikidô pelo mundo afora. Começou-se então a treinar o aikidô por meio da repetição de formas catalogadas e estereotipadas, deixando de conscientizar o praticante de que elas seriam apenas exercícios para se aprender os princípios e fundamentos das técnicas, e não técnicas propriamente ditas. Conforme ensina o shihan Wagner Bull, a importância da prática dos katas é ensinar ao subconsciente como reagir diante do conflito levando em conta o ataque, para poder controlá-lo sem fazer força ou usar de violência.
Aikidô, na verdade, não é luta, ao contrário de outras modalidades competitivas, como o judô, karatê e taekwondo, cujos praticantes treinam fundamentos e estratégias para combater e vencer. No aikidô, diante do conflito, se objetiva controlar e harmonizar com o ataque buscando o equilíbrio e a harmonia. O aikoista não quer vencer, quer transformar o agressor em companheiro. Aquilo que observamos nos vídeos e nos dojôs não são técnicas de lutas, mas exercícios para se aprender a se comportar diante de um ataque iminente.
“Até aí não vemos nenhum problema, pois todas as modalidades japonesas possuem katas. Aliás, no Japão tudo é kata. O problema gravíssimo em minha modesta opinião é que as pessoas estão misturando tudo. E o pior: os professores atuais, que não sabem lutar, começam a dominar os katas e passam a pensar que os katas são lutas. Eles vendem a ideia de que os katas são aikidô, porque foram ensinados assim. Isto está errado. O aikidô do fundador era Takemussu (marcial criativo), não tinha técnica e o aikidoista criava uma técnica eficiente no momento em que era atacado, usando o princípio de Aiki. Por esta razão o shihan Wagner Bull deu nome do seu dojô de Takemussu porque era assim que Morihei Ueshiba chamava esta técnica de improvisação e autodefesa, usando o princípio do Aiki.”
Sensei Edgar observa que o filho do fundador sempre ensinou kata esperando que com o tempo o Aiki surgisse naturalmente; os grandes shihans do mundo todo e seus discípulos, também. Mas isso ocorreu porque o O-sensei não transmitiu as técnicas de aikijujutsu que aprendeu para todos, apenas para poucos alunos.
Toda a orientação que Edgar Bull recebeu nesta viagem ao Japão veio de alguém que por décadas frequentou os melhores centros de Aiki no Japão. “Meu mestre assegurou que viu o próprio O-sensei fazendo técnicas de aiki. Relatou ainda que quando fazia estágio no Hombu Dojô viu o O-sensei pedindo para um aluno atacá-lo, e ele defendia com técnicas de aikijujutsu aprendidas com Sokaku Takeda. Mas, aparentemente ele não mostrava o que fazia claramente e as pessoas não entendiam os princípios, e não transmitiu esse conhecimento. É tradicional nas artes marciais orientais os mestres não ensinarem segredos a todos.”
O sensei go-dan diz que após essa ida ao Japão tudo ficou muito claro: “Hoje vejo pessoas polemizando com meu pai porque não conseguem entender o que ele propaga. Eu mesmo só entendi agora todo o processo evolutivo da arte, e a minha interpretação dos fatos é que no pós-guerra o fundador teve contato com a religião Oomoto e entendeu que as vicissitudes, dificuldades e a disciplina das artes marciais poderiam ser aplicadas na religião. “Ele já possuía total maturidade técnica, e foi nesse cenário que ele fundou o aikidô. Ou seja, o aikidô foi fundado por intermédio de uma ferramenta marcial que teve como base os fundamentos do aikijujútsu, porém tendo como pano de fundo a religião Oomoto. Foi o pastor Onisaburo Deguchi que forneceu todo o aporte filosófico, mas é muito importante lembrar que Sokaku Takeda não focava em filosofia, assim como os professores que o sucederam. O atual aspecto da arte foi iniciativa do O-sensei com a fusão da ferramenta marcial com conceitos religiosos da Oomoto. Assim ele criou um Shimbudo que recebeu o nome aikidô, ou seja, o caminho espiritual através do aiki.”
Já o shihan Wagner Bull afirma que para ele o fundador do aikidô via ou interpretava a prática como uma forma de oração para levar à espiritualidade.
Edgar Bull esclarece que, em sua opinião, o fundador começou a explicar as técnicas sob a visão dele, em vez de ensinar que cada um tem de buscar o Aiki na sua técnica. “Então, a minha interpretação é a de que ele passou a usar figuras religiosas e filosóficas da Oomoto para explicar o aikidô e ninguém que não fosse afeito ao xintoísmo poderia entender suas explicações.”
“As técnicas de torção, projeção, estrangulamento e etc. – tudo aquilo que deu margem para a criação dos katas do aikidô – deveriam ser treinadas com Aiki, que é a habilidade e o sentimento que o praticante desenvolve durante o treinamento.”
Bull pinçou um fato muito importante sobre a característica do O-sensei. “Acredito que ele jamais imaginou que a prática do aikidô alcançaria a dimensão que alcançou e nem tinha essa preocupação, porque vinha de uma família rica. Ele era um visionário. Kisshomaru Ueshiba, o filho que o sucedeu e faleceu em 4 de janeiro de 1999, era uma pessoa que possuía conhecimento empresarial, sendo executivo de uma grande empresa japonesa e foi quem operacionalizou e transformou a pequena organização numa multinacional. Hoje a entidade está presente em mais de 140 países.”
O professor que ensinou sensei Edgar o fez de forma bem clara e objetiva, deixando claro que o Aiki é uma habilidade, não uma energia divina ou suprema. “O professor Wagner Bull consegue com o Aiki controlar mentalmente algumas pessoas, ele usa o Aiki para fazer isso, mas é importante termos em mente que o Aiki é uma habilidade que todos nós podemos desenvolver treinando corretamente, não é nada mágico ou sobrenatural, mas algo que todos que praticarem corretamente podem aprender e desenvolver.”
Para o sensei paulistano a prática do aikidô não é algo subjetivo, que não possa ser relativizado. “Falando de forma bem clara, materialista e objetiva, o Aiki não é algo criado para se crer ou seguir, mas uma habilidade. Não fui a esse estágio no Japão para treinar o kata, mas para aprender a desenvolver o Aiki.”
Edgar reiterou que o aikidô que vem sendo praticado no mundo, hoje, não funciona como arte marcial. “No meu entender não funciona porque se pode prever o que o adversário vai fazer. O oponente enrijece o braço e não se pode fazer mais nada. Os senseis falam que o uke tem de seguir e ceder. Mas isso vale num treino, já numa situação real ninguém vai pedir para o inimigo deixar o braço mole. As técnicas de torção, projeção, estrangulamento etc., que é tudo aquilo que deu margem para a criação dos katas do aikidô, deveriam ser treinadas com Aiki, que é a habilidade e o sentimento que o praticante desenvolve durante o treinamento. No meu entender, isso se perdeu na transmissão e no ensino do aikidô moderno, mas é vivo ainda e existe no Daito-ryu Aikijujutsu. E foi isso que treinei no Japão, catalogando tudo.”
Bull destacou algo muito importante que o mestre japonês falou. “É muito difícil massificar este tipo de treinamento porque a evolução depende muito da percepção e da sensibilidade de cada praticante. Agora, sendo treinada e utilizada no corpo, esta habilidade (Aiki), esta conexão que o praticante experimenta, faz com que ele pegue gosto por essa sensação e perceba aos poucos que consegue utilizar essa energia em outras áreas da sua vida. E nós abrimos um campo enorme para uma nova discussão.”
Voltando a falar sobre a experiência e a vivência no Japão em abril, Edgar foi enfático. “Esta viagem valeu muito a pena e encontrei aquilo que estava buscando. Só que, quando subimos a montanha, vamos enxergando muito mais alto e mais longe. No ano que vem espero estar lá de novo porque eu comecei a enxergar coisas que eu não encontrava. Isto é, vamos dizer que encontrei coisas que eu queria, mas percebi que existem muito mais coisas que eu quero buscar.”