22 de dezembro de 2024
Em crise, Ministério se oferece para levar equipe de jiu-jítsu a Abu Dhabi por R$ 1,5 mi
Sem edital, e em meio às dificuldades enfrentadas pelo esporte olímpico frente a gigantesca redução do orçamento na autarquia federal, dirigentes do Ministério do Esporte dispõe verba milionária para competição amistosa que não pertence ao alto rendimento
Enquanto as confederações olímpicas ouvem do Ministério do Esporte que não há dinheiro disponível, o ministro Leonardo Picciani (PMDB-RJ), faixa-preta de jiu-jítsu, se ofereceu para pagar quase R$ 1,5 milhão como premiação de um torneio da modalidade disputado em Manaus (AM). A disputa ofertou viagem a uma competição nos Emirados Árabes Unidos para 66 campeões, incluindo 10 atletas másteres, dois ‘faixas brancas’ (iniciantes) e uma atleta argentina, numa delegação total de 90 pessoas – sem contar o ministro e pelo menos um assessor, que viajam com outro recurso do ministério.
Para piorar, com fortes indícios de superfaturamento no projeto de convênio com a Secretaria Estadual de Juventude, Esporte e Lazer do Amazonas (SELEJ-AM), que também enviará pelo menos mais quatro pessoas.
O torneio em Abu Dhabi começa nesta terça-feira (18) e vai até o sábado (22). Pelo orçamento aprovado pelo Ministério do Esporte, cada uma das 90 passagens São Paulo/Abu Dhabi/São Paulo custaria R$ 9.293. Na última sexta-feira à noite, o Olhar Olímpico cotou quanto ficaria comprar, naquele momento, um voo saindo ontem (16) de São Paulo e voltando na segunda-feira que vem (24). O preço pela Catar Airlines: R$ 5.681, sem taxas. Já a ponte aérea Rio-SP-Rio, que pode ser encontrada por menos de R$ 300, custaria R$ 1.483 no convênio.
Outro exemplo: a estadia no Hotel Alof Abu Dhabi foi aprovada pelo Ministério do Esporte por R$ 871 a diária em quarto duplo, a partir de orçamento apresentado pela Trevo Turismo – as concorrentes levaram preços ainda mais altos. O Olhar Olímpico cotou o mesmo serviço no site do hotel na sexta-feira e encontrou um preço bem inferior: R$ 308. Um superfaturamento de 182%. Isso na compra de uma única diária. O Ministério do Esporte aprovou a aquisição de 297 delas.
Em crise financeira, ele se ofereceu a arcar com essa conta. “A gente tem um patrocínio, que é a Etihad (Airways), que sempre paga 16 viagens para Abu Dhabi para os campeões por peso. Mas esse ano o ministério disse: ‘Não, nós queremos dar para todos os campeões de Manaus, por faixa e no absoluto’. A gente ficou meio em pânico, mas falamos: ‘Se vocês querem dar, querem apostar, não tem problema nenhum”, conta Elias Eberhardt, representante no Brasil da Federação de Jiu-Jítsu dos Emirados Árabes, a UEAJJF, organizadora do torneio de Abu Dhabi.
A entidade árabe é parceira da Federação Brasileira de Jiu-Jítsu (FBJJ), que organizou o torneio nacional em Manaus, em fevereiro, com o apoio da SEJEL-AM. À época, os organizadores informaram à imprensa que a competição formaria uma “seleção brasileira” que viajaria a Abu Dhabi com tudo pago (aéreo, translado, hotel, alimentação, inscrição e camiseta do torneio) numa “parceria” da FBJJ com o ministério e a SELEJ. Segundo o secretário, naquele momento ele já havia recebido o “OK” do ministro de que o convênio sairia.
Em 15 de março, um mês depois do torneio em Manaus, a SEJEL-AM enfim apresentou o projeto de convênio para o Ministério, que aprovou quase todos os itens – só rejeitou arcar com quatro quimonos por atleta e com o valor do visto de entrada nos Emirados Árabes. Aceitou pagar, por exemplo, nove diárias de hotel por pessoa em Abu Dhabi. Mas a primeira leva de atletas só chegou ao destino no último domingo (16) e o torneio termina no dia 22. “Cada caso é um caso. Tem atletas que vão ficar cinco, alguns que vão ficar seis”, diz o presidente da FBJJ, Walter Mattos, que não soube explicar por que o projeto é para nove dias. Ele não é parte do convênio. Já o secretário diz que percebeu que havia diárias demais e sugeriu cortar.
Tudo isso, porém, até agora não saiu do papel. O convênio, o primeiro do ano no Ministério do Esporte, foi publicado no Diário Oficial da União do último dia 11, terça-feira, mas até sábado nenhum valor havia sido transferido. No Portal de Convênios do governo federal, aparece que a conta bancária apresentada não havia sido aprovada. Mesmo assim, diversos atletas já embarcaram, participando inclusive da competição paralímpica, na sexta. A SEJEL diz que est á pagando as contas com a certeza de que será ressarcida pelo Ministério do Esporte.
Em nota enviada ao Olhar Olímpico na última quinta-feira, o Ministério do Esporte confirmou que ainda não havia liberado os recursos e disse que firmou o convênio porque a SEJEL-AM “havia se comprometido em encaminhar os atletas vencedores de etapa de competição realizada no Amazonas como contrapartida para receber uma das etapas do campeonato”. A viagem internacional será a segunda de Picciani para um torneio esportivo. Em ambas, esteve em eventos de jiu-jitsu.
O Ministério também ressaltou que, desde 2014, o governo federal está impossibilitado, por lei, de firmar convênios com entidades privadas sem fins lucrativos (como a FBJJ), sendo liberados apenas convênios com entidades públicas (com a SEJEL-AM).
Já as confederações olímpicas só podem firmar termos de fomento e/ou termos de colaboração com o Ministério do Esporte. Para isso, porém, é necessário que a pasta faça uma chamada pública, o que ainda não aconteceu em 2017. O blog consultou as confederações de ginástica, handebol e vôlei e todas afirmaram que não apresentaram novos projetos ao ME depois dos Jogos do Rio porque não houve abertura de edital.