Entrevista com o shihan Hidetaka Nishiyama

Nesta foto de 2001, mestre Hidetaka Nishiyama executa o Kata Kittei, marca registrada da ITKF © Budo France

Esta entrevista originalmente realizada pelo sensei Don Warrener, em 1999, possui conteúdo riquíssimo. Apresenta aspectos interessantes da estruturação do karatê Shotokan no Japão e da criação da JKA. Traz também a história e as principais ideias do mestre Nishiyama, bem como sua concepção do karatê tradicional e sua visão da ITKF.

Por Don Warrener
2 de maio de 2023 / Curitiba (PR)

É com grande prazer que estamos reeditando uma entrevista com o mestre Nishiyama conduzida pelo sensei Don Warrener em 1999. Em nome da Federação Internacional de Karatê Tradicional (ITKF), gostaria de agradecer muito a Warrener sensei por disponibilizar sua brilhante entrevista para reedição na Revista Budô. Embora muitos já a tenham lido anteriormente, seu conteúdo é riquíssimo, pois traz a história e as principais ideias do mestre Nishiyama, bem como sua concepção do karatê tradicional e sua visão sobre a ITKF. Apresenta ainda aspectos interessantes da estruturação do karatê Shotokan no Japão e da criação da JKA.

Gilberto Gaertner, chairman da ITKF, lembra que a boa parte da nova geração de praticantes não teve a oportunidade de vivenciar e conhecer a história e a trajetória do fundador da Federação Internacional de Karatê Tradicional.

“Nossa instituição hoje tem muitos membros novos e muitos praticantes jovens, que não tiveram a oportunidade de conhecer e treinar com o mestre Nishiyama. Quem ler esta entrevista poderá ter uma ideia de quem foi nosso grande mestre e do tamanho do seu legado. Desejo a todos uma excelente leitura e reitero nosso agradecimento ao sensei Warrener.”

Em 8 de novembro de 2008 perdemos mais uma das lendas das artes marciais, Hidetaka Nishiyama. Ele era o mais antigo de todos os mestres da Japan Karate Association (JKA), e agora faleceu. Todos nos lembraremos de sua gentileza e de seu conhecimento sobre a biomecânica do karatê, além de sua atenção aos detalhes do kata, mas talvez seu maior presente para nós tenha sido sua educação sobre os princípios e a cultura do karatê japonês.

Mestres Sasaki, Kawazoe, Kisaki, Kim, Nishiyama, Shirai, Ishiyama e Inoue (San Diego / 1996) © Arquivo ITKF

Para mim, porém, foi em 8 de novembro de 2001 (sete anos antes) que me lembrarei de sensei Nishiyama. Este foi o dia em que meu sensei, Richard Kim, faleceu e sensei Nishiyama pôde ver como eu estava visivelmente abalado. Ele me disse muito suavemente e gentilmente em seu inglês peculiar: “Você pode vir ao meu dojô e o seu treino está OK agora”. Uau, eu nunca vou esquecer essa gentileza.

Esta rara entrevista realizou-se no dojô do sensei Nishiyama em Los Angeles no verão de 1999 e também foi gravada em vídeo para uso futuro.

A história de Nishiyama

Don Warrener: Sensei, primeiro quero agradecer muito por reservar um tempo de sua agenda para sentar e passar por esta longa entrevista. A primeira pergunta é: onde e quando você nasceu?
Hidetaka Nishiyama: Nasci em Tóquio, no Japão, em 10 de outubro de 1928.

Quando você iniciou seu treinamento em artes marciais e em qual você começou?
Comecei, como é costume no Japão, no quinto dia do quinto mês aos cinco anos de idade. Comecei no kendô.

Quão longe você chegou no kendô?
Eu continuei durante a universidade e recebi meu san-dan (3º dan) no kendô, mas depois o meu interesse pelo karatê foi maior.

O jovem Nishiyama © Arquivo ITKF

Por que você começou o karatê e com quem você estudou pela primeira vez?
Comecei quando tinha 16 anos, em 1944, porque era muito interessante para mim e queria aprender defesa pessoal. Naquela época, o karatê não era muito popular. Meu professor foi o mestre Gichin Funakoshi.

Onde você começou a treinar, na universidade ou no dojô de Funakoshi? Como era o treinamento lá?
Comecei a treinar no dojô do sensei Funakoshi e o treino era principalmente kata, diria que cerca de 80% do tempo kata e 20% de kihon. Lembro-me de fazer o mesmo kata repetidamente. Na verdade, passamos o primeiro ano e meio apenas treinando Heian Shodan.

Quem ministrava a maioria das aulas?
Bem, o mestre Funakoshi já era idoso, na casa dos 70 anos, então ele e seu filho Yoshitaku dividiam igualmente a responsabilidade de ensinar. Eu lembro que ele era uma pessoa muito rigorosa e a qualquer erro no kata que fizéssemos tínhamos de repetir e repetir até não errar mais.

Você mencionou Heian Shodan. Quem realmente mudou a ordem dos dois primeiros katas e por que isso foi feito?
Acredito que foi o mestre Funakoshi quem mudou a ordem. O motivo foi que o Heian Nidan (Pinan Nidan) na época era muito mais simples de fazer que o Heian Shodan, então ele mudou o nome e a sequência de aprendizagem didática.

Mestre Nishiyama ensinando na Universidade da Califórnia em San Diego (1995) © Arquivo ITKF

Como era o treinamento na Universidade de Takushoku e no dojô de Funakoshi?
O treinamento na universidade era muito mais difícil em comparação com o do dojô de Funakoshi. Por exemplo, como o dojô era muito pequeno na universidade, começamos com cerca de 200 alunos e tivemos de selecionar e reduzir o grupo. O treinamento foi muito difícil até que restassem apenas dez alunos, então voltamos à forma de treinamento normal.

Como era o treino normal?
Bem, mesmo o treinamento normal foi bem difícil. Treinávamos antes do início das aulas, na hora do almoço e depois das aulas até às 20 horas. Depois do treino estudávamos – e fazíamos isso seis dias por semana. Todos nós esperávamos ansiosamente pelos domingos, para descansar e nos preparar para treinar duro novamente na semana seguinte.

O mestre Funakoshi ensinava no dojô da universidade?
Sim, ele lecionava uma vez por semana na universidade e no resto do tempo eram os veteranos que davam as aulas.

Quando o professor Nakayama entrou em cena na universidade?
Quando ele voltou da China para o Japão, no final dos anos 1940, ele começou a treinar na universidade, no departamento de educação física.

Quem foi o responsável pela formação da NKK/JKA (Nihon Karate Kyokai /Japan Karate Association)?
Em 1951 eu e os outros veteranos fomos os responsáveis pela formação da JKA, pois se tornou necessário criar uma organização, já que o karatê estava começando a se popularizar. Na verdade, foi meu tio, que era advogado, que formalizou a instituição legalmente.

Mestres Hidetaka Nishiyama, Yasutaka Tanaka, Gilberto Gaertner, Hiroyasu Inoki e Yasuyuki Sasaki (1994) © Paulo Pinto / Global Sports

Mestre Funakoshi era a favor da formação da JKA?
Sim, mas ele simplesmente não aceitava chamar o karatê shotokan de estilo. Para ele era apenas karatê.

Havia muita política naquela época?
Bem, eu creio que exista em toda e qualquer organização.

Quando e como aconteceu a primeira divisão no Shotokan e por quê?
Quando o dojô de Funakoshi foi destruído durante a guerra, todos os alunos se mudaram para treinar na universidade. Foi quando os problemas e atritos começaram, pois a universidade tinha um número muito grande de alunos. Dois grupos começaram a funcionar, o dos alunos mais velhos e o dos alunos mais jovens. O grupo mais jovem queria que Nakayama estivesse no comando, enquanto o grupo mais velho queria o professor Obata, porque ele era mais antigo. O grupo mais jovem queria sensei Nakayama porque ele era um professor profissional de educação física, tinha mais tempo e estava sempre no dojô, já o Obata era arquiteto e tinha outras atribuições.

Programa de instrutores JKA

Conte a respeito do famoso Programa de Treinamento de Instrutores da JKA. Quem o executou, quando começou e quando terminou?
Nunca parou, ainda existe hoje. Foi iniciado em 1957 porque o karatê estava se tornando muito popular e precisávamos de instrutores para ensiná-lo. Então, o que fizemos foi escolher a dedo o melhor da equipe da faculdade e colocar esses graduados no Programa de Treinamento de Instrutores. Tínhamos dois níveis desse programa, A e B. O grupo A era constituído por praticantes san-dan (3º dan) e acima e que já eram formados; o grupo B era composto por alunos do último ano, mas não durou muito.

Mestre Hidetaka Nishiyama, fundador da ITKF © Budo France

Quem estava encarregado do ensino do dia a dia dessas aulas e quanto tempo durou o curso?
Eu estava encarregado do ensino real no dia a dia. No começo, durava apenas um ano, mas depois mudou para dois, pois um ano não era tempo suficiente.

Quem foram alguns dos graduados mais famosos desse treinamento?
Os dois primeiros graduados foram os professores Kanazawa e Mikami, depois deles houve muitos, incluindo os senseis Enoeda, Shirai, Ochi etc.

De quem foi a ideia de enviar essas pessoas para o exterior e propagar o karatê pelo mundo?
Não era essa a ideia inicial, mas recebemos o contato de muitos países solicitando instrutores para ensinar karatê, então nós enviamos os formados no programa.

Por quanto tempo você foi responsável pela instrução no Programa de Formação de Instrutores da JKA?
Fiquei no comando até o final dos anos 1950. Durante esse período o sensei Nakayama estava encarregado de ensinar na universidade.

Qual foi a ênfase do programa de instrutores?
A ênfase estava na mecânica corporal e em como ensinar karatê adequadamente.

Por que os graduados deste programa foram tão bons? Até hoje nunca houve um grupo melhor, de qualquer estilo, que tenha influenciado tanto o mundo do karatê.
Eu não sei por quê. Acho que foi porque tínhamos um treinamento sistemático de kihon e kata. Foi muito organizado, eles eram realmente profissionais. O treinamento foi muito difícil. Não tenho certeza se outros estilos tiveram esse tipo de treinamento.

Mestre Nishiyama, Michael Crowe e Luiz Kuster no Congresso Técnico do 1º Campeonato Mundial ITKF realizado no Peru em 1990 © Arquivo ITKF

De onde surgiu a ideia de criar este programa de Instrutores?
A ideia de criar o Programa de Formação de Instrutores foi do diretor da JKA. Não era novidade, pois o judô tinha esse tipo de programa desde 1953. Eles treinavam primeiro atletas, depois treinavam campeões e depois treinavam instrutores, que davam continuidade ao judô em vez de se aposentar.

Alguém que se destacou excepcionalmente neste programa de treinamento?
Foram muitos, mas acho que o professor Kanazawa foi excepcional, mesmo tendo saído depois da JKA. Havia muitas pessoas excelentes, como o senseis Enoeda, Shirai, Mikami e muitos outros.

Primeira vez nos EUA

Por que você veio pela primeira vez para os Estados Unidos?
Acho que isso foi em 1963. O Comando Estratégico Aéreo (SAC) dos EUA e o Mel Bruno convidaram um grupo de professores para fazer uma demonstração para os militares, e fiz parte desse grupo.

Quem mais estava nesse grupo?
O professor Mifune estava encarregado do judô, o sensei Tomiki estava encarregado do aikidô e eu demonstrei o karatê. Era tudo sobre treinamento de combate.

https://itkf.global

Como eles descobriram essas artes marciais japonesas?
Muitos militares dos EUA ainda estavam no Japão mesmo depois da guerra e muitos treinavam várias artes marciais.

Apenas como observação, você sabe quando o primeiro torneio de karatê foi realizado nos EUA?
Acho que foi em 1961.

Estudantes dos EUA versus estudantes japoneses – como eles diferem e quem é melhor?
Fisicamente não há diferença, mas acho que é muito difícil para os americanos ou não japoneses entenderem a ideia da cultura japonesa. A ideia de mokuso e a de respeito etc. não fazem parte da cultura americana desde o nascimento, como no Japão. Portanto, não acho que os americanos possam entender totalmente essa parte do karatê. Mesmo eu, que estou neste país há mais de 38 anos, ainda não entendo completamente a cultura americana. Estou sempre aprendendo algo novo.

E se eles se mudarem para o Japão, morarem lá e mergulharem completamente na cultura japonesa?
Eu ainda não acho que seja possível. Eles talvez consigam entender a expressão Osss (Osu), mas não entenderão a cultura japonesa. Eu não acho. Este é o meu desafio ou objetivo: ensinar os não japoneses a entenderem a cultura japonesa.

Algum de seus alunos já conseguiu entendê-lo?
Não, até agora não. Muitos se saíram muito bem, como Michael Sado, Yabi, Frank Smith e Ray Dalke, mas ainda precisam aprender mais. Alguns são bons de uma maneira e outros são bons de outras maneiras.

Como o karatê mudou ao longo dos anos?
Quando cheguei aos EUA, poucas pessoas conheciam o karatê. Agora todo mundo conhece o karatê e há grande interesse pelas competições.

Federação Internacional de Karate Tradicional – ITKF

Qual é o propósito e quais são os objetivos da sua organização, a Federação Internacional de Karatê Tradicional (ITKF)?
O objetivo da ITKF é preservar o karatê tradicional da maneira correta. Um dos perigos iminentes é o karatê se tornar apenas um esporte. Se a definição de karatê se tornar karatê de competição, não é o que queremos. Karatê é primeiramente uma arte marcial. A competição é apenas uma das formas de treinar nosso karatê tradicional. Nossas regras de competição são primeiramente baseadas nos conceitos e princípios tradicionais do karatê. Se a competição se tornar a definição do karatê, teremos um karatê de baixa qualidade e as técnicas se tornarão ineficazes. Não é assim que preservamos o karatê como arte marcial.

Mestres Yasutaka Tanaka e Nishiyama no Brasil (1995) © Arquivo ITKF

Quanto tempo você acha que um aluno deve treinar antes de competir?
Acho que pelo menos três ou quatro anos para que tenham um conhecimento básico de boa qualidade antes de entrar em um torneio.

Você acha que a competição é boa para as pessoas?
Sim, eu acho que é boa para as pessoas, desde que elas entendam qual é o propósito do que estão fazendo. Por exemplo, o objetivo do kickboxing é apenas vencer, semelhante ao boxe.

“Você faz o que quiser e eu vou continuar ensinando karatê como uma arte tradicional.”

Então, qual é o propósito da competição no karatê tradicional?
O objetivo é entender a mecânica do corpo, entender a força e a velocidade da técnica do karatê e entender a contração e a expansão.

Como as regras da WKF e as regras da ITKF diferem?
Na ITKF temos padrões exatos do que queremos que seja um ponto, mas na WKF eles não têm os mesmos padrões. Eles só se importam se um soco acerta uma determinada área. Isso é o que eles consideram um ponto. Consideramos muitos outros fatores, como pressão, expansão e contração, por exemplo.

Shihan juu-dan (10º dan) Hidetaka Nishiyama começou a estudar karatê com Gichin Funakoshi em 1943 © Budo France

Sensei, muitas pessoas me disseram em várias ocasiões que você é muito difícil de lidar, mas sinceramente não acho isso. Está sendo um prazer entrevistá-lo. Por que dizem essas coisas a seu respeito?
Eu não sei por quê. Talvez seja porque eu tenha como missão preservar o karatê tradicional e tudo o que ele representa – e quando algumas pessoas querem que eu me dobre, eu não cedo. Eu devo ser muito forte e lutar firme contra as mudanças que muitos desejam. Devo preservar o karatê como uma arte para as próximas gerações. Eu digo para essas pessoas: “Você faz o que quiser e eu vou continuar ensinando karatê como uma arte tradicional”.

Tecnicamente, quando o karatê desenvolveu posturas mais baixas que vemos no Shotokan hoje?
Creio que foi Yoshitaku, filho do mestre Funakoshi, quem apresentou as posturas mais baixas utilizadas na Universidade de Takushoku. Ele viajou e treinou em algum lugar, mas ninguém sabe onde ou com quem, e quando ele voltou adotamos essas mudanças. Não consegui descobrir para onde ele foi. Ninguém me deu uma resposta clara sobre isso.

Mestre Nishiyama com os melhores atletas de karatê tradicional da época, entre eles Justo Gomez, Brad Webb, Luis Vazquez, Ricardo Buzzi e Toru Shimoji © Arquivo

Quando você saiu da JKA?
Eu não desisti da JKA. Na verdade, eu ainda os apoio atualmente.

Agora que existem duas facções dentro da JKA, qual delas você apoia?
Eu apoio os dois lados. Dada a minha posição na ITKF, seria difícil para mim apoiar apenas um lado. Devo permanecer neutro.

Por que o mestre Nakayama não deixou um sucessor quando morreu?
Eu não sei por quê. Talvez porque ele morreu repentinamente. Isso foi um erro, eu acho.

Você acha que eles vão voltar a ficar juntos novamente como uma única JKA?
Espero que sim, mas acho muito difícil, porque, sendo artistas marciais, eles têm grandes egos.
(Nós dois rimos muito alto)

Maiores contribuições de Funakoshi

Qual foi a maior contribuição do mestre Funakoshi para o karatê?
Acho que foi a introdução do karatê no sistema educacional do Japão e, a partir disso, o karatê passou a ser ensinado a muitos jovens ao redor do mundo.

Mestre Nishiyama, fundador da ITKF, cumprimenta o sensei Gaertner, atual presidente da instituição (1994) © Arquivo ITKF

Eu faço essa pergunta a todos: você já conheceu Bruce Lee e qual foi a sua opinião sobre ele?
Encontrei-o duas vezes. Meu aluno John Saxon o trouxe para me encontrar aqui no dojô. Eu acho que ele era um ator muito bom. Tecnicamente, só o vi em cenas de ação no cinema.

Como você define um faixa-preta?
Um faixa-preta sho-dan é alguém que conhece e pode demonstrar as técnicas e os movimentos básicos do corpo. Um faixa-preta san-dan é alguém que sabe como aplicar as técnicas e esses movimentos corporais.

Você leva em consideração a idade de uma pessoa ao avaliá-la?
Sim, uma pessoa de 18 anos é diferente de uma pessoa de 45. Tentamos manter esses padrões diferenciados de avaliação no treinamento de verão que realizamos todos os anos em San Diego.

Quando falamos da parte espiritual do karatê, a que nos referimos? É a definição religiosa de espírito ou é a definição de atitude?
Acho que estamos falando sobre a definição de atitude. Por exemplo, se queremos empurrar uma parede, devemos mostrar um espírito forte para aumentar o poder. Os americanos entendem isso muito bem. O karatê não tem conotações religiosas, no entanto, muitos de seus praticantes podem ser seguidores do budismo ou do xintoísmo. O karatê não segue nenhuma religião em particular.

Karatê e Jogos Olímpicos

Você acha que é uma boa ou uma má ideia que o karatê entre nas Olimpíadas?
Eu acho que é bom e ruim. É bom porque muitos jovens vão treinar ainda mais, caso se torne um esporte olímpico, mas é ruim se isso se tornar o foco principal do karatê. Lembre-se de que apenas 10% dos alunos de karatê se preocupam com a questão olímpica. O restante, 90%, não está interessado em que se torne um esporte, pois o praticam por outros motivos. Portanto, entrar nas Olimpíadas não deve ser o objetivo principal do karatê. Mas quero enfatizar que acho errado o karatê sacrificar seus aspectos tradicionais apenas para entrar nas Olimpíadas. Os organizadores dos Jogos Olímpicos estão muito preocupados com as finanças e sofrem muita pressão dos produtores de TV para transformar o karatê em entretenimento. Mas o karatê é uma arte marcial, e não entretenimento. Por exemplo, os produtores de televisão querem que as lutas durem apenas um minuto para que possam colocar mais publicidade, para ganhar mais dinheiro. Depois de fazer isso, muda-se a ideia do karatê como arte marcial. Se o karatê deve durar, deve ter uma base forte ou se tornará um esporte competitivo como o judô se tornou.

E o taekwondo? Como ele entrou nas Olimpíadas antes do karatê?
Acho que foram muitos fatores políticos e o Comitê Olímpico Internacional (COI) é muito político.

Hidetaka Nishiyama nasceu em 10 de outubro de 1928 em Tóquio, Japão © Budo France

Em quantos países você ensina karatê atualmente?
Estou tentando reduzir minhas viagens, mas acho que estamos em 40 ou 50 países.

“No karatê o objetivo é acabar com o adversário com uma técnica semelhante à da espada: um corte, uma vida.”

Se você fosse aconselhar um jovem que está começando no karatê, qual seria o aspecto técnico mais importante do treinamento?
Eu diria a ele para se concentrar na dinâmica corporal e em como usar o corpo inteiro para criar a máxima quantidade de energia.

O que é mais importante, velocidade ou potência?
Ambos são igualmente importantes, pois criam poder de impacto quando utilizados juntos. Isso é o que torna uma técnica de karatê tão eficiente ou poderosa. “No karatê o objetivo é acabar com o adversário com uma técnica semelhante à da espada: um corte, uma vida.”

Shuri Te e Naha Te, qual é melhor e por quê?
Ambos são bons. Ambos têm o mesmo propósito e o mesmo resultado, que é a legítima defesa. Shuri te é mais de longa distância e grandes movimentos e para lutar em áreas planas, enquanto Naha te é mais para lutar em distâncias curtas e em uma área menor. Os alunos devem estudar ambos para serem lutadores completos.

Em várias fotos vemos o mestre Funakoshi usando armas, mas no Shotokan não se pratica com armas. Por que?
Acho que o mestre Funakoshi estava interessado em treinamento com armas, mas ele não ensinava armas em suas aulas. Eu não sei por quê.

Mestres Arai, Tanaka e Nishiyama (1996) © Arquivo ITKF

Que tal estudar outros estilos de artes marciais como luta ou taekwondo? Isso é uma boa ou uma má ideia?
Você deve primeiro atingir um certo nível em sua própria arte antes de estudar outras artes. Olhar muito ao redor não é bom, pois pode gerar confusão. Você deve ter uma base forte de conhecimento.

Qual é a sua opinião sobre o taekwondo e de onde veio?
Não tenho nenhuma opinião especial sobre o taekwondo. Eles têm bons chutes, mas não sei de onde veio, exceto que, no começo, as formas que eles ensinavam eram as formas do Shotokan. Não sei onde o General Choi treinou.

Por que você acha que o taekwondo se tornou tão popular, enquanto o karatê não?
Eu não sei por quê. Acho que talvez seja como a música: muitas pessoas podem tocar instrumentos musicais, mas poucas podem tocar a música de Beethoven. É muito difícil.

Kata

Quando você avalia kata em uma competição internacional, o que você avalia?
Pois bem, basicamente buscamos quatro coisas: 1º) uso adequado da dinâmica corporal; 2º) potência na execução da técnica; 3º) a forma adequada aplicada a cada técnica em particular; 4º) a transição adequada, que significa o andamento, as mudanças e a continuidade dos movimentos.

Mestre Nishiyama faleceu em 10 de novembro de 2008, deixando um legado científico gigantesco para o karatê © Arquivo

Você tem algum kata favorito?
Não tenho nenhum kata favorito.

De onde veio o kata Unsu? Foi criado pela JKA?
Não sei de onde veio. Acho que o Unsu fosse originalmente do Arakaki, mas foi alterado ao longo dos anos. Alguns instrutores o mudaram, dependendo do que acharam apropriado, até que se tornasse o que é hoje.

Qual o melhor praticante de kata que você já viu?
Existem muitas pessoas muito boas em kata, mas os professores Kanazawa e Mikami são ambos muito bons.

O que você gostaria de ver escrito sobre você como seu legado?
Ah, não sei. Talvez o sensei Nishiyama seja uma pessoa mesquinha e teimosa.
(Nós dois novamente rimos muito alto)

“O karatê não é uma ciência. É uma arte. Usamos a ciência para melhorar a forma da arte.”

O que é kime?
Kime é um princípio e todo movimento deve ter kime para ser eficaz. É mais bem descrito como alto foco de energia num curto período de tempo, o que resulta em alto poder de impacto.

Mestre Nishiyama com o sensei Don Warrener (1999) © Arquivo

Qual é a diferença entre o jab esquerdo de um boxeador e o kizami zuki esquerdo de um praticante de karatê?
O objetivo da técnica é a diferença. Numa luta de boxe, o jab é usado para preparar a pessoa para um gancho de direita ou gancho de esquerda para marcar pontos. No karatê o objetivo é acabar com o adversário com uma técnica única, semelhante a um corte da espada.

Como o Código do Samurai influenciou o karatê?
Isso costuma ser confuso para as pessoas. Os samurais eram soldados profissionais. Eles trabalhavam para um senhor, tinham um patrão. As artes marciais são diferentes, elas tratam do desenvolvimento pessoal visando a tornar uma pessoa melhor.

Karatê e o futuro

Agora estamos em 1999. Onde e como você gostaria de ver o karatê em 2099?
Eu gostaria que fosse exatamente a mesma coisa como o karatê tradicional é ensinando hoje. Devemos lembrar que o karatê não é uma ciência. É uma arte. Usamos a ciência para melhorar a forma de arte. Acho que isso pode ser mais bem explicado se pensarmos num pintor ou artista. Ele deve usar os pincéis, a tela e as tintas para criar uma bela pintura, mas ainda é o ser humano quem deve fazer a pintura. É por isso também que o karatê é uma forma de arte.

Sensei, quero agradecer novamente por reservar um tempo para sentar e responder a todas essas perguntas. Peço desculpas por tomar tanto do seu precioso tempo.
Sem problemas, sem problemas, de nada.

Deus abençoe o Sensei Hidetaka Nishiyama. Não o esqueceremos e usaremos suas lições para transmitir aos nossos alunos.

Sobre o autor: Don Warrener é um professor de karatê Goju-ryu; foi aluno de Richard Kim por mais de 30 anos. Ele é um conhecido escritor de muitos artigos sobre artes marciais e autor do livro “Traditional Goju Karate”.