22 de novembro de 2024
Esporte e política: delegação paralímpica do Afeganistão não poderá disputar Tóquio 2020
Após o grupo Talibã assumir o controle, da capital Cabul, uma crise política se instaurou na nação afegã. Atletas ficarão de fora dos Jogos por conta do fechamento do Aeroporto Internacional Hamid Karzai
Por Helena Sbrissia / Global Sports
18 de agosto de 2021 / Curitiba (PR)
Esta semana o mundo se deparou com imagens chocantes da população do Afeganistão tentando executar uma fuga em massa do país por causa da invasão do grupo fundamentalista Talibã à capital Cabul, que mergulhou a nação asiática em mais uma profunda crise política e social. Assuntos indissociáveis, ao contrário do que muitos pensam e pregam, o esporte também sofreu duramente com a notícia às vésperas do início dos Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020.
Dois atletas integravam a delegação afegã: os taekwondistas Zakia Khudadadi e Hossain Rasouli. Khudadadi, com 23 anos, seria a primeira mulher a representar o Afeganistão em uma Paralimpíada – o que, por si só, já é um ato político, visto que o Talibã é contrário à presença das mulheres em atividades esportivas.
O brasileiro Andrew Parsons, presidente do Comitê Paralímpico internacional (IPC) comentou que o caso o entristeceu profundamente. “Todos nós vimos as imagens do aeroporto de Cabul. Ficou claro para nós desde o início que não haverá uma maneira segura de tentar trazer esses atletas para Tóquio”. Parsons reiterou que a situação afegã é muito maior do que os esportes, então a preocupação primária obviamente recai sobre a população do país, principalmente as mulheres.
O porta-voz do Comitê Paralímpico Internacional afirmou na última segunda-feira (16) que “devido à situação muito grave do país, todos os aeroportos estão fechados e será impossível viajar a Tóquio”. Esperamos que a equipe e sua comissão técnica estejam seguros durante este período difícil.”
O Afeganistão paralisou os voos após a invasão ao Aeroporto Internacional Hamid Karzai, considerado o último ponto de resistência ao grupo extremista do Talibã. O chefe da missão paralímpica afegã Arian Sadiq também se pronunciou sobre a situação caótica enfrentada pelo país e por seus atletas em entrevista ao jornal britânico Telegraph.
“A situação atual deixou a nação afegã muda e despedaçou sonhos e esperanças de prosperidade no país. O time do Comitê Paralímpico do Afeganistão viajaria a Tóquio para competir nos Jogos. Mas, infelizmente, a equipe não conseguiu deixar o país a tempo”.
Zakia Khudadadi gravou um vídeo em apelo para uma tentativa de escapar de Cabul. Ela, que falou em farsi, foi traduzida pela Reuters. Confira seu discurso:
“Eu peço a todos vocês, como uma mulher afegã e como representante das mulheres afegãs, que me ajudem. Minha intenção é participar dos Jogos Paralímpicos de Tóquio, então, por favor, segurem minha mão e me ajudem. Peço a todos vocês, desde as mulheres ao redor do mundo, instituições de proteção à mulher, de todas as organizações governamentais, que não deixem que os direitos de uma cidadã do Afeganistão no movimento paralímpico sejam retirados tão facilmente. O fato de nós mesmos termos nos retirado dessa situação, de termos conquistado tanto, não pode ser menosprezado. Tenho sofrido muito, não quero que minha luta seja em vão e sem resultados. Ajude-me.”
Há a possibilidade até que Khudadadi, de 23 anos, tenha que abrir mão de sua atuação no esporte, caso permaneça no país. As restrições impostas pelo Talibã envolvem cerceamento pesado aos direitos das mulheres. Khudadadi, campeã paralímpica africana de Taekwondo em 2016, aos 18 anos, começou a carreira profissional durante um momento de maior abertura do país.
O histórico do Talibã no cerceamento da prática esportiva
Em 2000, mesmo ano da Olimpíada de Sydney, o Afeganistão foi banido da disputa por conta das condutas rígidas impostas pelo Talibã. O grupo fundamentalista sunita deseja manter tradições que remontam ao século VII d.C., como, por exemplo, a proibição que homens cortem suas barbas. Com restrições em relação aos horários de realizar esforços físicos, a prática de esportes, como um todo, é bastante prejudicada pela doutrina do grupo.
Mesmo com o Afeganistão fora da Olimpíada de 2000, as regras impostas durante o período no qual o Talibã esteve à frente do poder – entre setembro de 1996 e 2001 – renderam outras situações complexas. Pugilistas foram eliminados de competições de boxe por manterem suas barbas fartas, por exemplo, em um torneio realizado em Karachi, no Paquistão. A prática do críquete também chegou a ser proibida pelos extremistas, bem como o futebol.