Eventual volta de Paulo Wanderley à CBJ deverá causar danos e retrocesso ao judô brasileiro

Paulo Wanderley e Jigoro Kano, dois líderes com posicionamentos e posturas absolutamente antagônicos © Fotomontagem Global Sports

Ao tentar perpetuar-se no COB, o dirigente mostrou quanto está distante da realidade e dos valores do judô. A escolha de um vice inexpressivo e medíocre na nova candidatura foi apenas mais um erro crasso de sua trajetória.

Por Paulo Pinto / Global Sports
1º de dezembro de 2024 / Curitiba, PR

O judô, criado por Jigoro Kano, é mais do que um esporte: é uma filosofia de vida, fundamentada em valores como respeito, sinceridade, autocontrole e justiça. Esses princípios, que norteiam os judocas há gerações, são o pilar ético e moral da modalidade. Contudo, procedimentos adotados por Paulo Wanderley Teixeira, durante sua gestão no Comitê Olímpico do Brasil (COB), revelaram um distanciamento abissal desses valores.

Práticas como favoritismo, perseguição a opositores e ausência de transparência marcaram sua administração desde o início, conforme apontado em reportagens, Agora, com as movimentações sugerindo sua possível volta à presidência da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), a comunidade esportiva teme os impactos negativos desse retrocesso, que pode trazer prejuízos administrativos, financeiros e éticos ao judô brasileiro.

Histórico controverso

A gestão de Paulo Wanderley no COB foi marcada por decisões desastrosas que não apenas geraram críticas, mas minaram a credibilidade da entidade. A chamada “República do Judô”, instaurada sob seu comando, transformou o comitê num feudo pessoal, priorizando cargos e benefícios a aliados de sua modalidade, enquanto ignorava outras modalidades esportivas e desprezava profissionais altamente capacitados que ocupavam posições estratégicas.

Essa política de aparelhamento centralizador sufocou a diversidade de ideias, corroeu a eficiência técnica do COB e contribuiu diretamente para o colapso do desempenho brasileiro nos Jogos Olímpicos. O Brasil, que alcançara um histórico 12º lugar no quadro de medalhas em Tóquio, despencou para a humilhante 20ª colocação em Paris, um reflexo incontestável do fracasso administrativo que marcou sua gestão.

O Conselho de Ética do COB, que deveria ser o guardião dos princípios de moralidade e transparência, teve sua credibilidade irreparavelmente destruída ao emitir um parecer favorável à terceira eleição de Paulo Wanderley, claramente manobrada para perpetuar sua permanência no poder. Esse gesto, em vez de refletir isenção e integridade, foi na verdade o ápice de um teatro político forçado por pressões internas.

“Mas era isso ou seriam sumariamente demitidos”, denunciou um funcionário do comitê, escancarando a atmosfera de coerção que imperava nos bastidores. Longe de zelar pela ética, o conselho tornou-se cúmplice de um esquema que feriu de morte a confiança da comunidade esportiva no COB.

“A CBJ foi criada para atender aos interesses das federações estaduais e seus milhões de praticantes, e não para submeter-se aos caprichos de um dirigente que aos 74 anos não admite que chegou a hora de parar e abrir caminho para as novas gerações.”

Além disso, a gestão de Paulo Wanderley foi marcada por práticas autoritárias e perseguições implacáveis a opositores, revelando uma face coronelista que afronta os valores de inclusão e equidade que o esporte moderno e o judô defendem. Profissionais altamente qualificados foram afastados por discordâncias políticas, enquanto presidentes de confederações que ousaram opor-se ao seu domínio foram alvos de ações persecutórias.

Eduardo Musa, presidente da Confederação Brasileira de Skate, é apenas um entre os muitos exemplos que ilustram o modus operandi de retaliação e intimidação que imperou em sua administração. A gestão, que deveria ser voltada ao progresso esportivo, tornou-se um palco de abuso de poder, desvirtuando os pilares que deveriam sustentar o esporte nacional.

Na reportagem publicada pelo Agenda Olímpica, em outubro, sob o título “Escândalo no COB no início da gestão de Paulo Wanderley ainda aguarda esclarecimento”, fica escancarado que Paulo Wanderley tentou replicar no Comitê Olímpico do Brasil as mesmas práticas ilegais e imorais que outrora implantou na Confederação Brasileira de Judô (CBJ). Essas ações incluíram estratégias sistemáticas de desvio de recursos e a desconstrução de seus opositores, num claro desprezo pela ética e pelos valores que fundamentam o movimento olímpico.

Contudo, ao contrário do que ocorria na CBJ, onde reinava com mãos de ferro, no COB suas táticas obscuras passaram a ser observadas pela grande mídia, por representantes de diversas instâncias esportivas e por políticos de alta relevância no cenário nacional, comprometidos com a defesa da democracia e dos valores olímpicos. Figuras de peso, como a senadora Leila Barros (PDT/DF) e o deputado federal Luiz Eduardo Carneiro da Silva de Souza Lima (PL/RJ), não apenas condenaram publicamente essas tentativas, mas mobilizaram esforços titânicos para impedir que uma aberração política, produzida por uma mente que flerta com a tirania, pudesse ameaçar a sólida estrutura política e financeira que mantém o Brasil entre as 20 maiores potências esportivas globais. A atuação vigorosa desses líderes é uma prova de que a resistência ao autoritarismo é a única via para preservar a integridade do esporte brasileiro.

O impacto potencial na CBJ

Se a volta de Paulo Wanderley à CBJ se concretizar, os riscos de retrocessos administrativos são inevitáveis e alarmantes. A governança, que nos últimos anos vinha transformando-se para ser mais inclusiva e transparente, corre o sério perigo de ser desmantelada em prol de um modelo centralizador e arcaico. A volta a práticas que privilegiam um grupo restrito e interesses pessoais acima do bem coletivo ameaça minar o crescimento estrutural do judô no Brasil e abalar a confiança de atletas, técnicos, clubes e dirigentes estaduais que comungam dos valores do judô. Tal retrocesso seria um golpe duro para uma modalidade que construiu, com esforço conjunto, um legado de excelência e representatividade no cenário esportivo internacional.

Yane Marques, nova vice-presidente do COB, e Marco Antônio La Porta, eleito presidente © Alexandre Loureiro / COB

A CBJ, hoje, lidera iniciativas que promovem a diversidade, apoiam novos talentos e fortalecem o cenário técnico nacional. No entanto, a gestão de Paulo Wanderley foi marcada por decisões que desmantelaram a base técnica construída com esforço e planejamento ao longo de décadas. Um exemplo claro foi a saída de Ney Wilson Pereira da Silva, gestor de alto rendimento da CBJ por mais de 20 anos, que, junto com o judoca Kenji Sato, foi escalado por Wanderley para substituir Jorge Bichara no COB. Bichara, vale lembrar, foi o responsável direto pela melhor campanha olímpica do Brasil, nos Jogos do Rio 2016.

A substituição, movida por interesses políticos e não técnicos, resultou num verdadeiro desastre esportivo: o Brasil despencou para a humilhante 20ª colocação nos Jogos de Paris 2024, distante anos-luz da 12ª posição conquistada no Rio, uma de nossas maiores conquistas históricas. Essa equação tresloucada não só expõe a incompetência gerencial, mas evidencia o dano irreparável que escolhas desastrosas podem causar ao esporte nacional.

Pois bem, sob o comando do professor Marcelo Theotonio, o gestor de alto rendimento que sucedeu a Ney Wilson, o Brasil voltou a figurar entre as principais potências do judô olímpico terminando na quinta colocação no quadro geral de medalhas em Paris, atrás apenas do Japão, Azerbaijão, França e Geórgia, enquanto nos Jogos de Tóquio, sob o comando de Ney Wilson, o Brasil ficou na 14º colocação.

A mudança de comando democratizou o acesso à seleção principal, reverteu anos de estagnação, mas também demonstrou que escolhas técnicas e estratégicas fundamentadas em meritocracia são indispensáveis para manter o Brasil em destaque no cenário internacional. Tal avanço seria irremediavelmente comprometido por um retorno a práticas retrógradas e lideranças politicamente motivadas.

Eventual retorno à antiga situação promete não apenas interromper a evolução, mas fazer o judô brasileiro retroceder. A CBJ, sob esse cenário, será inundada por dezenas de nomes que outrora foram levados para o COB e que ocupam posições estratégicas há mais de 30 anos, desde a saída de Joaquim Mamede de Carvalho e Silva. Esse verdadeiro retrocesso político-administrativo representa um golpe contra a renovação e a modernização da modalidade. É uma ameaça direta aos atletas, técnicos e gestores da nova geração, que têm lutado com dedicação para manter o judô brasileiro como referência global. Ao privilegiar o retorno de interesses pessoais e grupais, o judô corre o risco de ver seu progresso substituído por um modelo ultrapassado, que não serve ao esporte, e sim aos caprichos de quem se recusa a abrir espaço para o futuro.

Valores do judô como bússola

O judô ensina que o progresso só é alcançado por meio de esforços mútuos e respeito. Princípios como jita-kyoei e sei-ryoku-zen-yo são valores inegociáveis para a modalidade. É crucial que a CBJ siga sendo uma entidade alinhada a esses preceitos, priorizando o bem-estar da comunidade judoca e o desenvolvimento técnico de forma democrática, não servindo aos interesses de um dirigente que há quase meio século vive exclusivamente da gestão.

A CBJ foi criada para atender aos interesses das federações estaduais e seus milhões de praticantes, e não para submeter-se aos caprichos de um dirigente que aos 74 anos não admite que chegou a hora de parar e abrir caminho para as novas gerações.

Um retorno que contradiga os valores do judô é mais do que um retrocesso administrativo: é uma afronta à essência do judô e ao legado deixado por Jigoro Kano.

Futuro em jogo

A comunidade judoca tem um papel fundamental na construção do futuro do esporte no Brasil. Por meio do diálogo, da resistência a práticas autoritárias e do compromisso com os valores do judô, é possível evitar retrocessos e garantir que a CBJ permaneça uma instituição forte e democrática.

A possível volta de Paulo Wanderley deve ser avaliada com seriedade, pois os impactos de decisões políticas refletem-se diretamente na vida de mais de um milhão de atletas e técnicos. O judô brasileiro, que tantas vezes elevou o nome do Brasil no cenário internacional, merece uma gestão comprometida, ética e transparente.

A vitória de Marco Antônio La Porta não foi apenas uma reafirmação da alternância de poder, mas um triunfo da verdade, da ética e, acima de tudo, dos valores do judô e do Movimento Olímpico. Ela simbolizou o fim de uma gestão marcada por desmandos, autoritarismo e práticas que flertaram perigosamente com a degeneração moral e administrativa. Foi um ato de resistência contra uma liderança que tentou moldar o esporte a interesses pessoais, desprezando princípios fundamentais como justiça, inclusão e transparência. A escolha de La Porta representou um grito de basta à perpetuação no poder e um resgate da integridade que deve guiar o esporte em todas as suas esferas.

Alternância de poder

A alternância de poder é um conceito diretamente relacionado à democracia, que rejeita a perpetuação de dirigentes e políticos no poder, pois tal prática desvirtua o caráter de um governo popular e participativo.

O termo e o conceito de democracia têm origem na Grécia Antiga e, atualmente, inspiram a maioria das sociedades contemporâneas, mesmo que muitas delas apresentem graus variados de imperfeição.

É por meio da adoção de sistemas democráticos que milhões de pessoas ao redor do mundo têm o direito de participar das decisões políticas locais, debater ideias e influenciar projetos. Essa participação ativa fortalece pilares fundamentais da democracia moderna, como a liberdade de expressão, a dignidade humana e o direito à defesa, entre outros valores indispensáveis para uma sociedade justa e equilibrada.

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