19 de novembro de 2024
Ex-babá, judoca lidera ranking e mira Tóquio 2020 como a sua Olimpíada
Gaúcha Maria Portela, 30, teve apagão em Londres 2012 e diz que se boicotou durante muitos anos
Interview – FOLHA DE SÃO PAULO
20/04/2018
Por DANIEL E. DE CASTRO I Fotos RAFAEL HUPSEL/FOLHAPRESS
Pindamonhangaba – SP
Para liderar o ranking mundial do judô, a gaúcha Maria Portela precisou não apenas superar as rivais, mas principalmente fazer com que a sua cabeça não fosse a principal inimiga.
“Muitas vezes eu me boicotei, fui a minha maior adversária”, diz à Folha a atleta de 30 anos. Há um mês, ela assumiu a posição de número um da categoria até 70 kg.
Após o Mundial de Budapeste, em agosto de 2017, Maria foi ao pódio nas três competições que disputou. A consistência que hoje faz dela a judoca a ser batida, porém, esteve ausente em momentos importantes da carreira.
Natural da pequena Júlio de Castilhos, no interior do Rio Grande do Sul, ela mudou-se com seis anos para Santa Maria (a cerca de 300 km de Porto Alegre). Foi onde aplicou os seus primeiros golpes.
Nessa época, a morte do pai levou a mãe a trabalhar como empregada doméstica para sustentar os quatro filhos. O judô surgiu como a melhor oportunidade para que as crianças não passassem muito tempo livre na rua.
Demorou para que ela pudesse se dedicar exclusivamente ao esporte. Durante a juventude, morou em três cidades de Santa Catarina e dividiu o período de treinos com a tarefa de babá. O trabalho garantia teto, comida e não a impedia de perseguir a carreira profissional.
O desejo de se estabelecer no judô ganhou contornos reais em 2007, quando foi orientada por Henrique Guimarães (medalha de bronze na Olimpíada de Atlanta-1996) em São Paulo e chegou à seleção.
Maria Portela passou os últimos anos como a melhor brasileira da sua categoria, mas sem obter medalhas em Jogos Olímpicos e Mundiais.
A comparação com as estrelas da equipe nacional, como Mayra Aguiar, Rafaela Silva e Sarah Menezes, tornou-se uma armadilha constante nos seus pensamentos.
“Quando é que vai chegar minha vez? Eu me questionava muito sobre isso”, afirma a gaúcha, que disputou os Jogos de Londres-2012 e do Rio-2016.
Com 1,58 m de altura e mais baixa do que as principais adversárias do seu peso, Maria ouviu várias vezes que não tinha o perfil ideal para lutar na categoria até 70 kg.
Depois do último Mundial, quando terminou na sétima posição, ela recorreu ao trabalho de Nell Salgado, especializada na orientação de atletas de alta performance. A ajuda psicológica não foi uma novidade para ela, que mesmo assim diz ter demorado para sentir-se confiante e tranquila nas competições como está atualmente.
O sonho do pódio nos Jogos de Tóquio-2020 agora tem uma base mais sólida.
“Estou projetando para que seja a minha Olimpíada. O judô feminino tem sempre uma que brilha mais do que as outras. Senti isso um pouquinho no Masters [competição que venceu em dezembro passado] e com certeza estou projetando para Tóquio. É o meu maior sonho”, afirma.
Após trauma nos jogos de Londres, judoca ‘adotou’ uma fã
A derrota de Maria Portela no combate de estreia na Olimpíada de Londres não está na memória da judoca. Isso porque ela diz não se lembrar de nada do que ocorreu durante a disputa diante da colombiana Yuri Alvear.
“Eu me lembro de quando subi a escada [de acesso aos tatames], depois apagou. Todo o nervosismo veio no momento da luta. Eu só voltei ao meu normal quando desci o raio da escadinha. Falei para a minha técnica que queria voltar e ela disse que não dava”, conta a judoca.
No retorno ao Brasil, a atleta participou da recepção aos representantes da Sogipa, tradicional equipe de Porto Alegre, onde treina. Ao seu lado estavam os medalhistas Felipe Kitadai e Mayra Aguiar.
Ofuscada, Maria só chorava, mas mesmo assim uma pequena judoca, na época com oito anos, insistiu para tirar uma foto ao lado dela. Thauany Dias era comparada à gaúcha por causa da raça demonstrada nas lutas —o apelido de Maria é “raçudinha”.
“A gente se aproximou e foi amor mesmo”, diz a líder do ranking, com lágrimas nos olhos ao relatar o encontro.
Hoje com 14 anos, Thauany treina no Instituto Reação, no Rio de Janeiro. As duas aproveitam algumas brechas nas agendas para estarem juntas, como no último treinamento de campo da seleção brasileira, realizado no início de abril em Pindamonhangaba (SP).
Entre brincadeiras de que são mãe e filha, Thauany e Maria se mostram agradecidas ao encontro inesperado de seis anos atrás.
Depois dele, uma se recompôs do apagão e seguiu em frente. A outra ganhou um exemplo para continuar sonhando com a carreira de judoca profissional.