11 de novembro de 2024
Falecimento do professor Shuhei Okano representa imensa perda para o judô brasileiro
Ex-atleta da seleção japonesa e ex-técnico da seleção brasileira de judô, sensei Okano deixa um legado verdadeiramente expressivo para a modalidade
Memória
16 de janeiro de 2021
Por PAULO PINTO I Fotos BUDOPRESS
São Paulo – SP
Nascido em 20 de janeiro de 1938, em Hokkaido, graduado em Direito pela Universidade de Thu, em Tóquio, Shuhei Okano foi um judoca japonês educado e formado sob os preceitos e costumes da Ásia Oriental. Aos 28 anos veio para o Brasil e mergulhou na vida e nos hábitos de um País tropical, eminentemente cristão e com sua cultura marcada pela miscigenação.
Em comum com o universo japonês, Okano encontrou no Brasil apenas o judô, que praticava desde criança, chegando a capitão da equipe da modalidade na universidade, com participação em diversas competições importantes.
Uma das mais marcantes ocorreu em 1964, em Osaka, dois dias após o encerramento dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Os atletas das equipes olímpicas que ficaram na reserva disputaram um amistoso que reuniu judocas de vários países, e Okano sagrou-se vice-campeão, derrotando, inclusive, o holandês Willem Ruska, o Tarzan dos tatamis, que se tornaria bicampeão olímpico nos jogos de Munique (1972), conquistando um ouro no peso médio (+93kg) e outro no absoluto.
Okano chegou ao Brasil em 1966 para trabalhar na fábrica de lâmpadas Sadokin. Já em 1967 assumiu o comando da seleção paulista de judô, contribuindo para inúmeras conquistas. Não demorou muito para ser chamado pela Confederação Brasileira de Judô (CBJ), na qual ajudou vários atletas a conquistarem títulos sul-americanos e pan-americanos entre 1968 e 1974.
Sua atuação não se limitou apenas aos tatamis. Shuhei Okano contribuiu também para incrementar o intercâmbio entre os judocas brasileiros e japoneses. Em 1982 encabeçou a comissão que comemorou os 100 anos do judô e em 1995, nos festejos do centenário do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre Brasil e Japão. A partir daí, por dezenas de anos sensei Okano promoveu vários eventos no Brasil envolvendo atletas da seleção japonesa.
“Todo o intercâmbio técnico que propiciamos por décadas não seria possível sem o apoio do governo do Japão e da Federação Paulista de Judô”, disse Okano, que em 2004 intermediou junto ao governo japonês verba para a reforma da arena olímpica de judô do Ibirapuera, em São Paulo, e para a compra de 300 tatamis olímpicos.
“Se o Brasil é hoje referência mundial na modalidade, devemos muito a pessoas como o professor Okano”, conta Francisco de Carvalho Filho, acrescentando que um de seus grandes méritos foi ter preservado a essência da arte marcial japonesa. “O próprio Japão perdeu a reverência e parte da filosofia de forma até mais veloz que a maioria dos países ocidentais, devido ao rápido crescimento econômico no pós-guerra. Não foi à toa que eles criaram um movimento que busca o resgate de certos valores e tradições”, explicou o presidente da FPJ.
A contribuição de Shuhei Okano ao judô brasileiro não parou por aí. Em 2007, com o apoio da Fundação Japão, lançou no Brasil a tradução do livro Sugata Sanshiro, considerada uma espécie de bíblia dos judocas por narrar a origem da modalidade no decorrer do século 18.
Em 22 de maio de 2010 a Federação Paulista de Judô e a Confederação Brasileira de Judô lhe concederam
a faixa vermelha kyuu-dan (9º dan), graduação que apenas três professores brasileiros possuíam na época. Participaram da solenidade autoridades políticas e esportivas como Kazuaki Obe, cônsul do Japão, Eiko Obe, consulesa do Japão; e João Cury, prefeito de Botucatu.
Atualmente o professor Okano era presidente de honra da Associação Kodokan do Brasil, auxiliando na área da pesquisa de dados para a história do judô no Brasil. Foi responsável também por numerosas publicações de cunho didático e cultural envolvendo o caminho suave. Recentemente dedicava-se ao aprimoramento do kosen judô (técnicas utilizadas em lutas de solo) e à defesa pessoal específica para mulheres.
“O professor Shuhei Okano fundou e por décadas foi o presidente do Instituto Kodokan do Brasil e era que fazia a ligação do Brasil com Tóquio, bem como com a embaixada e o governo do Japão. Ele sempre mostrou preocupação com a formação do caráter e com a educação dos jovens praticantes e se dedicou à pesquisa. Nos últimos anos focou a defesa pessoal para a mulher”, comentou Hatiro Ogawa, ex-presidente da FPJ e neto de outra lenda do judô, Ryuzo Ogawa.
Fazendo um balanço dos mais de 50 anos vividos no Brasil, Shuhei Okano reverenciou os imigrantes que, assim como ele, disseminaram a modalidade no País e os dirigentes brasileiros que mantiveram a tradição e o foco no caminho encetado pelo shihan Jigoro Kano.
“Os ensinamentos do judô tiveram início no Brasil com os primeiros imigrantes que aqui chegaram no limiar do século passado. Graças a esta transmissão de conhecimento nosso País é hoje uma das principais potências da modalidade. Mas temos de distinguir e reverenciar o apoio e o comprometimento dos dirigentes da Federação Paulista de Judô, que lá atrás tiveram a iniciativa de fomentar o judô, sem abrir mão da tradição e dos princípios que norteiam a modalidade”, disse Okano.
Em sua última entrevista à Budô, o professor Shuhei Okano enfatizou que edificou os princípios que norteiam sua vida nos preceitos deixados pelo professor Kano.
“O verdadeiro judoca é um indivíduo que se dedica à segurança da sociedade e ao desenvolvimento humano, interagindo com outros, formando caráter magnânimo por meio de treinamento espiritual constante e dedicação aos estudos, não se dedicando exclusivamente ao treinamento físico. Para tanto precisamos compreender três coisas: entender diferentes filosofias por meio de amplos estudos da história e cultura universal para obter espírito tolerante; escolher o caminho real, assimilando a consideração e a misericórdia por seus semelhantes mediante estudos morais e éticos explanados pelos antigos; e ter fé na existência de Deus, respeitando e conservando a dignidade de todos os seres viventes com espírito de convivência.”
Alessandro Puglia, vice-presidente da Federação Paulista de Judô lamentou a perda de umas mais expressivas referências do judô nacional.
“É uma perda irreparável para o judô do Brasil. Se o nosso judô se tornou referência mundial devemos muito a ele, que é de uma época na qual existiam ícones como ele, Ishii e Onodera, entre outros. Ele exerceu enorme protagonismo fazendo a aproximação institucional do Brasil com o Japão. Eu e muitos atletas da minha geração fomos contemplados com o treinamento rígido e altamente técnico que ele trouxe do Japão.”
“Em nome de todos os judocas que usufruíram seus ensinamentos e sua dedicação, agradeço por tudo que nos legou e principalmente por sua preocupação em tornar o judô brasileiro uma potência mundial da modalidade”, disse Puglia.
Francisco de Carvalho lembrou que o professor Okano é um dos principais representantes das várias gerações de japoneses e seus descendentes que implantaram e disseminaram o judô no País.
“Sob o ponto de vista do alto rendimento, o sensei Okano representa a primeira geração de professores formadores do nosso País. Ele foi atleta da seleção japonesa e, aqui, foi ele que acompanhou o sensei Ishii como técnico, nos Jogos de 1972, em Munique. Ele tinha uma preocupação tremenda com o judô escolar, com o judô de formação, de educação e, consequentemente, com o judô competitivo. Mas prioritariamente ele seguia os ensinamentos deixados pelo professor Kano.”
“Diferentemente de outros que vieram para o Brasil, Okano era uma pessoa extremamente esclarecida, com excelente formação e era muito preocupado com o futuro do judô em nosso País. Por décadas foi o representante do Instituto Kodokan de Tóquio e era indubitavelmente uma pessoa diferenciada no mundo do judô, que perde um dos seus representantes mais brilhantes”, detalhou o presidente da FPJudô.
Paulo Wanderley Teixeira, presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e professor kodansha hachi-dan (8º dan), lamentou que o mundo esteja perdendo referências basilares do judô.
“O falecimento do professor Shuhei Okano representa imensa perda para o judô. Por várias décadas ele foi o elo entre Brasil e Japão e perdemos esta importante referência. Seu protagonismo no desenvolvimento técnico no judô brasileiro foi decisivo e seu legado para a modalidade é verdadeiramente expressivo”, expôs o presidente do COB.
Okano deixa esposa, Reiko Okano, três filhos e netos. Com cerimônia restrita a familiares e amigos, o velório do professor kodansha Shuhei Okano realiza-se neste sábado (16), em São Paulo.