FBMP resgata o legado do shihan Hidetaka Nishiyama na República Portuguesa

Fundada em 2020, a Federação Budô Marcial de Portugal é a representante oficial da ITKF no importante País da Península Ibérica

Karatê Portugal
28 de janeiro de 2021
Por ISABELA LEMOS
Curitiba – PR

O professor faixa preta yon-dan (4º dan) Fernando Manuel Alves Maia da Silva é o presidente da recém-fundada Federação Budô Marcial de Portugal (FBMP). Instituída em abril de 2020, a entidade substituiu a Federação de Karatê Tradicional de Portugal (FKTP). Silva sofreu um grave acidente em 1994, época em que profissionais da área da saúde recomendaram que ele não retornasse à prática do karatê. No entanto, ele assegura que seus princípios e a visão de vida foram inteiramente fundamentados na prática do karatê tradicional.

Senseis Fernando Silva e Tokuhisa Takashi em 2017

Nascido em 14 de outubro de 1961, Fernando Silva é engenheiro eletrotécnico de formação e proprietário de três empresas industriais nas áreas elétrica e automação, mecânica e tubagem, envolvidas majoritariamente em projetos mundiais, com destaque em siderúrgicas, refinarias (óleo e gás), petroquímicas, farmacêuticas, ferrovias e estádios de futebol.

Em 2020, o professor Fernando Silva foi eleito Comptroller da International Traditional Karate Federation e passou a fazer parte da diretoria da entidade. Segundo informações obtidas pela revista Budô, o dirigente português tem exercido grande protagonismo e oferecido excelente contribuição à administração da ITKF.

Professores José Castro Lopes (6º dan), Antônio Alberto Santos (5º dan), Vitor Fins (4º dan) e Fernando da Silva (4º dan) na comemoração do 50º aniversário do Centro Português de Karatê

Acumulando 49 anos de experiência no karatê, desde os 10 anos de idade, Silva revela que a graduação nunca foi sua prioridade. Desde o início da prática, sempre participou de campeonatos de kata e kumitê. Foi graduado sho-dan pelos professores Stan Schmidt, Johan Roets e Malcolm Dorfman em 1979, em Joanesburgo, na África do Sul.

Na linha da JKA na África do Sul, o dirigente teve como professores Stan Schmidt, Ken Wittstock, Malcolm Dorfman, os irmãos Keith e Derrick Geyer, Johan Roets e outros. Segundo ele, todos pertencentes ao famoso grupo early birds, numa época em que a África do Sul era respeitada em todo o mundo do karatê.

Senseis Tozé Castro Lopes e José Castro Lopes com alunos e o shihan Hidetaka Nishiyama em 1996

Acidente e afastamento da modalidade

Em 1978, foi convidado para assumir e dar aulas de karatê no clube português de Vanderbijlpark, onde conseguiu aumentar o número de praticantes para quase 70. Após voltar a Portugal em janeiro de 1993, sofreu um acidente de moto que resultou na fratura de duas vértebras na região lombar e três na do cóccix. Foram necessários quase 11 meses de fisioterapia e recuperação. Os ortopedistas recomendaram que o dirigente esquecesse o karatê porque não poderia mais voltar a treinar.

Dirigentes da FBMP em reunião de planejamento

“Devido a isso e à minha vida profissional, mantive-me afastado da arte marcial por cerca de dez anos, mas sentindo uma saudade inexplicável ao ponto de, se eu visse um treino ou competição, tanto pessoalmente quanto pela TV, abandonar o local ou mudar de canal porque não conseguia conter as lágrimas. Na parte final dessa ausência, especialmente no último ano, tive o apoio e a força da minha família, que sempre foi o meu grande ponto de equilíbrio em todas as vertentes profissionais e pessoais”, revelou o dirigente português.

Participação da equipe da FBMP no mundial realizado na Europa com Tozé Castro Lopes, Pedro Silva, Vitor Fins, Marta Pereira, Hugo Fins e Carlos Cruz

Silva conta que sua mulher, filho e filha o estimularam a ter força e coragem para retornar aos treinos. Após pesquisar clubes de karatê perto de onde vivia que tivessem interesse e participação no karatê tradicional, encontrou o professor Toze Castro Lopes e seu pai, treinador e responsável técnico que, aos 76 anos, ainda treina todos os dias no Ginásio Clube Vilacondense (GCV Karate – Shotokan).

Campeonato europeu com Gilberto Gaertner, presidente da ITKF, fazendo a entrega das medalhas

“Os dois são excelentes karatecas, com um coração de ouro e uma humildade inexplicável, seguidores do karatê tradicional e com anos de participações na European Traditional Karate Federation (ETKF) e na International Traditional Karate Federation. Expliquei a eles minha situação e abriram as portas de seu dojô para apoiar o meu regresso ao esporte”, relatou Silva.

Equipe máster da FBMP com José Lopes (6º dan), Tozé Lopes (5º dan), Fernando da Silva (4º dan), Antônio Santos (5º dan), Vitor Fins (4º dan) e José Oliveira (4º dan)

Desde então, o dirigente português já atuou como diretor do Ginásio Clube Vilacondense (GCV) e enriqueceu seu currículo com capacitações em cursos de arbitragem de karatê e treinador nível II, reconhecidos pelo governo de Portugal. Silva ainda tem participado da seleção nacional de karatê tradicional de Portugal como atleta, manager e auxiliar do técnico Toze Lopes. Foi também vice-presidente da já extinta Federação de Karatê Tradicional de Portugal (FKTP), que era presidida pelo professor Rômulo Machado.

Gilberto Gaertner e Fernando da Silva com o shihan Júlio Takuo Arai no Campeonato Mundial de Curitiba 2019

Sobre a FMPB e seus objetivos

Em 2021, a Federação Budô Marcial de Portugal pretende dinamizar e modernizar o karatê tradicional em Portugal. Seu surgimento se deu devido aos problemas enfrentados pela FKTP, como a pouca atividade dos dirigentes e a incompatibilidades do seu reconhecimento pela federação portuguesa da World Karate Federation (WKF). Por isso, optou-se por dar nova vida ao karatê tradicional em Portugal.

Treino especifico para crianças e jovens

“Apesar de recente, a FMPB já foi registrada em obediência à legislação portuguesa e tem sede em Vila do Conde, no distrito do Porto. A federação está atualmente formando o seu shihankai, comissão de competição (kumitê, kata, embu e fukugô), comissão de arbitragem e departamento jurídico-administrativo. O próximo objetivo é apresentar a federação ao Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ), entidade que controla e regulariza todo o esporte e outras atividades em Portugal, para que a FBMP seja reconhecida como uma modalidade socioeducativa de karatê-dô, diferente da desportiva”, explicou o dirigente.

Fernando da Silva no degrau mais alto do pódio que contou com a presença do shihan Tasukê Watanabe

Em pouco tempo, graças à divulgação feita, Silva passou a ser abordado por muitos atletas, clubes e associações em busca de informações sobre filiação à FBMP, demonstrando enorme interesse em regressar às atividades e iniciativas do karatê tradicional. O dirigente e a equipe técnica estão muito orgulhosos de tamanho interesse e desejo de integrar o karatê para a vida.

Treino com karatecas graduados

Com 400 karatecas filiados e dez dojôs associados, a federação portuguesa aposta na formação das novas gerações. Para tal, será colocado em prática logo em janeiro o projeto Jornadas de Karatê Tradicional, que consiste em treinos mensais dedicados ao kumitê, kata, embu e fukugô (um fim de semana para cada tema).

Pedro Silva o karateca português mais laureado nas competições da ETKF e ITKF

“Pretendemos capacitar os nossos treinadores com informação privilegiada, conhecimentos técnicos e capacidades pedagógicas que permitam um ensino de qualidade. Todos os meses haverá um encontro de instrutores em que serão dados conselhos e estratégias pedagógicas. Estamos trabalhando num quadro competitivo que permita testar o progresso dos karatecas. Os nossos árbitros também serão alvo de formação adequada. Estão sendo agendados estágios, os quais darão a todos os praticantes a oportunidade de receberem conhecimentos sobre o karatê tradicional”, adiantou Silva.

Karatecas másters da FBMP

Para popularizar o karatê tradicional em nível global, o presidente da FMPB acredita que deve haver uma divulgação contínua das atividades, objetivos e princípios do karatê tradicional, além de maior número de encontros entre treinadores, karatecas e dirigentes. “A utilização dos canais e redes sociais, como tem sido feito no último ano, é extremamente importante porque é a linguagem das novas gerações, as quais devemos conquistar. E isso culmina na formação de melhores cidadãos e pessoas, pois é essa a proposta filosófica do karatê.”

Senseis Hiroshi Shirai, José Castro Lopes e Tozé Castro Lopes

Para o dirigente português, o karatê tradicional está renascendo desde 2019, ano que marcou o aumento da projeção e da visibilidade da modalidade.

“Também é perfeitamente notório que a ITKF tem demonstrado maior organização e encontra-se, neste momento, muito bem estruturada, inspirando assim as federações nacionais a seguirem o exemplo. Em sintonia com o restante do movimento mundial, em 2021 está havendo o grande boom do karatê tradicional em Portugal, apesar da pandemia. O empenho e a paixão pela modalidade têm ultrapassado barreiras e estão a surtir grande efeito. Estamos seguros de que será o ano da mudança”, avaliou o professor yon-dan.

Senseis Fernando Manuel Alves Maia da Silva e Luiz Tasuke Watanabe

O mentor da FBMP é o mestre roku-da (6º dan) José Castro Lopes, praticante de karatê tradicional desde 1976. Atualmente, atua como diretor técnico do maior clube da ITKF em Portugal. Durante estes anos, Lopes teve a oportunidade de treinar várias vezes com mestres de renome internacional, como os senseis Nishiyama, Shirai e Watanabe, que são as suas grandes referências mundiais. Aos 76 anos, continua trabalhando diariamente no dojô para transmitir os seus conhecimentos de forma humilde e competente.

Treino de kihon para crianças

O professor Lopes lembra de um episódio que o marcou profundamente, ao lado do shihan Tasuke Watanabe. “Tive o privilégio de passar três dias com esse grande mestre que, com a sua vasta experiência, tinha sempre uma história ou lição que ainda me acompanham. Revelou ainda uma humildade extraordinária ao me visitar em meu local de trabalho. Podendo ir ao melhor restaurante da cidade, pois era um ilustre convidado, sempre preferiu comer com a minha família, valorizando uma simples sopa. Humildade e conhecimento são as características que me marcaram deste grande mestre”, contou o mentor da FBMP.

Professor Fernando da Silva com shihan Yoshizo Machida no Mundial de 2019

Pedro Silva é o atleta com maior atuação internacional da Federação Budô Marcial de Portugal, tendo realizado a sua estreia em 1997, na Suíça. A sua última competição foi no Brasil em 2019. De acordo com o presidente da federação portuguesa, são 22 anos de uma carreira recheada de títulos. “Pedro Silva, o nosso samurai, pauta a sua vida em uma enorme humildade e seguindo sempre os princípios do Budô. É um exemplo para os mais novos e temos o enorme privilégio de poder contar com a sua colaboração, empenho e grande dedicação em nossa gestão, focando o desenvolvimento competitivo dos atletas desta nova FBMP”, afirmou Fernando Silva.

Senseis Hitoshi Kasuya e Fernando da Silva

O dirigente lusitano concluiu destacando a necessidade e a importância de registrar todos os faixas-pretas de Portugal nos quadros da International Traditional Karate Federation.

“Além do mestre José Castro Lopes, nosso professor mais graduado, a nossa federação conta com um corpo de senseis que lhe garante a sustentabilidade técnica. No entanto, o reconhecimento e o devido registo na ITKF dos nossos faixas-pretas roku-dans (6º dan), go-dans (5º dans), yon-dans (4ºdans), san-dans (3º dans), ni-dans (2º dans) e sho-dans (1º dans) é um dos nossos principais objetivos.”

Seleção de Portugal no campeonato europeu capitaneada pelo sensei Rômulo Machado, ex-presidente da Federação Portuguesa de Karatê Tradicional e consultor jurídico de Hidetaka Nishiyama

Crianças em treino de kihon

Seleção portuguesa no Mundial do Egito no Cairo (2014) com Vitor Fins, Pedro Silva, Tozé Lopes, Joaquim Mendes, Rui Morais, Fernando da Silva