Federação Francesa de Karatê à beira da falência financeira

Francis Didier oficializa a transição para Bruno Verfaillie em imagem divulgada pela própria Federação Francesa de Karatê — movimento simbólico que ignora a rejeição do Comitê Olímpico Nacional Francês ao processo eleitoral © FFK

Em face do projeto de poder do seu ex-dirigente, uma das entidades nacionais mais prósperas do karatê mundial enfrenta crise profunda que promete pôr fim ao modelo de gestão que acabou por implodir a entidade — com denúncias, déficits milionários e o risco real de falência batendo à porta da FFK.

Fonte Farzad Youshanlou / Sportsin
Curitiba, 24 de julho de 2025

A Federação Francesa de Karatê (FFK), agora sob a presidência de Bruno Verfaillie, enfrenta uma das mais graves crises institucionais e financeiras de sua história. Com o risco iminente de falência, medidas legais já estão em curso para tentar conter o colapso.

A situação interna é alarmante. Cresce o temor entre os funcionários de que os salários deixem de ser pagos nos próximos meses. Segundo apuração do Sportsin, seis dos 62 empregados da federação já deixaram seus cargos. Parte dessas saídas ocorreu por meio de “convenções de ruptura”, mecanismo que prevê rescisões negociadas com indenização compensatória.

Entre os que abandonaram o barco está Mario Grumic, ex-diretor de serviços e braço direito de Francis Didier — figura central da crise que hoje assola a entidade. Considerado peça-chave nos bastidores da antiga gestão, Grumic teria recebido uma indenização de € 80 mil, embora a federação não tenha confirmado oficialmente os valores. Outra saída de peso foi a de Véronique Bourban, diretora da Comissão de Esportes.

Apesar de ter arrecadado € 37 por cada um dos 249.731 filiados no exercício 2023/2024, a FFK fechou o período com um déficit de aproximadamente € 1,35 milhão. Naquele momento, Francis Didier ainda presidia a federação, que movimentou um total de € 11,7 milhões — dos quais € 1,122 milhão foram repassados diretamente pelo governo francês.

Francis Didier e Antonio Espinós: uma aliança de décadas no comando do karatê europeu e mundial, hoje questionada por práticas centralizadoras e pela conivência diante da crise institucional na França — que já projeta reflexos até mesmo sobre a World Karate Federation © WKF

O rombo, no entanto, não é novo. No exercício anterior, 2022/2023, a entidade já havia registrado prejuízo de € 240 mil. Curiosamente, a maior parte das despesas excedentes foi classificada sob a genérica rubrica de “outras compras e despesas externas”, sem qualquer detalhamento público.

Diante do agravamento do quadro, Bruno Verfaillie convocou uma reunião extraordinária do conselho diretor para o início de agosto, com duração prevista de apenas 90 minutos. A brevidade do encontro tem gerado ceticismo quanto à possibilidade de se estabelecer um plano de recuperação efetivo nesse intervalo tão limitado.

O processo de falência na França segue quatro fases formais. A primeira delas foi deflagrada com a entrega de um relatório do auditor estatutário a Verfaillie, alertando para os riscos financeiros severos que ameaçam a continuidade da entidade. A partir daí, o presidente teve 15 dias para apresentar um plano de recuperação.

Na segunda fase, diante da insatisfação com a resposta apresentada, o auditor solicitou a convocação do conselho de administração — reunião já marcada para agosto. Caso o novo plano também seja considerado insuficiente, a terceira etapa prevê a realização de uma assembleia geral para debater e aprovar uma proposta de salvação.

Se todas as tentativas fracassarem, o processo avança à quarta e última fase: a intervenção judicial. Caberá ao tribunal decidir se a FFK pode ser salva ou se será decretada, de forma definitiva, a falência da entidade.

Grande parte dessa instabilidade remonta à eleição presidencial de dezembro passado, marcada por forte polarização entre Gilles Cherdieu e Bruno Verfaillie. Apoiado abertamente por Francis Didier — ex-presidente cuja longa gestão é apontada como origem da crise — Verfaillie venceu a disputa. No entanto, o Comitê Olímpico e Esportivo Nacional Francês se recusou a reconhecer o resultado da eleição em reunião realizada em 11 de fevereiro de 2025, em Paris.

Apesar da rejeição oficial por parte do Comitê Olímpico Nacional Francês, Bruno Verfaillie foi posteriormente nomeado para o Conselho Executivo da Federação Europeia de Karatê, presidida por Antonio Espinós — que também ocupa a presidência da World Karate Federation (WKF). A nomeação foi interpretada como uma afronta direta às autoridades esportivas francesas e como mais um capítulo da aliança política entre Espinós e Francis Didier, que há anos centralizam o poder no karatê internacional.

A repercussão política do caso segue crescendo. A ministra do Esporte da França, Marie Barsacq, já foi convocada duas vezes ao Senado para prestar esclarecimentos sobre o escândalo e a iminente derrocada da Federação Francesa de Karatê.

Análise

A derrocada da Federação Francesa de Karatê é o retrato de um modelo de poder centralizador e autocrático que, ao longo dos anos, minou a governança da entidade e contaminou suas bases técnicas e administrativas. Os impactos dessa gestão, sustentada por alianças políticas e aparatos de blindagem institucional, agora se revelam de forma devastadora.

A Revista Budô, que há anos acompanha e denuncia os retrocessos promovidos por Francis Didier, reafirma seu compromisso com a transparência e a integridade no esporte. A crise da FFK não é apenas francesa — ela serve de alerta ao karatê mundial sobre os riscos da perpetuação no poder e da ausência de controle democrático nas federações nacionais e continentais.

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