Federação Internacional de Judô impõe multa milionária e Sílvio Acácio resolve honrar contrato

Sílvio Borges afirmou que cancelara o Grand Slam de Brasília por falta de recursos para cumprir o cronograma da competição

Acostumado a cancelar eventos e descumprir o calendário, o presidente da CBJ esqueceu que desta vez agia contra grandes corporações. Tomou invertida, reverteu sua decisão e o Brasil vai realizar o Grand Slam de Brasília

Gestão Esportiva
23 de agosto de 2019
Por PAULO PINTO I Fotos BUDOPRESS e IJF
Curitiba – PR

Após decisão unilateral e arbitrária, presidente da CBJ reviu decisão impensada que prejudicaria significativamente o judô brasileiro e confirmou a realização do Grand Slam de Brasília de 6 a 8 de outubro.

Repetindo o script e o mesmo cenário que vemos no judô na atualidade, há duas semanas a gestão de eventos da Confederação Brasileira de Judô (CBJ) cancelara arbitrariamente a realização do torneio, desconsiderando o compromisso assumido com a Federação Internacional de Judô (FIJ).

A nota então divulgada pela CBJ pegou de surpresa representantes do governo do Distrito Federal, da Secretaria Especial do Esporte e os patrocinadores da entidade que trabalhavam na realização evento e aguardavam ansiosamente esta grande competição.

O secretário Leandro Cruz afirmou que a verba necessária para a competição seria disponibilizada

Justificativa distante da realidade

Espelhando a situação degradante em que o judô brasileiro se encontra, a justificativa apresentada pelo presidente da confederação brasileira difere totalmente daquilo que dizem as outras partes envolvidas. O pior é que a conta não fecha.

No comunicado divulgado em 17 de julho, Sílvio Acácio Borges afirmou que cancelara o Grand Slam de Brasília por falta de recursos para cumprir o cronograma de execução da competição. “Foram esgotados todos os esforços relativos à captação dos recursos necessários em tempo hábil para a realização do evento”, afirmou o dirigente.

Todavia, os parceiros da CBJ desmentiram a justificativa apresentada pelo presidente da confederação. A decisão unilateral acabou sendo uma grande surpresa, tanto para a Secretaria de Estado do Esporte e Lazer quanto para o Bradesco, o principal patrocinador da entidade e com a qual tem contrato até 2020. Segundo informações, a instituição bancária já havia separado recursos extras para conseguir realizar o evento.

O secretário Leandro Cruz lamentou a situação e informou que a verba necessária para a competição seria disponibilizada: “Posso dizer tranquilamente que não temos dificuldades em atender o que foi pedido pela CBJ. Reservamos R$ 3 milhões para que tudo pudesse ocorrer da melhor forma possível, inclusive para a população. Essa era a nossa obrigação e iríamos cumpri-la, o recurso estava reservado. É lamentável o que aconteceu”, completou.

Em nota, o Banco Bradesco, principal patrocinador da CBJ, informou que já havia separado recursos extras para realizar o grand slam

FIJ pressiona e CBJ volta atrás

Este não seria o primeiro cancelamento de evento da Federação Internacional de Judô, e quando isto acontece a entidade mundial imediatamente retira a competição de seu calendário. Mas não foi o que ocorreu desta vez.

Para surpresa de muitos, inclusive dirigentes de vários países que estavam cientes do que acontecia no Brasil, a FIJ manteve o Grand Slam de Brasília em seu calendário e atuou nos bastidores para que ele se realizasse. E graças à habilidade dos gestores da entidade mundial o evento será realizado nas datas e local previamente marcados.

Nos bastidores soubemos que em sua decisão final a FIJ ameaçou aplicar uma multa milionária, além de impor sanções na área esportiva, como aconteceu recentemente com a Confederação Brasileira de Basquete (CBB), que foi suspensa pela federação internacional por cancelar um evento em cima da hora.

Ao tomar uma decisão unilateral, os gênios da gestão da CBJ esqueceram que não estavam apenas mudando a data de um campeonato brasileiro a poucas semanas de sua realização e que não causavam prejuízos financeiros e psicológicos a crianças, familiares e professores, como tem ocorrido frequentemente. Desta vez estavam mexendo com os interesses de grandes entidades e corporações. Além da força e do poder que possuem, havia contratos com TV e transmissão negociada com mais de 130 países. Quebras de contratos desse porte geram multas impagáveis.

Não fosse a articulação dos dirigentes da FIJ em parceria com outros agentes, certamente o Grand Slam de Brasília não se realizaria

Faltou maturidade e jogo de cintura

A verdade é que falta experiência e maturidade à equipe que hoje comanda o judô brasileiro, já que as garantias para realizar o Grand Slam de Brasília estavam sim na mesa. Faltou jogo de cintura, determinação e coragem ao alto comando da CBJ.

Ouvimos Tibério Maribondo, membro do Conselho de Administração da CBJ, e o dirigente detalhou que a decisão foi tomada porque o dinheiro dos parceiros do evento não havia sido creditado.

“Tomamos a decisão com base na realidade dos fatos e o fizemos porque os valores não haviam sido creditados. Não poderíamos correr o risco de ter de arcar com tamanho prejuízo”, disse Maribondo, que também é presidente da Federação de Judô do Estado do Rio Grande do Norte (FJERN).

Segundo fomos informados pela equipe da Secretaria Especial do Esporte do Distrito Federal, o prazo para depósito era 30 de julho. Sem contar que esta seria a quinta vez que o País sedia um grand slam e certamente dispõe de crédito suficiente junto à entidade mundial. Faltou coragem e determinação.

Outro detalhe importante é a cláusula contratual que estipula multa pela desistência. Tibério Maribondo afirmou que estavam cientes da multa, e mesmo assim acharam por bem correr o risco de levar punições na área técnica, pagar a multa contratual milionária e jogar por terra o prestígio que resta de uma gestão que paulatinamente está destruindo a reputação da CBJ, construída a duras penas por Paulo Wanderley Teixeira, atual presidente do Comitê Olímpico do Brasil.

Paulo Wanderley cumprimenta Sílvio Acácio, seu sucessor e eleito com seu apoio, na cerimônia de posse

Faltou ética e consideração

O que mais impressiona neste processo é a falta de ética, consideração e até mesmo de respeito dos gestores da CBJ aos parceiros e apoiadores da entidade. Na quarta-feira (17), um dia após o aviso de cancelamento, a Secretaria de Esporte e Lazer do Distrito Federal informou que o corpo técnico do governo passara a tarde do dia anterior reunido com representantes da CBJ para debater o plano de trabalho do evento e que não houvera conversas sobre as dificuldades financeiras da confederação. Mais tarde, chegou o comunicado informando sobre o cancelamento do torneio.

O Bradesco, grande interessado na realização do Grand Slam de Brasília, também não foi comunicado previamente pelos gestores da CBJ. A decisão unilateral mostra o desrespeito e a falta de preparo das pessoas que deveriam ter um mínimo de consideração às instituições e autarquias que investem na modalidade e a subvencionam.

O judô é hoje a modalidade esportiva com maior apoio da iniciativa privada no Brasil, mas ao tomar decisões descabidas – como a de cancelar um evento importantíssimo sem consultar seus apoiadores – os dirigentes da CBJ mostram que não dão muita importância ao status que o esporte com maior retrospecto olímpico do País conquistou junto a instituições como Cielo, Bradesco e Ministério do Esporte.

Declaração patéticas e síndrome de kohai

Após o choque de gestão imposto pela FIJ e depois que tudo voltou ao normal, o presidente da CBJ acordou para a realidade e tratou de capitalizar os fatos, dando declaração no mínimo patética.

“Numa conversação aberta pela FIJ, inclusive com nossos parceiros à mesa, ficou convencionado que a CBJ realiza este evento sem colocar em risco sua segurança. É uma boa notícia e vem ao encontro do que de melhor podemos oferecer ao mundo do judô, seja ele nacional ou internacional”, disse o dirigente tentando dar a impressão que fora ele o grande mentor e articulador da retomada do evento.

Pressionado pela multa milionária, o dirigente brasileiro voltou à realidade e recuou

A qual segurança se referia o dirigente da CBJ, se o Grand Slam de Brasília havia sido viabilizado economicamente, antes mesmo de ele tomar a decisão de cancelar sua realização?

Nos dias seguintes não faltaram elogios ao presidente da CBJ nas redes sociais. Depoimentos lamentáveis que revelam o raio X do judoca brasileiro: crédulo, inocente e subserviente.

Sem saberem realmente o que de fato havia acontecido, professores kodanshas de todo o País e até mesmo árbitros FIJ A se apressaram a parabenizar e reverenciar o presidente da CBJ, ignorando que foi justamente devido à falta de coragem, arrojo, determinação e até mesmo interesse do dirigente brasileiro que o evento havia sido cancelado.

Não fosse a articulação dos dirigentes da Federação Internacional de Judô em parceria com outros agentes e o peso de uma multa milionária, certamente o Brasil receberia uma série de sanções dentro e fora dos tatamis. Internacionalmente seríamos o grande mico deste ciclo olímpico no cenário mundial e nossos atletas teriam enorme prejuízo. Mas o pior é pegar o celular e ver judocas aparentemente esclarecidos (SQN), reverenciando e parabenizando a diretoria da CBJ nas redes sociais.

Membro do Conselho de Administração da CBJ, Tibério Maribondo afirmou com todas as letras que ao tomar a decisão de cancelar o evento, os gestores da confederação estavam cientes da multa contratual

O posicionamento destes judocas é, a nosso ver, a grande tragédia da modalidade. Com esta postura subserviente estes professores endossam uma gestão que causou graves prejuízos ao judô brasileiro.

Pregamos sempre que, proporcionalmente, as modalidades esportivas possuem o mesmo tamanho da capacidade e da coragem de seus gestores. Foi isso que diferenciou e projetou o judô brasileiro no cenário midiático e esportivo no passado recente.

No caso específico do presidente da CBJ, serei mais explícito, lembrando que podemos medir um líder pelo tamanho dos desafios que ele assume. Ele sempre procura algo do próprio tamanho. Talvez seja por isso que o presidente da CBJ tenha cancelado o Grand Slam de Brasília.