05 de junho de 2025

A Federação Internacional de Judô (FIJ) anunciou a suspensão da Federação Portuguesa de Judô (FPJ) devido a uma dívida acumulada de aproximadamente 800 mil euros. A sanção, com efeito imediato e prevista para durar até um ano, impede que Portugal participe oficialmente de competições sob sua bandeira nacional. Na prática, os judocas portugueses ficam de fora das próximas competições internacionais – inclusive do Campeonato Mundial de Budapeste, marcado para meados de junho – a não ser que compitam sob status neutro.
Apesar da punição institucional, a FIJ esclareceu que não pretende penalizar os atletas diretamente. A entidade permitirá que os judocas portugueses compitam sob a bandeira neutra da FIJ, em vez de representarem oficialmente a bandeira verde-e-rubra de Portugal. Com isso, os seis judocas lusos inscritos no Mundial de Budapeste 2025 poderão subir aos tatamis, embora sem representar oficialmente seu país. Caso conquistem medalhas, a bandeira de Portugal não será hasteada nem o Hino Nacional executado, já que competirão como independentes.
Entre os atletas afetados estão nomes de destaque como o bicampeão mundial Jorge Fonseca (100kg), com títulos conquistados em 2019 e 2021, além da atual campeã europeia Patrícia Sampaio (78kg), Catarina Costa (48kg), Taís Pina (70kg), Rochele Nunes (+78kg) e João Fernando (81kg) — evidenciando o peso da delegação e a importância do Mundial tanto para o país quanto para o circuito internacional de judô.
O Campeonato Mundial é um dos eventos mais relevantes do calendário da modalidade, reunindo a elite do judô global – sua relevância torna a suspensão ainda mais impactante para a comunidade esportiva.
A razão da suspensão está em dívidas contraídas pela FPJ junto à FIJ relacionadas à organização de competições internacionais em Portugal. De acordo com documentos do processo disciplinar, a Federação Portuguesa firmou acordos para sediar eventos de grande porte, mas não cumpriu os pagamentos devidos. Entre os compromissos pendentes estão o Campeonato Mundial Júnior de 2023, realizado em Coimbra, com cerca de €300 mil em taxas não pagas, e duas edições do Grand Prix de Portugal em Odivelas – o de 2023 e o de 2024 – somando aproximadamente €500 mil (cerca de €250 mil por evento). Esses valores em aberto totalizam os €800 mil reclamados pela FIJ. Havia ainda um Grand Prix de Portugal previsto para 2025, que acabou cancelado diante da inadimplência.
Segundo a FPJ, uma parcela inicial de €50 mil chegou a ser paga recentemente como demonstração de boa-fé, mas a grande maioria do débito permanece em aberto. O não pagamento dessas obrigações financeiras configura violação do Código Disciplinar da FIJ e dos contratos assinados. A FIJ informou ter notificado formalmente a FPJ em fevereiro deste ano, concedendo um prazo de 14 dias para a regularização das pendências sob pena de sanções. Sem resposta satisfatória, em 27 de fevereiro a federação internacional rompeu os acordos de organização dos eventos. Em março, foi emitida uma advertência legal derradeira. Como até o início de abril a situação não havia sido resolvida – nem mesmo as taxas anuais de filiação foram quitadas –, a FIJ avançou para a suspensão total da entidade portuguesa.
Conforme as regras internacionais, uma federação nacional que não esteja em dia com suas obrigações financeiras pode ser impedida de participar de Jogos Olímpicos, Campeonatos Mundiais ou qualquer evento sob égide da FIJ. A suspensão atual deixa a FPJ nessa condição de inadimplência reconhecida, o que ameaça não apenas o Mundial em pauta, mas todo o ciclo de competições internacionais, caso o problema perdure. A própria FIJ advertiu que, em último caso, a Federação Portuguesa pode até ser expulsa do quadro de membros se não houver uma solução – um desfecho extremo que todos esperam evitar.
A FPJ foi informada de que tem 15 dias para recorrer da decisão junto à Comissão de Recursos Disciplinares da FIJ. Nesse período, a federação portuguesa poderá apresentar recurso tentando reverter ou amenizar a punição. Sérgio Pina, presidente da FPJ desde 2023, afirmou à imprensa local que a participação dos atletas “não está em risco”, confiando que encontrarão uma saída para que os judocas não sejam prejudicados. A FIJ, por sua vez, comunicou que a suspensão poderá ser revogada antes do prazo de um ano caso a dívida seja paga integralmente – sinalizando que a porta está aberta para um acordo financeiro que ponha fim ao impasse.
Internamente, a situação gerou um jogo de acusações sobre a origem do rombo financeiro. A atual gestão da FPJ atribui a dívida à “catástrofe financeira” herdada da administração anterior. Desde a destituição do ex-presidente Jorge Fernandes, em dezembro de 2022, a nova diretoria alega ter encontrado contas descontroladas e compromissos assumidos sem lastro financeiro. Sérgio Pina destacou que o orçamento anual da FPJ depende quase que exclusivamente de verbas públicas do Estado – cerca de 1,2 milhão de euros por ano, valor alocado às atividades correntes da modalidade. Com um orçamento tão justo, a federação alega ser impossível arcar com uma dívida de 800 mil euros sem apoio extra, especialmente diante da recente instabilidade política em Portugal. A queda do governo e atrasos na liberação de verbas estatais em 2022/2023 foram utilizados como justificativa pela FPJ para postergar os pagamentos devidos à FIJ, agravando o problema.
Do outro lado, o ex-presidente Jorge Fernandes nega ter responsabilidade sobre o montante em débito. Ele argumenta que, ao deixar o cargo, os acordos internacionais firmados estavam dentro do controle e que os pagamentos das taxas de organização seriam feitos com as receitas dos próprios eventos – normalmente quitados após a realização das competições, e não antecipadamente. Fernandes, que liderou a FPJ até o final de 2022, diz que muitos dos atuais dirigentes faziam parte de sua equipe e defende que “não tem nada a ver com isso” após dois anos fora da gestão. Estimativas do ex-mandatário chegam a apontar que a dívida total atual poderia rondar 1 milhão de euros, se considerados também compromissos de 2025, valor que ele classifica como resultado da condução financeira posterior à sua saída. As alegações cruzadas evidenciam uma crise de gestão dentro da FPJ e já motivam investigação das autoridades – a Polícia Judiciária portuguesa realizou buscas na sede da federação recentemente, apurando irregularidades na gestão passada.
Em meio ao clima de emergência, a FPJ busca apoio para minimizar os danos esportivos. De acordo com notícias veiculadas no diário desportivo A Bola, houve uma reunião de emergência entre dirigentes da FPJ e representantes do Comitê Olímpico de Portugal visando encontrar uma solução imediata que permita aos judocas competir sob a bandeira nacional em Budapeste. Uma das possibilidades seria um acordo financeiro ponte, com auxílio governamental ou de patrocinadores, para quitar parte da dívida a tempo de reverter a suspensão ou pelo menos evitar o constrangimento de atletas neutros. Até o momento, porém, não há confirmação de que um entendimento tenha sido alcançado. Os atletas portugueses mantêm o cronograma de treinos e viagem para o Mundial, enquanto nos bastidores corre contra o tempo um esforço diplomático e financeiro para resgatar o judô lusitano desta situação inédita.
A suspensão da Federação Portuguesa de Judô pela FIJ envia um forte recado ao cenário esportivo internacional. Além de abalar um país tradicionalmente competitivo na modalidade, o caso ressalta que obrigações contratuais e financeiras no esporte de alto nível devem ser levadas a sério – sob pena de sanções severas que podem impactar carreiras de atletas e a imagem de uma nação esportiva. No curto prazo, a comunidade global do judô observa atentamente os desdobramentos: a expectativa é de que Portugal consiga sanar suas pendências e retomar plenamente seu lugar nas competições, evitando um precedente ainda mais grave. Enquanto isso, a situação serve de alerta para outras federações nacionais sobre a importância da gestão financeira responsável, reforçando um tom institucional de tolerância zero a inadimplências no judô internacional.
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