15 de novembro de 2024
Força e persistência: a história de Aldo Lubes, o homem que forjou sua vida no caminho do budô
Aos 82 anos, o shihan kyuu-dan de karatê inspira todos aqueles que escutam o relato de sua vida, construída sobre os princípios e virtudes ensinados pela prática do judô e do karatê
Por Helena Sbrissia e Paulo Pinto / Global Sports
15 de janeiro de 2022 / Curitiba (PR)
Aldo Nicola Michele Lubes completou 82 anos em 2021 – e, desses, 67 anos foram dedicados às artes marciais em sua forma mais pura. Yon-dan (4º dan) no judô e kyuu-dan (9º dan) no karatê, ele também é formado em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná (1974) e foi professor concursado de treinamento físico-militar na Escola de Oficiais Especialistas da Aeronáutica Brasileira (1976-1981). Conquistou sua dupla cidadania em 1976, quando se naturalizou brasileiro.
A saudade de sua terra natal, a Itália, contudo, sempre foi muito grande. Depois de chegar ao Brasil, conseguiu retornar ao seu país de origem apenas 14 anos depois para visitar os entes queridos – sua mãe e seus irmãos. A última vez em que esteve no velho continente foi em 2008. “Eu sempre falei para a minha esposa que, quando eu vier a falecer, quero ser cremado. Quero que um pouco das cinzas fique na minha academia e que o resto volte para a minha terra”, diz.
Tendo fundado o seu dojô, o célebre Kodokan, em 1965, o sensei foi responsável por formar mais de 150 faixas-pretas ao longo da vida, sendo um exemplo de paixão e dedicação à arte que pratica. “Eu nunca tive preferência por nenhuma luta. Eu luto o karatê e o judô, mas se eu pudesse lutava também boxe, capoeira, jiu-jitsu e o que fosse, porque o que sempre me fascinou na luta foi a essência dela, de tornar aquele que luta alguém melhor.”
Entre seus alunos, ele destaca dois. O primeiro deles é Adão Antônio Pedroso, cujo primor técnico sempre o fascinou, tornando-se um destaque durante seus anos de total dedicação à arte do judô e do karatê. O outro é ninguém mais ninguém menos que Paulo Leminski, poeta com extensa influência japonesa em seus trabalhos. “Na vida, tive muitos professores; meus próprios alunos me ensinaram tanto nesta vida! O Paulo Leminski mesmo, fui professor dele e aluno também, porque nós conversávamos muito. Ele foi um mentor para mim.”
Infância na Itália
Aldo Lubes nasceu no dia 9 de maio de 1939 na cidade de Turim, na província de Piemonte, Itália. Apenas um ano antes de eclodir a Segunda Guerra Mundial, que viria a mudar o curso de toda a história moderna. “Eu sou um pouco diferente dos meus colegas praticantes das artes marciais porque passei por um período histórico muito diferente do deles.” Como explica o sensei, Turim era uma cidade muito industrial, então, na época da guerra, sofreu intensos bombardeios, porque lá também havia muita produção de armamentos. Os ingleses, portanto, tinham o local como alvo.
Seus pais eram Giuseppe Lubes e Rosa Lamarca. Giuseppe serviu como voluntário na Primeira Guerra Mundial, aos 17 anos, e foi um soldado condecorado. Contudo, não serviu na Segunda Guerra Mundial porque havia perdido um dos pulmões na primeira, por causa dos gases mostarda usados então. Por um infortúnio do destino, mesmo incapaz de servir, o pai de Aldo foi vítima de um bombardeio quando a família se deslocava até um abrigo, e veio a falecer.
Rosa ficou sozinha com um filho de 15 anos, uma filha de 12 e Aldo, na época com apenas 1 ano. Ele foi então mandado para a casa da avó, que morava na região originária de seus pais: Apúlia, numa cidade chamada Corato. “É a província mais linda da Itália. Permaneci lá até os 6 anos, ou seja, até acabarem os confrontos. O país estava completamente devastado e a situação de todos era imensamente difícil.” Aldo conta que sua mãe casou novamente em 1948, com um primo também viúvo e que também tinha três filhos. Ela conseguiu sobreviver no período de guerra costurando uniformes para soldados.
“Eu tenho flashes dos acontecimentos daquela época – dos bombardeios, da casa da minha avó, do circo que eu queria muito conhecer. Como ninguém me levava, fugi e usei um pedaço de tijolo para marcar o caminho de volta. Claro que apanhei da minha avó quando cheguei em casa, porque ela ficou preocupada. Lembro que nós debulhávamos as oliveiras, colocando um lençol embaixo para apanhar as azeitonas. Tenho vagas lembranças da minha infância. Com o fim da guerra, por volta de 1946 e 1947, todo mundo vivia mal. Não era para menos, já que o país estava destruído”, conta.
Aos 15 anos, Aldo Lubes passou por um episódio essencial em sua vida, pois serviu como processo de autoconhecimento e entendimento da própria natureza em situações de conflito. Passeava ele de bicicleta e encontrou três conhecidos do bairro, dois de bicicleta e um a pé. Numa conversa rápida, combinaram de visitar um local chamado Plano da Missa, e cada um dos que estavam de bicicleta deveria carregar o companheiro que estava a pé por uma parte do percurso – cerca de 30 quilômetros.
Aldo foi o primeiro a carregar o garoto, enquanto os outros dois se distanciavam cada vez mais. Na hora de fazer a troca, nenhum deles parou: ao contrário, pareceram pedalar ainda mais depressa. E Lubes precisou carregar o amigo deles até o Plano da Missa. “Quando cheguei estava bastante aborrecido e cansado, e mais ainda ao ver que eles estavam se refrescando perto de uma bica de água.”
“Perguntei o porquê de não terem parado para fazer a troca como tínhamos combinado. Responderam-me que não me tinham ouvido e deram risadas. Queria reclamar, mas me calei porque o cara mais forte me intimidava, além de que eles eram três e eu estava sozinho. Então, tomei um pouco de água da bica e me refresquei, subi na bicicleta e fui embora, deixando-os.”
O colega mais forte seguiu Aldo pelo trajeto de volta e exigiu que ele levasse o amigo como carona ou iria apanhar. O sensei, prontamente, recusou-se, apesar de temer a represália que viria a seguir. Eles brigaram por um tempo, até que Lubes notou que estava por cima do outro menino, o mais forte, golpeando-o. “Continuei socando até ele gritar que desistia. Fiquei surpreso comigo mesmo, tinha vencido e batido no cara que todos temiam por causa da sua truculência. Levantei-me e disse para não me seguir, caso contrário, iria apanhar mais.”
Quando chegou em casa, Aldo precisou mentir para a mãe e para os irmãos – que não acreditaram que seu rosto estivesse todo arranhado “por ter caído de bicicleta”. Quando seu irmão descobriu a verdade sobre a briga, disse que ele havia feito bem ao se fazer respeitar. Ele, então, levou o caçula a um centro esportivo do município para aprender um pouco de judô. Esse foi o primeiro contato de Aldo com a arte marcial japonesa.
Vinda para o Brasil
Passou o período da guerra, Aldo cresceu, ambos os seus irmãos casaram e saíram de casa. Quando tinha 18 anos, recebeu a proposta de um dos filhos de seu padrasto, seu primo de segundo grau, para ir ao Brasil durante um ano e trabalhar em um bar noturno em Copacabana. Ele já trabalhava desde os 12 anos para ajudar em casa, e nesse tempo exerceu todo tipo de ofício: latoeiro, carpinteiro, funileiro, mecânico, padeiro. Mas do que mais gostou foi trabalhar num bar; portanto, a proposta o agradou.
“Meu irmão não queria, mas eu estava determinado, pois tinha ouvido falar do Rio de Janeiro, na minha imaginação uma cidade exótica. Eu achava o Brasil lindo, porque havia assistido a Os Três Cavaleiros, filme do Walt Disney em que o Zé Carioca aparecia”, conta Aldo, que chegou ao País sem falar uma palavra de português em fevereiro de 1958, aos 18 anos.
Durante o pouco tempo em que trabalhou com o filho de seu padrasto, nada saiu como planejado. Então, Aldo decidiu arrumar outro lugar para morar. Contudo, isso desagradou seu anfitrião, que disse que ele deveria parar de trabalhar no bar se saísse da casa dele. O que Aldo fez. “Naquela época, encontrar trabalho foi um pouco mais difícil e o dinheiro para me alimentar estava acabando. Lembro que a minha alimentação era café com leite e pão com manteiga – de manhã, de tarde e de noite –, além de alguns ovos cozidos.”
Em sua nova residência, uma pensão em Copacabana, ele encontrou uma academia chamada Academia Japonesa de Judô, cujo mestre era Shunji Hinata, um dos mais completos e talentosos praticantes desse esporte já surgidos no Brasil, famoso na época por ter vencido o IIº Campeonato Pan-Americano de Judô em Havana, Cuba, em 1956. Antes de se mudar para o Rio, sensei Hinata fora campeão paulista, representando a cidade de Santos.
“Ele tinha uma habilidade técnica muito grande, aprendida com o pai e o avô, em sua cidade natal, Piedade, no interior de São Paulo. Naquela época não havia divisões de peso e o judô era praticado de forma pura, sem nenhum artifício suplementar para tornar o lutador mais forte. Era necessário ser muito técnico e oportunista no momento da luta, ensinava o sensei Hinata.”
Ainda 1958, seis meses depois de chegar ao Brasil, Aldo se encontrava em São Paulo, cidade em que alugou um quarto numa pensão que oferecia comida e alojamento. Ele dividia o tempo trabalhando num hotel e restaurante italiano de renome e lutando numa academia de judô chamada Associação Olímpica de Judô Tambucci, próxima ao Largo São Bento.
“Antes, porém, eu havia ido ao tradicional Dojô Ono, no imponente edifício Martinelli, mas era muito caro para mim; então, fui treinar com o sensei Tambucci, mais acessível. Quem me atendeu foi o pai, Alfredo, que eu nunca vi de kimono, e quem dava o treino era um faixa-preta chamado Aires. Conheci o filho de Alfredo, Luiz, que fazia halteres junto com os praticantes de luta livre. Eu treinava de tarde, único tempo livre que eu tinha, nunca fui de noite. Estava com 21 anos e pensava que o pai era o mestre. O Luiz devia ter uns 30 anos, estatura média, troncudo e musculoso. Um dia passei pela sala onde faziam musculação e perguntaram para mim se eu conseguia levantar uma barra com manilha. Fui, agarrei, e levantei sobre a cabeça. Todos ficaram surpresos – o peso era de 70 quilos. Por isto nunca quis treinar musculação. Isto é o que lembro do Dojô Tambucci.” Sensei Luiz Tambucci, descendente de italianos e aluno dos irmãos Ono, dedicou sua vida às artes marciais. Faleceu em 2021, aos 89 anos, graduado 9° dan.
Passado um ano, após diversas reviravoltas do destino, Aldo voltou ao Rio de Janeiro para auxiliar seu primo, a pedido da mãe. Não muito tempo depois, o sócio de seu primo pediu que fosse a Curitiba para gerenciar um novo restaurante.
Aldo estabelece sua vida em Curitiba
Um dos clientes do restaurante em que trabalhava era praticante de judô, e Aldo, que sentia falta dos treinos, aceitou a recomendação para lutar em um dojô. Foi lá que ele conheceu o sensei Minoru Kamada, recém-chegado do Japão, com quem o italiano rapidamente fez amizade – por mais que eles não conseguissem comunicar-se, visto que nenhum falava o português. Kamada era professor kodansha shichi-dan (7º dan) e fora graduado no suntuoso Instituto Kodokan de Tóquio, a meca do judô mundial. Sensei Kamada participou da assembleia de fundação da Federação Paranaense de Judô em 1961.
“Além das técnicas de judô propriamente ditas, sensei Kamada ensinou-me todo o comportamento socioeducativo inerente a esta arte e a cultura japonesa, como os dois princípios que norteiam o judô: jita-kyoei (amizade e prosperidade mútuas) e sei-ryoku-zen-yo (o melhor uso da energia para eficiência máxima. Em 1963 Aldo graduou-se sho-dan (1º dan) com Kamada ao superar as provas de luta, como era o hábito do Instituto Kodokan.
Em 1964 foram realizadas as Olimpíadas de Tóquio, e o judô foi escolhido como uma das modalidades de artes marciais. Kamada desejava muito participar pelo seu país de origem e, por isso, esforçou-se para conseguir voltar para a sua terra natal. “No último dia de aula de judô reuniu todos os alunos e pediu que aguardassem em seiza (ajoelhados), foi trocar de roupa num espaço que servia como vestiário e, quando retornou, trazia o seu judogi dobrado.”
“Na hierarquia do dojô eu era o quinto, já que havia terceiros e segundos dan mais antigos. Ele me chamou, levantei-me e me aproximei. Disse-me: Este kimono é teu Arudo-san, faça bom uso dele (no idioma japonês não existe a letra L, sendo substituída pela R, então o meu nome para o sensei era Arudo). Isso me deixou surpreso porque havia alunos mais antigos e graduados, todos de origem japonesa e melhores do que eu, mas ao mesmo tempo fiquei envaidecido por ter sido escolhido para usar o judogi dele.”
O presente recebido por Aldo de seu sensei foi o pontapé inicial para que o italiano compreendesse melhor o seu propósito enquanto praticante de artes marciais. Foi após um ano sem entender o porquê de ter recebido aquele kimono que ele compreendeu a razão maior daquilo. Então, procurou seus senpais Kenjiro Hironaka e Macoto Yamanouci para dar aula no dojô que ele decidira abrir. Macoto envolveu-se financeiramente e Kenjiro apenas na parte técnica, pois achava que aquele projeto não daria certo.
“Assim, tirei o kimono de Kamada sensei do armário e o usei por mais de dez anos nos treinos e nas competições, até se tornar um trapo de tão rasgado que ficou. Eu o remendava sempre até que não deu mais para usá-lo. Hoje deve ter mais de 60 anos e encontra-se na academia num quadro com vidro que dois alunos meus mandaram fazer para preservá-lo.”
A fundação do dojô Kodokan e o início no karatê
Em setembro de 1965, Aldo Lubes montou o dojô Kodokan, que em sua tradução literal significa “ensinar o caminho do judô”. Hoje, em 2021, a academia é, segundo o italiano, a mais antiga ainda em atividade em Curitiba. O dojô foi uma homenagem direta de Aldo ao seu mestre de judô, Minoru Kamada, porque ele queria dar continuidade aos ensinamentos recebidos do sensei.
Em setembro de 1965, Lubes foi apresentado a Celso Charuri, um estudante de medicina, e convidou-o para ministrar aulas de karatê, tornando-se ele próprio um aluno da arte marcial. Em 1968, Charuri regressou a São Paulo, quando concluiu seus estudos e acabou fundando um movimento filosófico chamado Pró-vida, que hoje tem milhares de seguidores em todo o País.
Depois de ter-se despedido de Charuri, o caminho de Lubes no karatê seria guiado por outro mestre, o renomado shihan Juichi Sagara, um dos pioneiros da modalidade em São Paulo, que detinha grande liderança no karatê Shotokan. A saga, contudo, para que os dois se encontrassem foi longa. Aldo era praticante do estilo Shotokan que, para ele, era o que mais completava intimamente sua índole – apesar de ter tentado seguir caminho também no estilo Wado ryu. Ele penou, e muito, para encontrar outro mestre que pudesse mostrar a ele os caminhos de seu estilo favorito. Foi até mesmo a Londrina conhecer o mestre Norio Haritani, que o fascinou com sua técnica e potência nos golpes.
Em 1969, conheceu Júlio Takuo Arai, um aluno curitibano do mestre Juichi Sagara. Harai era um karateca extremamente preciso nos katas. Para Aldo, cujo kata favorito é o kanku-dai, o conhecimento avançado nos katas foi suficiente para convencê-lo a treinar com Harai e avançar no aprimoramento técnico da arte do karatê. No mesmo ano, Lubes conseguiu a aprovação para usar a faixa marrom após um exame efetuado pelo próprio shihan Sagara, professor japonês que desembarcou no Brasil em 1957.
Nascido em 27 de maio de 1937, em Marilia importante reduto da colônia japonesa no interior do Estado de São Paulo, o professor shihan kyuu-dan (9º dan) da ITKF, Júlio Takuo Arai faleceu em 2021, aos 84 anos em Curitiba e deixou um legado importantíssimo para o karatê do Brasil.
Nos primórdios do karatê no Brasil, houve um campeonato em São Paulo em 1970, em que um grupo de professores do estilo Shotokan tentava implementar o estilo marcial como esporte, alinhando-se à Confederação Brasileira de Pugilismo (CPB) – a entidade mais antiga de lutas e já responsável por essas modalidades. O responsável pelo karatê na entidade era Yasutaka Tanaka, o grande precursor do karatê no Estado do Rio de Janeiro.
A convite de um mestre de karatê que estava presente no torneio, Aldo participou da primeira competição da modalidade em sua vida. “Neste campeonato reencontrei o Norio Haritani, que naquela ocasião era o técnico da equipe de Piracicaba (SP), e ficou surpreso em me ver participar de um campeonato paulista, sabendo que eu era do Paraná – e nem naturalizado brasileiro eu era na época. Mas, naqueles tempos, não havia controle e, no fundo, eram os primórdios do karatê no Brasil.”
“Os professores que vinham para o Brasil não eram, na realidade, professores de fato. Eram imigrantes japoneses que no país de origem eram agricultores e operários. Mas treinavam o judô e o karatê, e por isso se tornavam senseis ao chegar ao Brasil. Eles eram ótimas pessoas.”
Aos trancos e barrancos, segundo Aldo, porque houve muitas falhas quanto ao controle dos golpes, ele conseguiu conquistar o vice-campeonato tanto em kata quanto em kumitê. Naquele dia, quando conseguiu vencer um dos alunos mais promissores do mestre Sagara, o Ricardo Carvalho, Lubes tornou-se finalmente aluno do sensei, viajando com frequência a São Paulo para treinar em seu imponente dojô no bairro do Ibirapuera.
“Viajava de ônibus de noite, amanhecendo em São Paulo para o primeiro treino às 7 horas da manhã e treinava o dia inteiro. Sagara sensei me cedia um quartinho para descansar e assim continuar treinando até às 22 horas. Ao término, corria até a rodoviária para pegar o último ônibus e retornar a Curitiba. Levava comigo sempre dois kimonos, que os colegas de treino me ajudavam a torcer, encharcados que estavam de tanto suor. Esta rotina durou cerca de 15 anos.”
A criação da Federação Paranaense de Karatê
Com viagens frequentes a São Paulo, nasceu uma grande amizade entre mestre e aprendiz. Naquela época, o karatê ainda era uma modalidade subordinada à CBP, portanto, sensei pediu que Aldo afiliasse seu dojô à Federação Paranaense de Pugilismo para que, no futuro, houvesse a possibilidade de fundar uma federação estadual de karatê – passo imprescindível para criar, então, a Confederação Brasileira de Karatê.
Foi assim que o presidente da CPB, Nereu Silva, pediu que Lubes presidisse o Departamento de Karatê da entidade. No dia 2 de setembro de 1972 realizou-se o primeiro Campeonato Paranaense de Karatê, em Curitiba, organizado pelo próprio Aldo, com a participação da Associação Londrinense, liderada por Norio Haritani, da Associação Maringaense, liderada por Aldenor Castro, e da associação liderada pelo italiano. “Nós fizemos o campeonato, a federação não tinha dinheiro, e eu acabei pagando tudo sozinho para tornar aquele evento possível.”
Em 1973, Aldo tornou-se presidente da Federação Paranaense de Pugilismo após o ocupante do cargo abandonar a entidade. O italiano ajudou todas as modalidades marciais da forma como pôde, contribuindo com o boxe e a capoeira, enviando atletas para competições em outros Estados e se desdobrando para conseguir comprar vestimentas e equipamentos mais adequados. Ele deixaria o cargo somente nove anos depois, em 1982.
Aldo conseguiu realizar edições do Campeonato Paranaense de Karatê em 1974 e 1975, após o sucesso do torneio de 1972. “A minha maior alegria no karatê foi ganhar o campeonato paranaense em 1975. Meus amigos me carregaram nas costas, no ar, e foi uma alegria ver que meus alunos estavam felizes de eu ter conseguido, porque o meu adversário era o melhor atleta da época, um rapaz chamado Adão Antônio Pedroso, muito técnico.”
Em 1975 ele finalmente conseguiu participar do exame para faixa preta em São Paulo e, de 14 candidatos, apenas ele e um paulista conseguiram o feito. Haviam-se passado dez anos desde os primeiros treinos com o mestre Celso Charuri, quando ele conseguiu o 1º dan no karatê.
Aldo viveu uma verdadeira saga até fundar a federação, o que ocorreu somente em 1984, reconhecida e vinculada ao Comitê Olímpico do Brasil (COB) por meio da CBP pela Portaria 42/1984. Durante os 12 anos que separaram a realização do primeiro campeonato e a criação da entidade, ele enfrentou muitas intempéries, políticas e do destino. Muitas portas foram fechadas para ele, que nunca deixou de dedicar-se inteiramente às artes marciais. “O meu desejo sempre foi lutar, porque é o que eu entendo. De burocracia, não – e nem quero entender.”
“Em minha opinião, as pessoas que contribuíram para o crescimento do karatê federativo do Paraná foram aquelas que participaram como atletas, dando não apenas a cara, mas o coração nas competições oficiais. Alguns deles hoje são ótimos professores e continuam contribuindo com suas experiências, participando continuamente. Ainda bem que também temos karatecas que não foram atletas no passado, mas treinaram muito karatê e ainda treinam, dando uma contribuição enorme, apoiando a iniciativa da entidade oficial.”
Os problemas que circundavam o karatê no Brasil
Uma das grandes decepções que cercaram a vida de Aldo aconteceu quando ele foi convidado a ser diretor técnico da Confederação Brasileira de Karatê. Ele conseguiu organizar diversas competições, além de contribuir com o esporte em sua essência de disciplina e persistência. Contudo, descobriu que havia muita falcatrua na parte organizacional e financeira da entidade, com escândalos de compra de exames de faixa, cujos certificados levavam a assinatura de Lubes, o que contribuiu para que seu nome fosse manchado junto com os de outros dirigentes da confederação.
“Chegou um momento em que não havia mais respeito, nós entramos em diversos processos e, por mais que eu não participasse das falcatruas, me ligavam a elas por ser o diretor técnico da confederação. E o presidente da época começou a tratar-me como inimigo até chegar o momento em que fui exonerado. E ele, depois desse desentendimento, começou a espalhar mentiras sobre mim, como a de que eu havia comprado meu dojô com verbas da Federação Paranaense de Karatê.”
Tais acusações são absolutamente infundadas, visto que Aldo financiou o imóvel em 1972, terminou de pagá-lo em 1978, e fundou a federação apenas em 1984. “Ainda bem que meus alunos que foram morar em São Paulo conseguiram desmentir a informação.”
Para Aldo, a legislação esportiva contribuiu negativamente com o karatê porque deu a vários indivíduos uma condição favorável para se aproveitarem de falhas nas leis para obter benefício próprio. Como demorou muito para que a modalidade tivesse suas entidades, houve muita exploração pelos vários estilos existentes na época. Pessoas que se diziam professores eram, na realidade, mal-intencionadas, e, vista a aura mística que envolvia o karatê, aproveitaram para distribuir faixas pretas indiscriminadamente. “Quanto mais distribuíam, maior era o valor dado na comunidade local e no Japão.”
“É evidente que, em campo fértil, até erva daninha se desenvolve mais depressa e muito mais do que a grama boa. Um provérbio diz que em terra de cego, quem tem um olho é rei, e isto aconteceu no Paraná e no Brasil. Infelizmente, ainda ocorre até hoje, pois quem recebe uma graduação desta forma fica com uma dívida difícil de ser retribuída, a não ser com fidelidade ao estilo e à pessoa que lhe concedeu esta graduação.”
Os próximos passos
Aldo Lubes destaca a entrada do karatê no programa olímpico, e como, apesar de um avanço maravilhoso e considerável para a modalidade, muitos ajustes ainda são necessários para que o esporte possa apresentar-se com seu real potencial.
“Eu acho que o número de praticantes do judô e do karatê está aumentando, mas sem a essência das modalidades. Hoje em dia as pessoas não estão preparadas para praticar como estavam antigamente, porque o caminho para se tornar faixa-preta era muito tortuoso e realmente difícil. Se eu desse aula da maneira como as recebi, meus alunos não iam continuar no aprendizado. É preciso facilitar, mas sem perder o valor, porque precisamos estar o mais próximo possível da forma original. As conquistas precisam vir com suor e disciplina.”
Dono de uma memória invejável e uma vida que mais parece um filme, Aldo conta que está escrevendo uma autobiografia com a ajuda dos amigos que fez pelo caminho, a exemplo da melhor professora de inglês do Estado, segundo ele, que foi sua aluna, campeã de kata por muitos anos e graduada em 2º dan (ni-dan). “Hoje, ela me dá a honra de ser minha esposa e companheira de todos os dias”, diz, referindo-se a Denize.
“Quem sou eu para deixar uma mensagem?
Oss shinobu: Força e Persistência!
As palavras japonesas mais importantes dentro das artes marciais.”
“Oss significa empurrar com força e persistência. Treine, mas saiba que o mundo tem muito de bonito.
O karatê é o caminho para enxergar essas coisas da melhor forma possível. A questão educativa e pedagógica do karatê e do judô formam o aspecto mais importante, mais do que os movimentos e técnicas propriamente ditas.
Por meio da educação mensuramos o respeito pelo adversário e pelo mundo à nossa volta. O esporte educa.”